Acossado por escândalos, Globo de Ouro tenta manter o glamour durante a pandemia
Cerimônia presencial e virtual ao mesmo tempo teve algumas surpresas
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Por que damos tanta importância ao Globo de Ouro? A segunda mais badalada premiação do cinema americano, atrás apenas do Oscar, tem uma história eivada de escândalos e suspeitas. Volta e meia, afloram acusações de suborno aos pouco menos de 90 membros da Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA, na sigla em inglês). Tampouco faltam escolhas absurdas e omissões gritantes, entra ano, sai ano.
Acontece que, nos Estados Unidos, a entrega do Globo é exibida pela rede NBC, na TV aberta. Como os direitos de transmissão do Oscar pertencem há décadas à rival ABC, a emissora quis um prêmio para chamar de seu. E adotou uma estratégia inteligente: ao invés de exagerar a relevância cultural dos troféus, prefere promover a cerimônia como “a festa mais divertida do ano”.
E é de fato uma festa, com direito a jantar e muita bebida para os convidados. O álcool liberado propiciou momentos memoráveis ao longo dos anos, com estrelas de diversos calibres passando vergonha em frente às câmeras. Também vigora no salão um clima de camaradagem, com os artistas pulando de mesa em mesa para abraçar colegas e fazer fofoca.
Aí veio a pandemia, e uma festa nos padrões tradicionais, com muita aglomeração, tornou-se inviável. A HFPA até tentou adiar o evento ao máximo, transferindo-o do começo de janeiro para o final de fevereiro. Não deu muito certo: a cerimônia realizada neste domingo (28) foi presencial e virtual ao mesmo tempo, e passou longe da euforia de edições anteriores.
Mas não chegou a ser frustrante, porque a produção se esforçou para manter o glamour. Chamou de volta a dupla de apresentadoras que mais deu certo na última década, e colocou uma em cada canto do país: Tina Fey subiu ao palco do Rainbow Room, o restaurante no topo do Rockefeller Center, em Nova York, e Amy Poehler ficou na locação tradicional da festa, o hotel Beverly Hilton, em Los Angeles.
As duas literalmente dividiram a tela, e chegaram a “interagir”, com Tina “afagando” os cabelos de Amy. O mais incrível é que não havia delay entre elas: parecia mesmo que estavam juntas, no mesmo lugar. Também foi acertada a decisão de colocar gente nas duas plateias, o que esquentou os ambientes com aplausos e risadas. Mas não eram celebridades, e sim profissionais de saúde. Todos devidamente mascarados e com bastante distanciamento entre as mesas.
Se a parte presencial correu sem problemas, o mesmo não pode ser dito da virtual. Quase todos os indicados estavam longe, em suas próprias casas ou em quartos de hotel, e se conectaram por vídeochamada. Aí, o inevitável aconteceu: Daniel Kaluuya, o primeiro vencedor da noite (melhor ator coadjuvante de cinema por “Judas e o Messias Negro”), se esqueceu de ligar o microfone de seu computador na hora de agradecer. Outros premiados fizeram discursos chatos transmitidos por microfones sofríveis, o que só aumentou a tortura sofrida pelo espectador.
Os Globos costumam tirar sarro de si mesmos, e dessa vez não foi diferente. Tina Fey e Amy Poehler citaram, no discurso de abertura, tanto a viagem de luxo que a Netflix pagou a alguns membros da HFPA para visitar o set de “Emily in Paris” na França, como um dado incontestável e indefensável: a Associação não tem um único integrante negro. Seus próprios diretores prometeram corrigir essa falha, em rápida passagem pelo palco.
Talvez para provar que não é racista, três dos seis prêmios de atuação em cinema saíram para atores negros. Além do já citado Kaluuya, venceram Chadwick Boseman, melhor ator dramático por “A Voz Suprema do Blues” (uma vitória póstuma, largamente esperado) e Andra Day, melhor atriz dramática por “The United States vs. Billie Holliday” (uma zebra absoluta).
Mais intrigante ainda foram os três prêmios de atuação feminina em cinema. Assim como Andra Day, as duas outras ganhadoras passavam longe do favoritismo em suas respectivas categorias. Rosamund Pike foi eleita melhor atriz cômica por “Eu Me Importo”, desbancando a búlgara Maria Bakalova, que concorria por “Borat – Fita de Cinema Seguinte”.
E Jodie Foster atropelou nada menos do que três concorrentes mais cotadas –Glenn Close, Olivia Colman e Amanda Seyfried– ao levar a estatueta de melhor coadjuvante por “The Mauritanian”. Tão surpresa quanto o público, ela agradeceu ao lado de sua mulher, Alexandra Hedison. Um lindo gesto, vindo de uma atriz que precisou se esconder no armário por décadas.
Esta tripla zebra se inscreve em duas tradições dos Globos de Ouro. Todas as três atrizes estão em filmes recém-lançados, que não receberam muita atenção de outros prêmios, e a HFPA adora ser a primeira a reconhecer produtos novos de qualidade. A outra tradição é, simplesmente, quebrar expectativas: não há ano em que não haja pelo menos um premiado espantoso.
Dessa forma, pode-se dizer que o Globo de Ouro continua o mesmo, apesar da pandemia. Na premiação de 2021, houve escândalos e surpresas, como quase todo ano. Só faltou a birita.