Spotify passa pano para negacionistas e se torna mais um vilão big tech
Mesmo com desgaste de imagem, plataforma não abre mão de Joe Rogan
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O algoritmo do Facebook bloqueia quem postar fotos de seios femininos, mas permite discursos racistas e homofóbicos sob a bandeira da liberdade de expressão. O Twitter precisou ser pressionado para incluir em sua versão brasileira o botão de denúncia de fake news. O Telegram, que não exerce o menor controle sobre seus usuários, se finge de morto ao ser interpelado pelo Ministério Público Federal.
Bem-vindo ao mundo dos vilões big tech: corporações gigantescas da internet que, em nome do lucro, facilitam a disseminação de notícias falsas. Algo que, em última instância, pode provocar a morte de muita gente. Essa galeria da infâmia acaba de ganhar um novo membro: o Spotify, a maior plataforma de áudio do mundo.
Surgido na Suécia, em pouco tempo o Spotify se tornou o aplicativo favorito de quem quer ouvir música online. Mas isto era pouco: em busca de um diferencial que o destacasse ainda mais da concorrência, a empresa comandada por Daniel Ek investiu pesado para garantir a exclusividade de alguns dos podcasts mais populares dos Estados Unidos.
Um desses podcasts é "The Joe Rogan Experience", pelo qual a plataforma desembolsou a bagatela de US$ 100 milhões (aproximadamente R$ 538 milhões). Apresentado pelo comediante Joe Rogan e com episódios com mais de quatro horas de duração, o programa é um talk show em que são entrevistadas personalidades de diversas áreas.
Algumas dessas personalidades são médicos negacionistas, como Peter McCullough e Robert Malone. Ambos fizeram uma série de declarações falsas a respeito da Covid-19 no programa. Rogan, que é leigo no assunto, não os contestou.
Ele mesmo já falou muita besteira. Disse, por exemplo, que os hospitais têm "motivações financeiras" para registrar a Covid-19 como a causa de morte, e que a ivermectina é eficaz contra a doença.
"The Joe Rogan Experience" já havia sido alvo de um abaixo-assinado de mais de mil médicos, cientistas e educadores americanos, cobrando uma atitude por parte do Spotify. Mas o caso só alcançou repercussão planetária quando o cantor e compositor Neil Young pediu que suas músicas fossem retiradas do catálogo da plataforma.
Young foi prontamente seguido por sua colega Joni Mitchell. Ambos sobreviveram à poliomielite, que contraíram na infância, antes da descoberta da vacina contra a doença pelo doutor Albert Sabin. Ambos sentiram na própria pele o que pode causar a ausência da vacinação.
Outros nomes vêm aderindo ao boicote, como o cantor Nils Lofgren. O príncipe Harry e sua mulher Meghan Markle pediram uma reunião com o Spotify, com quem também têm um contrato de exclusividade para podcasts. O diretor da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom, elogiou publicamente a atitude de Neil Young. A bola de neve está crescendo.
E como o Spotify vem reagindo a esse desastre de relações públicas? Mal, é claro. Primeiro, a plataforma declarou que já removeu milhares de episódios de diversos podcasts por conterem desinformação. Depois, anunciou que irá colocar um alerta sobre conteúdo em qualquer podcast que discutir a Covid-19, com um link para uma central de dados comprovados.
É pouco. Num mundo ideal, o Spotify dispensaria Joe Rogan, e talvez se embrenhasse numa batalha legal para reaver os US$ 100 milhões que já gastou. Tiremos nossos cavalinhos da chuva, porque não há hipótese de tal coisa acontecer.
O próprio Joe Rogan sentiu o golpe. Num vídeo de quase 10 minutos postado no Instagram, o comediante prometeu que tomará mais cuidado daqui para a frente. Não, ele não se converteu à ciência: está apenas com medo de perder anunciantes, que agora podem hesitar em associar suas marcas a ele.
O que este caso ensina é que não há pandemia que contenha a ganância de certas corporações. Mas existe algo que pode fazê-las mudar de ideia: a pressão popular. Pressionemo-las, pois.