É um alívio não ter mais idade para ver show em estádio
Foi-se o tempo em que eu encarava sol, chuva, desconforto e desrespeito
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Madonna anunciou durante um show na Alemanha na semana passada que sua turnê "Celebration" virá ao Brasil, sem especificar datas ou lugares. Fiquei contente, pois a vi todas as vezes em que ela se apresentou por aqui, e adoraria vê-la de novo. Mas também fiquei aperreado: show em estádio? Tô fora.
Meu primeiro show em estádio foi também o primeiro grande evento desse gênero realizado no Brasil: os dois concertos do Queen no estádio do Morumbi, em São Paulo, em 1981. No primeiro dia, cheguei cedo, entrei logo e cozinhei algumas horas no gramado, à espera da minha banda favorita. Achei tudo maravilhoso.
Como eu só tinha 20 anos na época (e muita disposição), no dia seguinte lá estava eu de novo, repetindo o ritual exaustivo. Hoje, só de pensar que fui dois dias seguidos a um show em estádio, me doem as juntas.
Nos anos seguintes, essas mega aglomerações se tornaram cada vez mais comuns, e eu fui a várias. A era dos grandes festivais começou por aqui com o primeiro Rock in Rio, em 1985. Fui duas vezes, em dias não consecutivos, e sofri com a lama, a falta de transporte, as distâncias gigantescas. Mas também adorei.
E aí vieram Tina Turner, Hollywood Rock, Madonna, Michael Jackson, The Rolling Stones, Shakira, Lady Gaga… Encarei todos, mas aos poucos fui percebendo que eu não tinha mais a mesma energia de antes.
A ficha caiu em 2012, quando Madonna trouxe a turnê "MDNA" para o Brasil. Cheguei cedo ao Morumbi, garanti um bom lugar perto do palco, me encharquei com a chuva. Não me meti em nenhuma briga, não fui espremido nem pisoteado, e nem assaltado à saída do estádio. Mas senti ali que deu. Nenhum artista vale tanto sacrifício.
Hoje em dia, vejo pela TV a galera passando por perrengues parecidos em eventos como o festival The Town, e agradeço aos céus por não estar lá. Os line-ups trazem vários artistas que eu adoraria ver, mas em outras condições. De pé, cansado, molhado e com um milhão de pessoas na minha frente, nunca mais.
Os shows de Taylor Swift no Rio de Janeiro confirmaram o acerto da minha decisão. O calor abrasador, o clima de histeria, a falta de água para beber, tudo isso me deu saudades instantâneas do meu edredom. Depois, quem sabe, um dia eu vejo o filme "The Eras Tour" quando chegar ao streaming.
A passagem de Taylor pelo Rio ficará marcada para sempre pela morte da fã Ana Benevides, um drama que foi realçado pelo descaso da artista e da produtora Time For Fun. Quando eu soube do ocorrido, senti alívio por não ter uma filha adolescente desesperada para ir ao show. Eu teria que proibi-la, ou pior: ir com ela.
Cheguei àquela idade em que música ao vivo tem que ser apreciada com conforto e tranquilidade. Talvez numa casa de fado, num clube de jazz ou, sonho de consumo, num "showcase" de artista: shows fechados para a imprensa, como os que Taylor Swift fez quando veio ao Brasil pela primeira vez, em 2012.
Show em estádio nunca mais, a não ser num esquema muito VIP, em que uma limusine me deixe na porta do camarote e depois vá me buscar. Caso contrário, prefiro ver pela TV, estirado no sofá e bebendo água à vontade. Ser velho tem lá suas vantagens.