Negros estão mais presentes na TV brasileira, tanto em frente como atrás das câmeras
Trace Brasil e Narrativas Negras mostram que a representatividade está aumentando
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Em 2013, eu participei de um seminário do Robert McKee, um dos maiores professores de roteiro do mundo, promovido pela Globosat. Éramos 300 pessoas na plateia, das quais apenas seis negras.
O pior é que na época eu nem reparei. Hoje esse dado me choca. Ele me foi passado pelo roteirista Marton Olympio, que está chefiando a sala de conteúdo Narrativas Negras, uma iniciativa do VIS, o ViacomCBS International Studio, ligado à ViacomCBS —a holding de comunicação que engloba os estúdios Paramount, os canais MTV, Comedy Central e Nickelodeon e a plataforma Paramount +, entre outras empresas.
Participam da sala Narrativas Negras a escritora Eliana Cruz, o quadrinista Estevão Ribeiro, a atriz e dramaturga Lidiane Oliveira e a roteirista Renata Diniz.
O objetivo dos cinco é gerar ideias não só para séries, mas para o que Marton chama de produtos —filmes, programas de variedades, projetos multiplataforma. Dos mais diferentes gêneros, do terror à comédia romântica. Sempre, é claro, de uma perspectiva negra.
“Só o negro sabe o que ele passa”, prossegue ele, em entrevista por videoconferência. “Eu, por exemplo, deixei de ser tão parado pela polícia como era antes depois que passei a usar óculos”. Outro dado chocante.
“Eu cresci lendo personagens negros escritos por autores brancos”, acrescenta Eliana. “Nunca li minha avó num livro. Afinal, Jorge Amado era branco, e ele não sabia como era a minha avó”.
A sala Narrativas Negras segue as diretrizes de inclusão e diversidade que a ViacomCBS vem tentando implantar em todos seus braços pelo mundo. Empresas como a Amazon e a Netflix também seguem políticas parecidas.
A própria Globo já realizou oficinas exclusivas para o desenvolvimento de jovens roteiristas negros, gerando frutos como o especial de Natal “Juntos a Magia Acontece”, de 2019, escrito por Cleissa Regina Martins.
Outro caso que evidencia o aumento da presença negra na televisão brasileira é a plataforma de mídia e entretenimento Trace. De origem francesa e voltada à cultura afrourbana, a empresa está presente em mais de 120 países, na TV paga, no rádio e na internet, atingindo um público de 350 milhões de pessoas.
A Trace estreou no Brasil no final de 2019 com o programa Trace Trends, sobre figuras de destaque da cena negra brasileira, que teve sua primeira temporada exibida pela RedeTV!. A próxima safra estreia em junho no canal Multishow, que o exibirá semanalmente, e no Globoplay, que o disponibilizará inclusive para não-assinantes.
“O mercado não nos enxergava como consumidores”, diz Alberto Pereira Jr., que já foi jornalista da Folha e, depois de passar por algumas produtoras, hoje é head de produção e conteúdo da Trace Brasil. “Mas hoje já realizamos ações de branded content para grandes marcas, que estão de olho neste imenso mercado”.
De fato, há muito dinheiro em jogo. Os negros, que englobam as pessoas pretas e pardas, são minoria no Brasil apenas em termos políticos. Numericamente, são mais de 54% da população, segundo os dados do censo de 2010 (a esta altura, já devem ser mais).
Hoje o Brasil finalmente assiste ao surgimento de uma classe média negra de tamanho e poder aquisitivo consideráveis. Iniciativas como o Fies e o Prouni, que garantiram o acesso de milhões de jovens à universidade, explicam um pouco tal crescimento –e o atual governo tenta demolir estes mecanismos, justamente para que o país permaneça preso num passado degradante.
Só que não tem mais volta. Pouco a pouco, os negros brasileiros vêm ocupando seus lugares de direito em todos os ramos da atividade econômica. Na televisão ainda são poucos, mas já estão mais visíveis, tanto em frente como atrás das câmeras. Trace Brasil e Narrativas Negras não são fenômenos isolados. É bom já ir se acostumando.