Tony Goes

Sueca Loreen se torna a primeira mulher a vencer duas vezes o Eurovision

Mesmo a contragosto, festival não conseguiu escapar da política

A sueca Loreen após ganhar o Eurovision 2023 - Phil Noble 14.mai.2023/Reuters

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Pela primeira vez em seus quase 70 anos de história, o Festival Eurovision da Canção não conseguiu realizar sua edição anual no país que venceu a edição anterior. Em 2023, o evento deveria acontecer na Ucrânia, mas a interminável guerra com a Rússia obrigou os organizadores a procurar outra sede.

Que foi rapidamente encontrada, aliás. Diversos países se ofereceram e o escolhido foi o Reino Unido, o vice-campeão da edição de 2022 e também um lugar onde o Eurovision sempre foi muito popular. Depois de um concurso interno, uma cidade crucial para a história da música pop foi indicada para receber o festival: Liverpool, a terra natal dos Beatles.

A 67ª edição do Eurovision terminou neste sábado (13) com a vitória da canção "Tattoo". Sua intérprete, Loreen, já havia vencido o festival de 2012 com "Euphoria", e se torna assim a primeira mulher a sagrar-se duas vezes campeã. O irlandês Jimmy Logan foi o primeiro homem, em 1980 e 1987. Suécia e Irlanda agora estão empatadas: cada uma venceu sete vezes o festival, mais do que qualquer outro país.

O espetáculo em si não desapontou. Foi a mistura esperada de luzes ofuscantes, efeitos pirotécnicos, coreografias ridículas e uma ou outra música boa ali no meio. Mas a organização não conseguiu barrar um penetra, que jamais é convidado: a política.

Nem tinha como evitar. Afinal, a guerra continua na Ucrânia. O coraçãozinho que serve como um dos logotipos do evento foi preenchido de azul e amarelo, as cores da bandeira ucraniana. Os três apresentadores britânicos –Alesha Dixon, Hanna Waddingham (da série "Ted Lasso") e o anfitrião de talk show Graham Norton, que só participou da grande final– tiveram a companhia de Julia Sanina, muito conhecida da Ucrânia. De certa forma, a noite toda foi uma grande declaração de amor ao país, que vem resistindo bravamente à invasão russa.

Por outro lado, não houve nenhum pedido explícito de paz, muito menos qualquer crítica a Vladimir Putin. A organização do Eurovision chegou a proibir que o presidente ucraniano Volodimir Zelenski mandasse uma mensagem em vídeo, algo que ele já fez em diversas outras cerimônias de premiação. Mesmo assim, ficou claríssimo de que lado está a União Europeia de Radiodifusão (EBU, na sigla em inglês), a organizadora do festival.

Depois da apresentação de todas as 26 canções finalistas, um número especial reuniu participantes de edições anteriores interpretando músicas ligadas à história de Liverpool. A última delas foi "You’ll Never Walk Alone" (em tradução livre, "você nunca andará sozinho"), composta pelos americanos Richard Rogers e Oscar Hammerstein III mas, depois de gravada pela banda local Gerry and the Pacemakers em 1963, transformada num dos hinos informais do Reino Unido.

Todos os artistas convidados – entre eles, vários ucranianos – e os anfitriões da noite se juntaram ao holandês Duncan Laurence, vencedor da edição de 2009. Foi um momento de emoção genuína, num evento onde tudo parece meio pré-fabricado.

O Eurovision pode preferir não se meter nas relações entre países, mas já faz alguns anos que o festival virou um palco privilegiado para o movimento pelos direitos igualitários. Diversos concorrentes já declaram apoio à causa LGBTQIA+ em pleno palco, e os gays são predominantes na plateia.

Este ano, o italiano Marco Mengoni – cuja "Due Vite" terminou em quarto lugar, depois de vencer o festival de Sanremo em fevereiro passado – pareceu confirmar os insistentes boatos sobre sua homossexualidade. Na apresentação inicial dos competidores, quando cada um deles entra em cena portando as cores de seu país, Mengoni trouxe nas mãos, além do pavilhão italiano, a bandeira do arco-íris.

Depois de alguns anos de irrelevância, o Eurovision viu sua popularidade explodir em boa parte do mundo por causa da internet. Em 2023 até os brasileiros puderam votar em seus favoritos pelo aplicativo do festival, ao preço salgado de 0,95 euro por voto (cerca de R$ 5,30).

É inevitável que, num mundo cada vez mais conectado, o festival não consiga mais se manter como uma ilha de alienação e diversão desmiolada. A edição de 2024 acontecerá na Suécia, que acaba de abandonar sua tradicional neutralidade parasse juntar à OTAN. Podemos esperar por mais política no evento, ainda mais se a guerra na Ucrânia ainda não tiver terminado.