Tony Goes

Mario Frias dá show de canastrice em vídeo da Secretaria de Comunicação

Campanha #UmPovoHeroico valoriza sacrifício pessoal, em visão edulcorada da história do Brasil

Mario Frias - Instagram/mariofriasoficial

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Não dá para dizer que a carreira artística de Mario Frias tenha sido um grande sucesso. O começo até que foi promissor: o ator despontou na série infanto-juvenil “Caça Talentos”, protagonizada por Angélica nas manhãs da Globo em 1996. Depois encarou três temporadas de “Malhação” e alguns papéis em novelas e seriados do canal, nenhum muito marcante.

Na última década e meia, Frias passou por quase todas as emissoras abertas. Retornou à Globo algumas vezes, mas nunca mais teve contrato de longo prazo. E parecia ter encontrado um novo caminho profissional como apresentador, comandando game shows na RedeTV!. Mas ele queria mais.

Num ano em que boa parte da humanidade enfrenta tremendos problemas financeiros, Mario Frias deu uma virada inesperada em sua trajetória. Sem nenhuma experiência em gestão pública ou mesmo qualquer atuação política antes do governo Bolsonaro, o ex-galã se tornou Secretário Especial da Cultura.

A única qualificação de Frias para o cargo é sua adesão absoluta ao atual presidente. Há menos de três meses na função, suas ações mais vistosas foram a demissão de todos os funcionários da Cinemateca Brasileira –muitos deles, técnicos com anos de casa– e um bisonho telefonema para Jorge Pellegrino, presidente da Academia Brasileira de Cinema.

Segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, Frias ligou para Pellegrino para pressionar que o filme selecionado para representar o Brasil no próximo Oscar seja “alinhado com os objetivos do governo federal”.

A Academia Brasileira de Cinema é uma entidade privada, sem vínculos com o Estado. Este ano, foi designada pela Academia de Hollywood como a única responsável pela escolha do nosso candidato ao Oscar. Portanto, a pressão de Frias é inútil: o órgão não recebe verbas públicas, pois é sustentado por seus próprios sócios.

Frias queria evitar que uma obra como “Democracia em Vertigem” fosse a escolhida. Acontece que o filme de Petra Costa concorreu ao Oscar na categoria de melhor documentário em longa-metragem. Sua inscrição foi feita pela Netflix, que o coproduziu e exibiu. O representante oficial do Brasil no ano passado era o longa “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, que não ficou entre os cinco indicados na categoria de melhor filme internacional.

Tudo isto pode ser novidade para uma pessoa comum, pouco interessada nos meandros da indústria cinematográfica. Não deveria ser para o Secretário Especial da Cultura. Só que Frias não sabia de nada, e pagou um mico histórico.

Não contente com esse vexame nos bastidores, ele ainda resolveu voltar a passar vergonha em frente às câmeras. Aceitou o convite da Secretaria de Comunicação para estrelar o primeiro vídeo da campanha #UmPovoHeroico, que pretende resgatar a memória de heróis brasileiros supostamente esquecidos.

Assistindo ao vídeo, dá para entender por que Mario Frias não foi muito longe como ator. Sua atuação é pífia, tentando arrancar emoção de onde ela simplesmente não existe.

Está certo que o texto não ajuda. “A verdade é que somos um povo heroico e encaramos com um brado retumbante o destino que nos encara”, declama Frias no final do vídeo, sob o peso de uma trilha sonora sufocante. Parece a redação de um aluno pedante querendo impressionar seu professor num colégio militar, durante a ditadura.

Esta é a única peça oficial da campanha divulgada até o momento, mas a Secom já deu um teaser do que vem por aí em seu perfil no Twitter. Um dos personagens “resgatados” é um morador de rua que trocou de lugar com um refém e acabou sendo morto durante um assalto em São Paulo, cinco anos atrás. Um ato de bravura, sem dúvida – mas sem maior relevância histórica, nem influência alguma nos fatos que nos engolfaram desde então.

O próprio conceito de “um povo heroico” parece se voltar aos feitos individuais e sacrifícios pessoais, em detrimento das grandes tendências e movimentos que de fato alteram a marcha da história. Sim, trata-se de revisionismo: não passa de mais uma tentativa de anular o que seria uma narrativa da esquerda, em prol de uma visão edulcorada – e falsa – do processo histórico brasileiro.

Mas Mario Frias se dispôs alegremente a cumprir o papel que lhe foi oferecido por seus colegas na Secom – com quem, aliás, compartilha o fraco domínio da língua portuguesa, evidenciado pelos tuítes crivados de erros que todos costumam publicar.

Perto do show diário de horrores estrelado pelo presidente e muitos de seus ministros, a campanha e o próprio Secretário Especial da Cultura soam meio inofensivos. Mas são mais um sintoma da canastrice do atual governo, que tenta disfarçar com gestos grandiloquentes e declarações controversas o próprio despreparo para governar.