Tony Goes

Máquina de guerra cultural de Roberto Alvim é uma ideia assustadora

Novo diretor da Funarte quer montar banco de dados de artistas alinhados com o governo

Roberto Alvim - Bruno Poletti/Folhapress

Um artista pode ser conservador?

Pode, dependendo do que se entende por arte. Se você acha que toda arte precisa ser “bonita” – põe aspas nisso – então, o artista tem que ser sim conservador. Tem que seguir parâmetros rígidos, repetir o que já foi bem aceito e introduzir mudanças a conta-gotas, que é para não assustar seu público.

Mas esta é uma concepção muito rastaquera do que seja arte. Artistas para valer são inovadores, irreverentes, dotados de afiado espírito crítico. A arte que eles fazem não é só para enfeitar paredes: é para questionar o mundo, a sociedade, a religião, a si mesmos.

Por essa ótica, chega a ser uma contradição em termos um artista se proclamar conservador. Então ele não pode quebrar regras? Não deve se insurgir contra os poderosos? Não quer correr nenhum risco?

O diretor teatral Roberto Alvim não só se declara conservador, como também vítima de perseguição por seus pares. Transbordando de mágoa, ele desabafou na internet e atraiu a atenção do governo, carente como nunca de mais apoio entre a classe artística.

Alvim então foi convidado pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, a assumir a direção do Centro de Artes Cênicas da Funarte. Antes mesmo do anúncio oficial, feito na tarde de terça (18), ele e sua mulher, a atriz Juliana Galdino, postaram nas redes sociais apelos para que outros artistas supostamente conservadores enviassem seus currículos para um banco de dados, “para aproveitamento em uma série de projetos”.



Talento, experiência e habilidades parecem ser o de menos: o que interessa para esse banco de dados é o alinhamento “aos valores conservadores no campo da arte” (sic). Nem os governos petistas no auge da popularidade tiveram a cara-de-pau de soltar uma conclamação tão descaradamente ideológica.

Se fosse uma iniciativa particular do casal, beleza. Mas tudo indica que o tal banco servirá ao novo cargo de Alvim na Funarte. Assim, um governo que dizia querer “desideologizar” o país se afunda um pouco mais na ideologia.

O mais chocante de tudo foi uma expressão usada por Alvim: ele quer criar uma “máquina de guerra cultural”. Em um país onde já acontece uma guerra informal nas ruas, onde crianças morrem com balas perdidas, onde a polarização política faz com que antigos amigos se estapeiem, o termo realmente assusta.

Não que a arte precise sempre ser pacífica. É óbvio que não: se ela pretende ser contundente, a arte precisa incomodar. Até mesmo exaltar os ânimos.

Mas a arte também é um diálogo. É uma via de mão dupla entre o artista e seu espectador, que pode interpretar a obra de mil maneiras diferentes (ou não). Só que a palavra “guerra” pressupõe a imposição de algo pela força e, disto a arte tem que fugir. Arte é atrito, mas também é convencimento. 

Resta saber qual o resultado prático do banco de dados de Alvim e Galdino. Haverá uma grande adesão? Serão realizados testes de pureza ideológica, como na China maoísta? E que tipo de espetáculo surgirá desse esforço?

Não dá para dizer que o PT não tentou manipular a cultura. No primeiro governo Lula, chegou-se a dizer que só filmes a favor do projeto Fome Zero teriam direito a financiamento estatal. Mas nem Lula nem Dilma tiveram a desfaçatez de propor uma lista de artistas alinhados com seus ideais, muito menos incentivar uma “máquina de guerra cultural” assim tão às claras, com todas as letras.

Uma democracia se faz com o embate livre de ideias. Podemos discordar, discutir, berrar. Guerra é bem outra coisa, e é tudo do que não precisamos agora.