Tony Goes

Minissérie 'Som na Faixa' comete a ousadia de imaginar o futuro do Spotify

História da plataforma de áudio é dramatizada em seis episódios

Cena da minissérie 'Som na Faixa' (The Playlist) - Cortesia Netflix

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Estamos tão acostumados a fazer streaming de músicas e podcasts em nossos computadores e smartphones que até esquecemos que, alguns anos atrás, poderíamos ir para a cadeia por causa disso.

Era uma época dominada por sites como The Pirate Pay, Napster e LimeWire, que ofereciam downloads gratuitos de faixas avulsas e álbuns inteiros, de todos os gêneros musicais. Bom demais para ser verdade, claro: era tudo ilegal, sem o menor consentimento dos artistas e gravadoras.

A indústria da música corria risco de vida e empreendia longas batalhas nos tribunais contra esses piratas profissionais. Mas demorou a entender que o público não voltaria a pagar fortunas por CDs físicos, e mais ainda a perceber que as plataformas de streaming áudio seriam a salvação de sua lavoura.

É em 2006 que começa a história contada pela ótima minissérie sueca "Som na Faixa", disponível há quase um mês na Netflix. Cinco de seus seis episódios são centrados em diferentes personagens reais, todos cruciais para a criação e crescimento do Spotify, a maior plataforma de áudio do planeta. O protagonista do sexto é fictício, e a série ainda comete a ousadia de avançar dois anos no futuro.

Daniel Ek, o idealizador da plataforma, sonhava em trabalhar no Google, mas foi rejeitado por não ter um diploma de faculdade. Mesmo assim, não esmoreceu: ainda muito jovem, inventou a agência de anúncios online Advertigo, que ajudava marcas a direcionar seus anúncios para o público certo, e o vendeu por uma pequena fortuna. A independência financeira permitiu que ele dedicasse seu tempo a pensar numa maneira nova de consumir e compartilhar música.

Precocemente careca, muito apegado à mãe e sem muito traquejo social, Ek é o protótipo de um nerd, e um herói imperfeito na mudança sísmica pela qual o mercado musical passou nas últimas décadas. Felizmente, esta figura que não gera maior empatia não é o protagonista absoluto de "Som na Faixa".

A série acerta ao dedicar cada um de seus episódios a um personagem diferente, com interesses distintos na criação do Spotify. Temos o ponto de vista de Per Sundin, executivo da filial sueca da poderosa gravadora Sony. Ele aprende que não adianta lutar contra a onda digital, ao mesmo tempo em que precisa proteger seu negócio. Também entendemos os dramas pessoais de Martin Lorentzon, sócio-capitalista de Ek, e o de Andreas Ehn, o programador que se revolta com as concessões que seus chefes precisam fazer para que o Spotify vingue.

O episódio mais interessante é o terceiro, centrado na advogada Petra Hansson. Interpretada pela atriz sueca de origem turca Gizem Erdogan, que já havia se destacado nas séries "Califado" e "Amor e Anarquia", Petra é uma mulher inteligente e determinada que age como a voz da razão no meio a um bando de malucos idealistas.

Mas onde "Som na Faixa" realmente inova é no sexto e último episódio. Até então, descontadas as devidas licenças dramáticas, tudo o que aparece na tela corresponde ao que de fato ocorreu na vida real. Mas a protagonista do capítulo final é fictícia: a cantora Bobbi T, encarnada pela atriz e cantora Janice Wakander.

Amiga de infância de Daniel Ek, Bobbi T luta para se estabelecer na carreira e sofre quando gravações desautorizadas de seus shows são disponibilizadas de graça em sites como Pirate Bay. No começo, ela apoia o Spotify, na esperança de que este novo modelo de negócios seja bom para artistas como ela.

Não é o que acontece. Mesmo com suas faixas sendo muito ouvidas na nova plataforma, ela segue ganhando uma ninharia e mal consegue sustentar a si mesma e à filha pequena. Revoltada com a situação, Bobbi T lidera então o movimento "Scratch the Record" ("risque o disco"), promovendo protestos em frente à sede do Spotify e processando a empresa em seu maior mercado, os Estados Unidos.

Tudo isto se passa entre 2023 e 2024, ou seja –é ficção pura. Mas foi a maneira que os roteiristas encontraram para dramatizar aquele que é o maior obstáculo para o Spotify e outras plataformas de áudio: a justa remuneração dos artistas.

Uma escolha criativa ousada, que decerto não irá agradar a todo mundo, e ainda traz um final amargo para uma história que parecia ser de superação e triunfo. Mas, por isto mesmo, também faz com que "Som na Faixa" seja uma das minisséries mais interessantes do ano.