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Até a década de 1970, os negros eram raríssimos na televisão brasileira. Nas novelas, atores do calibre de Ruth de Souza eram relegados a papéis secundários. No jornalismo, então, o cenário era ainda mais desolador.
Pretos e pardos ainda são sub-representados na nossa TV, mas é inquestionável que suas presenças aumentaram muito nos últimos anos. Nos noticiários, hoje temos figuras de peso como Maju Coutinho, Heraldo Pereira, Aline Midlej, Zileide Silva, Joyce Ribeiro, Flávia Oliveira, Márcio Bonfim, Abel Neto, Adriana Couto e tantos outros. E todos têm uma espécie de dívida com a pioneira Glória Maria.
Natural do bairro carioca de Vila Isabel, ela já era formada em jornalismo pela PUC quando apareceu na tela da Globo pela primeira vez. Mas de uma maneira inusitada: Glória era princesa do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, que se apresentou no programa Discoteca do Chacrinha. O apresentador foi com a cara dela, e a indicou para um estágio na emissora.
Já contratada, Glória Maria fez sua primeira grande reportagem em novembro de 1971, cobrindo o trágico desabamento do elevado Paulo de Frontin. Não demorou para cair nas graças do público. Fez entrevistas históricas nos anos seguintes, de Freddie Mercury, durante o primeiro Rock in Rio, em 1985, ao general João Baptista Figueiredo, o último ditador do regime militar.
"Ele não me suportava", contou ela a Pedro Bial numa entrevista de 2020. "Passei todo o governo Figueiredo ouvindo ‘tira aquela neguinha da Globo daqui’."
Foram vários os episódios de racismo que a jornalista enfrentou ao longo da carreira. Num Roda Viva exibido em 2022, ela conta que até mesmo suas filhas, adotadas em Salvador em 2009, sofriam ataques racistas no colégio. "Nada blinda uma mulher preta do racismo, nem mesmo a fama", afirmou.
Mesmo com tantos obstáculos, Glória Maria chegou a ancorar programas importantes como o RJTV (noticiário local do Rio de Janeiro), o Jornal Hoje e o Fantástico, onde permaneceu de 1998 a 2007. Tirou então um período sabático e se afastou do vídeo por dois anos. Retornou apresentando o Globo Repórter, primeiro ao lado de Sérgio Chapelin e, depois, de Sandra Anneberg. Comandou in loco diversos episódios do programa, até ser diagnosticada com um câncer no cérebro em 2019.
Glória percorreu o mundo fazendo reportagens. Esteve na Palestina, na Nigéria e no sultanato de Brunei. Gabava-se de ter conhecido mais de 200 países –seus colegas brincavam que ela deveria ter ido a algum outro planeta, já que não chegam a 200 as nações e territórios da Terra.
Sua vida amorosa sempre foi agitada, com muitos namorados –muitos deles, estrangeiros. No final da década de 970, teve um relacionamento com José Roberto Marinho, filho do fundador da Globo, Roberto Marinho. Mas a grande paixão de sua vida eram mesmo as filhas adotivas, as irmãs biológicas Maria, atualmente com 14 anos, e Laura, com 13.
Durante muito tempo, Glória Maria recusou-se a revelar sua idade, o que alimentou um vasto folclore ao seu redor. Chegou a jurar que havia nascido em 1959, mas a informação não se sustentava: se fosse correta, teria estreado na Globo com apenas 12 anos de idade. Na verdade, nasceu em 15 de agosto de 1949. Mas sua genética privilegiada sempre lhe deu a aparência de alguém muito mais jovem.
Glória Maria removeu um tumor maligno no cérebro em 2019 e, desde então, diminuiu o ritmo de trabalho. Teve Covid-19 em 2022, e sua última aparição no Globo Repórter foi em agosto passado. Uma metástase no pulmão fez com que fosse internada no dia 5 de janeiro.
Morreu aos 73 anos de idade, e deixa uma enorme lacuna. Afinal, foram mais de 50 anos no ar, na emissora de maior audiência do país. Suas entrevistas em tom descontraído geravam imediata empatia com o público. Seu pioneirismo também abriu portas para várias gerações de jornalistas negros. E sua carreira admirável é um exemplo de dedicação e coragem para todos os profissionais da área.
Erramos: o texto foi alterado
Glória Maria teve um relacionamento com José Roberto Marinho, não com João Roberto Marinho. O texto foi corrigido.