O racismo sutil dos falsos defensores de Maju Coutinho
Celebrar a nova âncora do JN não é preconceito às avessas
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Maria Júlia Coutinho estreou na bancada do Jornal Nacional na Globo no último sábado (16) sob aplausos generalizados. A enorme torcida a seu favor de justificou: segura, precisa e simpática, a jornalista celebrizada como moça do tempo mostrou, mais uma vez, que está pronta para ancorar o mais importante telejornal do país.
Mas não existe unanimidade, e Maju, também mais uma vez, sofreu ataques racistas nas redes sociais. Isto, infelizmente, já era esperado. Mais surpreendente foi um tipo de crítica replicado por alguns internautas alinhados com a direita: elogiar o fato de uma mulher negra apresentar o JN seria uma forma perversa de racismo.
Na cabeça dessa gente, não existe quase nenhum tipo de preconceito na sociedade. Quem reclama está se fazendo de vítima. As mulheres não têm por que aderir ao feminismo, os gays só querem privilégios e, para os negros, basta trabalhar duro.
Maju seria um exemplo concreto dessa teoria. Celebrar sua negritude – ela é a primeira mulher negra bancada do JN em quase 50 anos do programa – seria menosprezar sua competência e profissionalismo.
Chama a atenção que a imensa maioria dos perfis que propagam essa argumentação pertençam a homens brancos heterossexuais. Há algumas desonrosas exceções, mas quase todos estão no segmento que menos sofre qualquer tipo de discriminação.
A conclusão é simples: para manter suas regalias, eles querem passar a sensação de que o sistema não lhes dá nenhuma regalia. Que vivemos sob uma meritocracia absolutamente justa, onde todos têm as mesmas oportunidades e são tratados da mesmíssima maneira.
Houve quem insinuasse que Glória Maria teria sido a primeira negra a apresentar o JN (não foi – na foto que circulou nas redes sociais, a jornalista está na bancada do Fantástico). Houve quem lembrasse que Heraldo Pereira entrou para o rodízio de apresentadores do JN em 2002.
O objetivo por trás dessas postagens é óbvio: minimizar a importância da conquista de Maju (e de todas as mulheres negras, e de todo o Brasil).
Seria engraçado se não fosse triste. Até porque essa lógica enviesada parte de uma premissa correta: em um mundo ideal, a negritude de Maju não seria notícia.
A própria jornalista lamentou a comoção em torno de sua chegada à bancada do JN, mas não a questionou. Pelo contrário. “Há uma carga simbólica que não dá para ser negada”, disse Maju. “Lá na frente, espero que uma mulher negra em destaque não seja motivo de atenção, porque será normal”.
Pois é: ainda não é normal. Negros e pardos não ocupam espaços que correspondam à sua porcentagem na população brasileira. Basta conferir o organograma de qualquer empresa ou o elenco de qualquer novela.
A chegada de Maju Coutinho à bancada do Jornal Nacional deve ser celebrada, sim, em todos os seus aspectos: como o desdobramento de uma carreira bem-sucedida, claro, e também como um avanço – pequeno, porém significativo – para a representatividade dos negros brasileiros.
O preconceito é ruim para todo mundo, não só para quem o sofre diretamente. O preconceito prejudica a sociedade como um todo. Portanto, essa vitória de Maju também é uma vitória de todos nós. Ou, pelo menos, de quem souber reconhecê-la.