Tony Goes

Spotify passa pano para negacionistas e se torna mais um vilão big tech

Mesmo com desgaste de imagem, plataforma não abre mão de Joe Rogan

Cantor Neil Young, que retirou seu catálogo do Spotify em protesto contra podcasts negacionistas na plataforma - Alice Chiche - 07.jul.18/AFP

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O algoritmo do Facebook bloqueia quem postar fotos de seios femininos, mas permite discursos racistas e homofóbicos sob a bandeira da liberdade de expressão. O Twitter precisou ser pressionado para incluir em sua versão brasileira o botão de denúncia de fake news. O Telegram, que não exerce o menor controle sobre seus usuários, se finge de morto ao ser interpelado pelo Ministério Público Federal.

Bem-vindo ao mundo dos vilões big tech: corporações gigantescas da internet que, em nome do lucro, facilitam a disseminação de notícias falsas. Algo que, em última instância, pode provocar a morte de muita gente. Essa galeria da infâmia acaba de ganhar um novo membro: o Spotify, a maior plataforma de áudio do mundo.

Surgido na Suécia, em pouco tempo o Spotify se tornou o aplicativo favorito de quem quer ouvir música online. Mas isto era pouco: em busca de um diferencial que o destacasse ainda mais da concorrência, a empresa comandada por Daniel Ek investiu pesado para garantir a exclusividade de alguns dos podcasts mais populares dos Estados Unidos.

Um desses podcasts é "The Joe Rogan Experience", pelo qual a plataforma desembolsou a bagatela de US$ 100 milhões (aproximadamente R$ 538 milhões). Apresentado pelo comediante Joe Rogan e com episódios com mais de quatro horas de duração, o programa é um talk show em que são entrevistadas personalidades de diversas áreas.

Algumas dessas personalidades são médicos negacionistas, como Peter McCullough e Robert Malone. Ambos fizeram uma série de declarações falsas a respeito da Covid-19 no programa. Rogan, que é leigo no assunto, não os contestou.

Ele mesmo já falou muita besteira. Disse, por exemplo, que os hospitais têm "motivações financeiras" para registrar a Covid-19 como a causa de morte, e que a ivermectina é eficaz contra a doença.

"The Joe Rogan Experience" já havia sido alvo de um abaixo-assinado de mais de mil médicos, cientistas e educadores americanos, cobrando uma atitude por parte do Spotify. Mas o caso só alcançou repercussão planetária quando o cantor e compositor Neil Young pediu que suas músicas fossem retiradas do catálogo da plataforma.

Young foi prontamente seguido por sua colega Joni Mitchell. Ambos sobreviveram à poliomielite, que contraíram na infância, antes da descoberta da vacina contra a doença pelo doutor Albert Sabin. Ambos sentiram na própria pele o que pode causar a ausência da vacinação.

Outros nomes vêm aderindo ao boicote, como o cantor Nils Lofgren. O príncipe Harry e sua mulher Meghan Markle pediram uma reunião com o Spotify, com quem também têm um contrato de exclusividade para podcasts. O diretor da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom, elogiou publicamente a atitude de Neil Young. A bola de neve está crescendo.

E como o Spotify vem reagindo a esse desastre de relações públicas? Mal, é claro. Primeiro, a plataforma declarou que já removeu milhares de episódios de diversos podcasts por conterem desinformação. Depois, anunciou que irá colocar um alerta sobre conteúdo em qualquer podcast que discutir a Covid-19, com um link para uma central de dados comprovados.

É pouco. Num mundo ideal, o Spotify dispensaria Joe Rogan, e talvez se embrenhasse numa batalha legal para reaver os US$ 100 milhões que já gastou. Tiremos nossos cavalinhos da chuva, porque não há hipótese de tal coisa acontecer.

O próprio Joe Rogan sentiu o golpe. Num vídeo de quase 10 minutos postado no Instagram, o comediante prometeu que tomará mais cuidado daqui para a frente. Não, ele não se converteu à ciência: está apenas com medo de perder anunciantes, que agora podem hesitar em associar suas marcas a ele.

O que este caso ensina é que não há pandemia que contenha a ganância de certas corporações. Mas existe algo que pode fazê-las mudar de ideia: a pressão popular. Pressionemo-las, pois.