Em seu talk show, Angélica mostra a falta que faz na TV aberta
Apresentadora reúne convidados de um calibre que, antes dela, só Hebe conseguia juntar
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Há não muito tempo atrás, Angélica estava fora da Globo, apresentando um programa sobre astrologia sem nenhuma repercussão na plataforma Max. Era o final do ano, e ela apareceu na plateia do Melhores do Ano, premiação que acontece dentro do Domingão com Huck.
Num dado momento, Luciano Huck falou dela, e a câmera deu um breve take seu em uma das mesas, sorrindo, sem direito a nenhuma fala. Aquilo me ofendeu pessoalmente. Como uma das maiores apresentadoras da história da emissora de repente aparecia ali como uma figurante, ainda mais no programa do marido?
A resposta passa por questões de contrato, claro. Mas por que a Globo dispensou Angélica? É difícil responder a essa pergunta depois de ver o 50 e Uns, nova temporada de seu talk show 50 e Tanto no Globoplay.
Desta vez, ela convida apenas homens para a sala de sua mansão, onde eles se sentem muito mais confortáveis do que num estúdio para falar de sexo, do próprio corpo e de outros assuntos. São convidados de uma grandeza que, antes dela, apenas Hebe Camargo seria capaz de reunir.
Criados por ela em parceria com o jornalista Chico Felitti, os episódios abrem com Angélica olhando para a câmera e fazendo alguma confissão, mais ou menos conhecidas do seu público: ela lembra de ter seu corpo criticado desde que tinha seis anos de idade; sua gravidez do primeiro filho, Joaquim, foi imprevista; ela transou pela primeira vez aos 17 e não contou para ninguém na família.
'SOFT NUDES' NAS REDES
Essa última informação tem um quê de fofoca, mas guarda alguma relevância. Quem viveu os anos 90 lembra que a mídia tinha uma obsessão com a virgindade da apresentadora, e nenhum entrevistador, sobretudo os homens, deixavam de indagá-la sobre o assunto. Angélica foi forçada a mentir para manter uma narrativa que alimentava a fantasia... dos homens.
O grande mérito da nova temporada é mostrar que Angélica tem potencial para ser uma nova Hebe, reunindo para um papo no mesmo sofá algumas das maiores celebridades do país. No episódio de estreia, Ney Matogrosso, Xamã e Paulo Vieira trocam uma ideia franca sobre as inseguranças em torno do corpo. Ideia boa: ela propõe que todos postem "soft nudes" em seus perfis para depois lerem os comentários.
No segundo, cujo tema é a família, Fabio Porchat explica pela primeira vez em detalhes sua decisão de não ter filhos –e nem parece ter se incomodado com o fato de que as histórias narradas ali poderiam estar em seu próprio talk show.
O MINISTRO E O YOUTUBER
Mas, se você quer ir direto ao que interessa, os episódios 3 e 4 são os mais interessante. No terceiro, Antonio Fagundes e Lázaro Ramos, dois homens héteros de gerações diferentes, trocam ideia com Gil do Vigor, um homem gay que viveu anos de repressão religiosa antes de sair do armário. É uma delícia ver que há muito mais pontos em comum entre eles do que poderíamos imaginar.
O quarto traz a salada mais ousada da temporada: Luciano Huck, o ministro do STF Flávio Dino e o youtuber Whindersson Nunes conversam sobre o poder. O primeiro tem o poder da televisão, o segundo da política e o terceiro da internet. Logo no início, é divertido ver Angélica dar pequenas alfinetadas no marido. "É um vício dos homens ter ouvido seletivo", ela diz num dado momento, e logo vemos Huck ao seu lado levantando a orelha.
O episódio é cheio de pequenas ousadias. A primeira: convidar Dino, político de esquerda que já foi filiado a PT, PC do B e PSB. Ainda que seu cargo atual pressuponha neutralidade, sua presença deve perturbar alguns espectadores de direita, mas Angélica está acima da polarização política e banca a aposta.
A segunda ousadia, ainda que planejada: num dado momento, ela pergunta ao marido se ainda tem pretensões de ser presidente da República. Huck deixa claro que a possibilidade segue em aberto. "Eu vou estar perto da política a vida inteira. Agora... o futuro a Deus pertence", declara.
O episódio 5 ainda reserva uma surra de grandes convidados, com Gilberto Gil, Zeca Pagodinho e Tony Ramos trocando uma ideia sobre a vida em geral. Ainda que o papo seja brando e sem grandes revelações, é sempre um deleite ver os três falando.
Se há um único probleminha no formato, a meu ver, é a participação online de convidadas. A ideia é nobre –ter mais uma mulher conversando com os homens–, mas a entrada por meio de um tablet pousado na mesa dá uma certa esfriada no papo presencial. Nada, porém, que impeça o programa de ter muitas outras temporadas.
Angélica: 50 e Uns
Todos os cinco episódios já disponíveis no Globoplay