X de Sexo Por Bruna Maia

A legalização do aborto também é sobre liberdade sexual e por isso tanta gente é contra

O lema é: Educação sexual para descobrir, contraceptivos para desfrutar, e aborto para decidir

'Temos de lutar por um mundo que não seja pautado pelo medo de morrer, e que não estigmatize a prática do aborto como algo temível e traumatizante', afirma a colunista - Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

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Transou e engravidou? Bem feito, sua puta vagabunda, agora se vira e cuida sozinha de um filho que você não queria. Não colocou DIU, não tomou pílula, sua piranha? Que se dane. Vai parir sim. Ah, então quer dizer que você estava usando contraceptivo, ele falhou e você tá embuchada? Que pena, vai ter que aguentar. E quer saber? Mesmo se foi estupro pouco importa, vai ter e não pode reclamar desse presente de Deus.

Quem mandou ter uma buceta? Um útero? Por que você foi abrir as pernas, sua puta? É desse jeito que muitos conservadores se colocam nas conversas sobre o aborto, como se a gestação indesejada fosse uma punição para a mulher que ousou ter uma vida sexual.

É curioso, porque a maioria absoluta das gestações envolve um homem cis e ninguém trata eles com o mesmo desprezo e preconceito, assim: Por que você não encapou esse seu peru, hein seu vagabundo? Não fez vasectomia, irresponsável? Então bem feito seu safado, que gaste muito dinheiro com pensão. Ah você não vai poder fazer o curso que queria porque teve um filho? Quem mandou sair enfiando o pau em qualquer buraco?

É porque sabem que, no fundo, quem vai ter que se ferrar cuidando de um filho que não era desejado naquele momento, quem vai ter que mudar seus planos de vida, quem vai ter jornada contínua de trabalho, quem vai passar noites sem dormir é a mulher.

"Ah, mas veja, nem todo homem! Eu por exemplo acordo no meio da noite para trocar a fralda do meu neném". Pois não faz mais que sua obrigação, deixa de querer ganhar biscoito por fazer o mínimo e escuta. Escuta quando nós dizemos que somos nós as punidas pela maternidade, somos nós as que perdemos nossos empregos porque temos que cuidar de uma criança que a sociedade nos obrigou a ter e depois não deu a mínima, são as nossas vidas que são interrompidas porque o estado empurrou para a clandestinidade uma prática ancestral que as mulheres realizam desde sempre.

E somos nós, só nós, que devemos refrear todo e qualquer impulso sexual se não quisermos correr o risco de engravidar. Porque afinal, se a gente arriscou desfrutar do sexo e engravidou, temos que sofrer as consequências. Mesmo que o aborto durante a maior parte da história da humanidade tenha sido comum e legal. Continua sendo comum: se você não conhece nenhuma mulher que fez um aborto é porque você não é o tipo de pessoa na qual as mulheres confiam para contar essas coisas.

Mas ele deixou de ser legal, acessível e sem estigma no momento em que alguns homens acharam por bem proibi-lo. O controle das mulheres sobre a própria natalidade era um entrave ao ambicionado crescimento populacional que garantiria mão de obra barata. Foi apenas em 1869 que o Papa Pio IX determinou que aborto era pecado punível com excomunhão, abrindo o caminho para que estados nação o proibissem.

Vai, sim, sempre aparecer gente para alegar que todo feto tem um pulso que bate no ritmo das trombetas dos anjos, gente que pouco se importa com a vida das mulheres. Mas que os ignoremos, deixemos eles falarem sozinhos e voltemos o debate para o que realmente importa.

- Para as políticas públicas de saúde para que mulheres e outras pessoas que abortam de forma espontânea ou não recebam tratamento digno em hospitais;

- Para a circulação da informação de que o aborto medicamentoso com mifepristona e misoprostol até doze semanas é seguro e recomendado pela Organização Mundial da Saúde, sendo o método mais utilizado em países que já saíram da Idade Moderna e legalizaram a prática. Sim, da Idade Moderna mesmo, porque na Idade Média o aborto era liberado;

- Para a luta pela descriminalização do aborto nos termos tão bem defendidos pela Ministra do STF Rosa Weber: "Maternidade é escolha, não é obrigação coercitiva";

- Para o fato de que todos nós merecemos ter educação sexual desde cedo para aprender sobre as consequências de fazer sexo, mas também para aprender sobre prazer;

A legalização do aborto é importante para que mulheres possam curtir suas vidas sexuais de forma plena e autônoma, sabendo como gozar, como evitar gravidez e sabendo que um acidente não irá condená-las à maternidade compulsória. É por isso que gosto tanto do lema das mexicanas que lutaram para descriminalizar o procedimento e seguem lutando para torna-lo cada vez mais acessível: "educação sexual para descobrir, contraceptivos para desfrutar e aborto para decidir."

Temos de lutar por um mundo que não seja pautado pelo medo de morrer, e que não estigmatize a prática do aborto como algo temível e traumatizante. A maioria das mulheres que fazem não se arrependem. O que as traumatiza é a culpa e a clandestinidade, não o procedimento.

Em outubro eu lanço o livro "Não quero ter filhos –e ninguém tem nada com isso", pela Editora Nacional. E nele deixo claro: não existe mundo melhor para as mulheres sem direitos reprodutivos e não existe direito reprodutivo sem aborto legal. É pela vida das mulheres. É pela autonomia das mulheres. É também pela liberdade sexual das mulheres.