Na segunda temporada, 'Homens?' faz rir do despreparo masculino para o mundo de hoje
Série criada e estrelada por Fábio Porchat discute temas espinhosos como aborto e impotência
Em 2019, depois de sair da Record, Fábio Porchat lançou duas novas atrações, em duas emissoras diferentes. Um deles foi o talk show “Que História É Essa, Porchat?”, no GNT, que fez sucesso de público e ainda levou o troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor programa do ano.
O outro, a sitcom “Homens?”, teve repercussão mais discreta, mesmo podendo ser visto tanto no canal Comedy Central quanto na plataforma Amazon Prime Video. Uma injustiça, pois se trata simplesmente de uma das melhores séries cômicas produzidas no Brasil.
“Homens?” pode ser resumida como uma variante brasileira e masculina de “Sex and the City”: quatro amigos na casa dos 30 anos, em busca de realização profissional, sexual e amorosa. Só que eles vivem, do lado de dentro, um problema que afetava Carrie e sua turma pelo lado de fora: o machismo estrutural da sociedade. O slogan da série é revelador: “Os tempos mudaram. Eles, ainda não”.
Pedro (Gabriel Louchard), dermatologista e cadeirante, trai sua esposa Mari (Miá Mello) o tempo todo, mas também morre de ciúmes dela. O executivo Pedrinho (Rafael Logam), habituado a partir corações, sofre assédio de sua chefe. O imaturo Gustavo (Gabriel Godoy) ainda depende do dinheiro dos pais. E o publicitário Alexandre (Fábio Porchat) simplesmente não consegue uma ereção razoável há mais de um ano. Mas ele tem um confidente com quem desabafar: seu próprio pênis (Rafael Portugal, em uma fantasia hilária), um recurso narrativo bastante ousado.
A primeira temporada de “Homens?” terminou com um gancho e tanto: todos os quatro amigos transaram com Natasha (Gisele Batista), e agora ela está grávida. Qualquer um deles pode ser o pai.
A segunda fase resolve esse dilema logo nos dois primeiros episódios, encarando um tema que até hoje é tabu na teledramaturgia brasileira: o aborto. A situação é retratada da maneira mais realista possível, com todo o desconforto e as dúvidas que acompanham uma mulher nessa hora delicada. Mas o roteiro consegue fazer rir, e muito, ao focar o despreparo masculino para um evento tão espinhoso e, ao mesmo tempo, tão comum na vida real.
Uma das razões para “Homens?” ser tão engraçada e contundente é a presença de mulheres na equipe, tanto na sala de roteiristas (Cris Wersom e Juliana Araripe) como por trás das câmeras (a diretora Gigi Soares). Elas trazem um ponto de vista complementar, sem jamais deslocar o foco para a problemática feminina.
Porque o que se discute na série é nada menos que o anacronismo do patriarcado. Em pleno ano da graça de 2020, em plena zona sul do Rio de Janeiro, os quatro descolados protagonistas ainda sofrem – e fazem sofrer – porque foram educados dentro de um sistema arcaico.
Coitadinhos: a ignorância e a tacanhice do quarteto são postas à prova o tempo todo na segunda temporada. Pedrinho, transferido para Singapura, reluta em se envolver com uma mulher transexual. Pedro e Mari tentam reacender a chama de seu casamento frequentando clubes de suingue. Gustavo engata um namoro firme com Natasha, mas se apavora quando ela lhe propõe o popular “fio terra” (se você não sabe o que é, pesquise o termo na internet).
E Alexandre entra numa precoce crise de meia-idade: sente-se velho, ao alugar um quarto de seu apartamento para Gael (Yuri Marçal), um cara muito mais novo, e ainda tem que lidar com os rompantes de seu fogoso pai (Paulo Reis), decidido a implantar uma prótese peniana.
Tudo isto, e mais alguma nudez, cenas de sexo sem um pingo de glamour e participações metalinguísticas de nomes inusitados, como Christina Rocha ou Sérgio Mallandro.
Como todas boas séries cômicas, “Homens?” não tem peninha de seus personagens. Eles pagam um preço alto por seus erros, e a gente ri deles. Claro que também estamos rindo de nós mesmos.