Tony Goes

Shows de Tina Turner no Brasil marcaram o apogeu de sua carreira

Cantora se apresentou no Rio e em São Paulo em janeiro de 1988

A cantora Tina Turner - AFP

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São Paulo

No dia 16 de janeiro de 1988, um sábado, Tina Turner entrou para o Livro dos Recordes. A cantora atraiu para seu show no Maracanã, no Rio de Janeiro, uma multidão de 180 mil pessoas –há quem diga que este número foi até maior, por volta de 188 mil. De qualquer forma, foi a maior plateia pagante até então para o espetáculo de um artista solo, e é até hoje a maior de todos os tempos para o show de uma mulher.

Àquela altura, Tina já estava há duas semanas na América do Sul, em sua única visita ao continente. Passou o Réveillon de 1987 para 1988 pulando onda na praia de Copacabana. Depois, se apresentou na Argentina, voltou ao Brasil para lotar o estádio do Pacaembu, em São Paulo, nos dias 9 e 10 de janeiro, e ainda deu um pulinho no Chile antes do triunfo carioca. Criou tamanha conexão com o público brasileiro que se tornou uma espécie de musa do verão, numa época em que essa expressão ainda estava na moda.

O show do Maracanã foi o apogeu da turnê "Break Every Rule", iniciada quase um ano antes, em março de 1987, na Alemanha. Depois de circular pela Europa e pelas duas Américas, Tina Turner ainda passou por Havaí, Austrália, Indonésia, Singapura, Malásia, Tailândia, Taiwan e Japão. Foram 132 cidades ao longo de 12 meses, no que havia sido anunciado como sua despedida. Não foi: a aposentadoria dos palcos só viria mais de 20 anos depois, em 2009.

Em 1988, o Brasil já estava acostumado aos shows gigantescos. O Queen se apresentara no estádio do Morumbi, em São Paulo, em 1981 –e fora proibido de tocar no Maracanã para preservar o gramado. O primeiro Rock in Rio, em 1985, colocou o país definitivamente na rota dos grandes astros internacionais.

Mas os shows de Tina Turner eram realmente de outro patamar. Além da cantora estar no auge de seus poderes, o espetáculo oferecia um telão que não se limitava a apenas transmitir o que acontecia no palco. As imagens eram editadas e ganhavam efeitos especiais, transformando-se em autênticos clipes ao vivo.

E ainda havia o saxofonista Tim Cappello, um gigante de cabelos longos e músculos maiores ainda que tocava saxofone sem camisa. Ele e Tina interagiam de maneira inequivocamente erótica, para assanhamento geral do público.

Tina, de fato, vivia um momento glorioso. Durante duas décadas, comeu o pão que o diabo amassou nas mãos do ex-marido, o guitarrista Ike Turner, com quem formou uma dupla de sucesso. No início dos anos 1980, divorciada e sem um tostão no bolso, se reinventou como artista solo.

O álbum "Private Dancer", de 1984, emplacou meia dúzia de hits, ganhou muitos Grammys e deu a Tina um status de superstar que ela nunca tinha tido antes. Seu sucessor, "Break Every Rule", lançado em 1986, fazia jus ao nome, "quebrando todas as regras": jamais uma cantora pop havia ressuscitado a carreira de forma tão espetacular, ainda mais beirando os 50 anos de idade.

Depois ainda houve mais discos, mais shows e mais sucessos, sem falar da cinebiografia "Tina – A Verdadeira História de Tina Turner", de 1993, que rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz para Angela Bassett pelo papel-título. Ou uma hiper tardia entrada no Hall da Fama do Rock’n’Roll, ocorrida apenas em 2021.

Em meio a esses êxitos todos, as tragédias não deram trégua. Em 2018, Craig, o filho mais velho de Tina, que ela teve com o guitarrista Raymond Hill, cometeu suicídio, aos 59 anos. Em dezembro do ano passado, outro filho, Ronnie, morreu aos 62, de causas não reveladas.

É inevitável o paralelo com Elza Soares. A brasileira e a americana tiveram trajetórias muito parecidas: nasceram na pobreza, despontaram ainda jovens, viveram casamentos abusivos, perderam filhos, amargaram fracassos e deram a volta por cima na carreira numa idade relativamente avançada. Ambas tinham vozes rascantes, além de esbanjar energia em cena. Merecidamente, se tornaram ícones de força, coragem, resistência, talento e negritude.