Tony Goes

Mulheres comediantes ganham programas próprios na TV paga

Estreias de 'E! No Filter Wknd' e 'A Culpa É da Carlota' marcam o avanço feminino no humor

Da esq. para a dir.: Lorena Comparato, Karina Ramil, Andrezza Abreu e Anita Chaves integram a Cia das 4 criadores do programa “E! No Filter Weeknd” - Divulgação

Até pouco tempo atrás, havia poucas mulheres no humor brasileiro. As que existiam encarnavam basicamente dois tipos de personagem: a gostosona meio ingênua e a feiosa escrachada. Ambas agiam e reagiam em função dos homens.

Tudo isso mudou nos últimos anos, com as mulheres se tornando donas de seus narizes e corpos. Hoje em dia, Tatá Werneck não tem o menor pudor de se mostrar atraída por quase todos os convidados de seu talk show “Lady Night”. Ingrid Guimarães chegou ao terceiro longa da franquia “De Pernas Pro Ar”, onde interpreta a empoderada proprietária de uma rede de sex shops. 

As duas são só as pontas-de-lança de um movimento muito mais amplo: mulheres que fazem humor a partir de um ponto de vista feminino. Muitas escrevem seu próprio material.

Mas, na TV, os humorísticos com elenco 100% feminino ainda são raros. Uma experiência pioneira foi “Garotas do Programa”, transmitido pela Globo em 2000. Mesmo com Marília Pera e Drica Moraes no elenco, a atração ficou só quatro meses no ar. E é importante lembrar que tinha a supervisão do grupo Casseta & Planeta, todo ele composto por...homens.

Felizmente, este não é o caso de dois programas que estreiam em breve na TV paga. O primeiro vai ao ar já nesta sexta (9), no canal E!: trata-se do “E! No Filter Wknd”, uma faixa de filmes nas noites de sexta e sábado.


Nenhum dos 15 longas programados é inédito. A seleção inclui, entre outros títulos, “Mamma Mia!”, “A Rede Social”, “Erin Brockovich” e “50 Tons de Cinza”. A novidade vem nos intervalos. As integrantes da Companhia de Quatro Mulheres –as cariocas Andrezza Abreu, Anita Chaves, Karina Ramil e Lorena Comparato– aparecem fazendo esquetes curtos, que têm a ver com o filme exibido.

A fórmula é parecida com a do “Choque de Cultura”, que a Globo vem exibindo nas tardes de domingo. Mas as cápsulas da Cia de 4 (para os íntimos) vão além dos simples comentários. As atrizes encarnam diversos personagens, que vão de uma turma de “manas” até Papai Noel, a partir de roteiros escritos por elas mesmas.

O projeto também nasceu delas e foi apresentado na última edição do Rio2C, um grande evento voltado ao mercado do audiovisual, em abril passado. O diretor Guilherme LaMota se interessou, e o canal E! –que vem dando protagonismo às mulheres em quase todas suas produções– comprou a ideia.

A trajetória de “A Culpa É da Carlota”, que chega até o final deste ano no Comedy Central, é um pouco diferente. O programa é uma variação do maior sucesso de audiência do canal, “A Culpa É do Cabral”– por sua vez, a versão brasileira de um formato internacional, “La Culpa És de Colón”.

Como no original masculino, “A Culpa É da Carlota” reúne no mesmo palco cinco comediantes de diferentes regiões do país. A diferença, é claro, é que são todas mulheres: Arianna Nutt (Alagoas), Bruna Louise (Paraná), Carol Zoccoli (Mato Grosso), Dadá Coelho (Piauí) e a mestre-de-cerimônias Cris Wersom (São Paulo). Todas também são as autoras das próprias piadas.

Fui assistir a gravações desses dois novos programas, e conversei com todas as atrizes envolvidas. Apesar das diferenças de idade e origem, elas têm muito em comum. Para começar, o fato de usarem suas próprias experiências – inclusive sexuais – para escrever suas piadas e esquetes. Além disso, existe a preocupação de “só zoar de quem merece”, como disse Carol Zoccoli: evitar gracejos com deficientes físicos e membros de minorias oprimidas.

Também me chamou a atenção a sororidade reinante. Todas ressaltam o fato de rejeitarem a competição feminina, tão incentivada pelos homens. Querem ajudar umas às outras a brilhar, sem rivalidades nem estrelismos.

Por outro lado, senti falta de provocações aos políticos. As humoristas de “A Culpa É da Carlota” dizem que preferem não fazê-las, para não polarizar o público ainda mais. Também deve pesar o fato de ambos programas serem gravados com antecedência: esse tipo de piada costuma envelhecer muito rápido. De qualquer forma, só fato de os elencos serem totalmente femininos já é um ato político e tanto.

A plateia do Teatro Gazeta, onde “A Culpa É da Carlota” foi gravado, era composta por homens e mulheres – e todos urravam de rir. As intervenções da Cia das 4 também não são dirigidas a um público exclusivamente feminino.

Porque, no fundo, o humor feminino é igual a qualquer outro tipo de humor: não precisa ter gênero, mas tem que ter graça.