Debate mais solto deixou candidatos exporem não suas ideias, mas a si mesmos
Lula estava visivelmente mais à vontade e relaxado que Bolsonaro
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Debate entre apenas dois candidatos é outra coisa. Sem coadjuvantes tentando roubar os holofotes, os protagonistas da corrida eleitoral conseguem expor com mais clareza não suas plataformas de governo ou suas visões para o país, mas algo ainda mais interessante: eles próprios.
Debate em que os candidatos podem se enfrentar sem muita mediação e sem a restrição das respostas muito curtas, então, é o equivalente da política contemporânea a um embate de gladiadores no Coliseu.
O formato do banco de tempo, já adotado no debate da semana passada entre Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidatos ao governo de São Paulo, é um acerto considerável. Desengessa o confronto e permite um contraste muito mais claro entre os adversários.
Foi sob esta regra que discorreu o primeiro bloco do primeiro debate presidencial da campanha do segundo turno das eleições presidenciais, promovido pelo pool formado por Folha, UOL, Band, Cultura e outras empresas ligadas a esses grupos de comunicação. Depois de responder a uma pergunta dos mediadores, cada um dos candidatos tinha 15 minutos para se dispor como gostaria, interpelando diretamente o adversário.
Jair Bolsonaro (PL) foi o primeiro a responder a uma pergunta do jornalista Eduardo Oinegue, um dos mediadores. Tenso, não encarou a câmera nem saiu de trás de sua bancada. Lula (PT), que respondeu em seguida, aproveitou a deixa e fez exatamente o contrário: caminhou pelo palco e se dirigiu diretamente ao espectador. Estava com a voz cansada, mas visivelmente mais à vontade que o rival.
Na sequência, os dois se dirigiam um ao outro com um leve escárnio. Lula tratava Bolsonaro com um quase desrespeitoso "você", Bolsonaro replicava com um irônico "seu Lula".
Num dado momento, o atual presidente chegou a apelar para o etarismo para desqualificar o ex-presidente: "pega mal para a sua idade". Curiosamente, não conseguiu conter a tosse algumas vezes, quando o assunto era a Covid-19.
No segundo bloco, os candidatos tinham que responder a perguntas feitas por jornalistas. A primeira foi Vera Magalhães, desrespeitada por Bolsonaro no primeiro debate presidencial do primeiro turno. Lula pediu para ela não se assustar: iria se aproximar da câmera, mas sem agredir a repórter. Já o presidente iniciou sua resposta com um cínico "que satisfação revê-la".
O candidato da extrema-direita se mostrou mais desenvolto ao responder a uma questão de Patrícia Campos Mello, repórter da Folha, sobe fake news. Tirou os óculos e, aparentando indignação, foi o primeiro a tocar no tema quente deste fim de semana: a pedofilia. Era evidente a tentativa de esvaziar uma possível investida de Lula, mas também uma jogada arriscadíssima.
Aliás, seus marqueteiros deveriam ganhar adicional por insalubridade. Não há uma única tentativa de suavizar a imagem de Bolsonaro que ele mesmo não dinamite com suas palavras tronchas.
No terceiro bloco, que voltou ao formato do banco de tempo, aconteceu algo inusitado. Lula respondeu a uma pergunta de Bolsonaro sobre o petrolão; quando terminou, o presidente ficou alguns segundos sorrindo, sem dizer nada. Parecia não saber o que retrucar. Quase um nocaute técnico.
Em seguida, os dois se aproximaram, e Bolsonaro chegou a tocar Lula no ombro. Por um momento, passaram a impressão de que iriam sair no mano a mano. Acabaram falando os dois ao mesmo tempo, provocando uma intervenção do mediador Leão Serva.
Nas redes sociais, um dos assuntos era o look dos candidatos. Lula tomou de volta as cores da bandeira, ao portar uma gravata com faixas verdes, amarelas, azuis e brancas. Já Bolsonaro escolheu uma gravata totalmente verde.
O petista também usava um broche da campanha Faça Bonito, contra a violência sexual contra crianças e adolescentes – uma sutil cutucada ao adversário, acusado de pedofilia depois de dizer que "pintou um clima" entre ele e uma venezuelana de 14 anos de idade.
Na reta final, Lula cometeu uma bobeada: falou demais e esgotou seu banco de tempo muito antes que Bolsonaro, que ainda tinha quase seis minutos à disposição. O presidente finalmente se soltou diante das câmeras, mentindo à vontade sobre Lula ter fechado igrejas, sem medo de ser interrompido. Seu adversário fez dois pedidos de direito de resposta e um deles foi aceito, o que lhe rendeu apenas um minuto a mais.
De modo geral, foi um debate animado e, felizmente, curto: menos de duas horas. Nenhum dos candidatos feriu o outro de morte, nem houve o momento de exaltação que tantos esperavam. Ambos foram aperfeiçoando seus desempenhos ao longo dos blocos. Lula largou melhor, titubeou no último bloco, mas se recuperou nas considerações finais. A ver se o confronto repercutirá nas pesquisas que serão divulgadas esta semana.