Mario Frias e DJ Ivis são expoentes do deserto cultural que atravessamos
Obscurantismo e violência agravam o apagão causado pela pandemia
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A pandemia da Covid-19 provocou um estrago em todas as áreas da atividade humana. Além dos 4 milhões de mortos (mais de meio milhão só no Brasil), a doença fez cair o PIB de quase todos os países, trazendo fome e instabilidade política.
Em meio a esse panorama desolador, parece até mimimi reclamar da paralisia que o coronavírus causou na produção cultural. Mas esta também é uma indústria que emprega milhões de pessoas no mundo inteiro, e as consequências desse desmanche se refletem por toda a sociedade.
Aqui no Brasil, estamos sem teatro presencial há mais de um ano. As emissoras de TV aberta reduziram ao mínimo suas gravações e ninguém aguenta mais tanta reprise de novela. As poucas séries que vêm sendo produzidas para o streaming tiveram suas gravações realocadas para o Uruguai. O cinema, depois de um 2019 cheio de prêmios e boas bilheterias, praticamente evaporou.
O mais triste, no nosso caso, é que as causas desse apagão vão além da pandemia. Também calhamos de ter o pior governo de todos os tempos justamente nesse período crítico, com a cultura a cargo de fanáticos religiosos e despreparados que mal sabem escrever em português. Para piorar, problemas estruturais como o machismo e o recurso à violência entornaram o caldo de vez.
O caso do DJ Ivis é assustador. A grande revelação musical do ano estava à beira da consagração. Seu sucesso avassalador mereceu até matéria elogiosa na Ilustrada. No entanto, Iverson de Souza Araújo está hoje na cadeia, em prisão preventiva, depois que afloraram vídeos em que ele aparece agredindo sua ex-mulher.
Fãs, produtores e colegas agora repudiam o intérprete de hits como “Probleminha”. Ele enfrentará dificuldades para retomar a carreira, mesmo tendo conquistado mais de 250 mil novos seguidores no Instagram –até porque a tendência já se inverteu.
O DJ Ivis é só um exemplo famoso da boçalidade que permeia o nosso DNA mental, onde o machismo, o racismo e a homofobia ainda florescem. Não é preciso ter faltado à escola para ostentar esses horrores: gente que teve acesso à melhor educação, como o secretário especial da Cultura, Mario Frias, também têm culpa no cartório.
A única qualificação de Frias para o cargo é sua adulação ilimitada a Jair Bolsonaro. Ator de carreira inexpressiva e sem nenhuma experiência em gestão cultural, ele é ainda menos apto para o cargo do que seus antecessores Roberto Alvim ou Regina Duarte, que pelo menos têm currículos de peso.
Volta e meia, Frias diverte os internautas com seus erros crassos de ortografia. Nos últimos dias, cravou um “Titi” ao se referir ao técnico da seleção brasileira, Tite. Com isto, mostrou que nem mesmo os cadernos de esporte fazem parte de suas leituras.
Infelizmente, o dano causado por Frias vai muito além. Dois episódios estarrecedores ganharam as manchetes esta semana. Primeiro, o Festival de Jazz do Capão, no interior da Bahia, teve negado seu acesso aos mecanismos da Lei Rouanet por se declarar antifascista e democrático. O parecer técnico que rejeitou o evento estava carregado de absurdas referências religiosas.
Ainda mais grave foi a bravata expelida pelo secretário nesta quinta (15). Com a grosseria e a incultura típicas de um integrante do gabinete do ódio, o assessor especial da Presidência da República Tercio Arnaud Tomaz perguntou no Twitter “quem caralhas é Jones Manoel”, anexando uma matéria em que o historiador pernambucano afirma que já comprou fogos para celebrar a eventual morte de Bolsonaro.
Frias não perdeu mais esta oportunidade para puxar o saco do presidente. Respondeu: “Realmente eu não sei. Mas se eu soubesse diria que ele precisa de um bom banho”. Jones é negro.
O escândalo foi imediato, e o próprio Twitter apagou o post de Frias por violar suas regras de conduta. O ex-ator ainda tentou disfarçar seu racismo: “Toda pessoa suja precisa tomar banho e não existe pessoa mais suja do que aquela que deseja e celebra a morte de um chefe de Estado democraticamente eleito enquanto louva um genocida como Stálin”.
De fato, Manoel é defensor das ideias do ditador soviético, responsável por milhões de mortes. Mas o próprio Frias admitiu que não sabia de quem se tratava quando escreveu que o historiador precisava “de um bom banho”. Ou seja, foi racismo mesmo.
O que me consola é que tudo passa, e este momento terrível em breve também passará. Há sinais alvissareiros: o escritor Paulo Coelho e sua mulher, a artista plástica Cristina Oiticica, doaram os R$ 145 mil que o Festival do Capão precisa para acontecer. Cinema, TV e teatro retomam lentamente o ritmo normal com o avanço da vacinação. Um novo dia vai raiar.
Não que eu me importe muito, mas o que será de Mario Frias neste novo dia?