Thiago Stivaletti

Série 'Cidade de Deus' mantém DNA do filme num Brasil mais violento

Buscapé e outros personagens estão de volta na estreia do Max, que mostra o crescimento das milícias, mas também dá atenção às boas ações na favela

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Cena da série "Cidade de Deus", que será lançada no Max - Divulgação

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São Paulo

Não tem para nenhum outro: "Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, é o filme brasileiro mais importante deste milênio. O longa já havia rendido um ótimo derivado, o seriado "Cidade dos Homens", que ganhou quatro temporadas na Globo.

Agora, Acerola e Laranjinha não estão de volta, mas sim Buscapé, Berenice e Bradock, na série "Cidade de Deus: A Luta Não Para", que estreia neste domingo no streaming do Max.

"A Luta Não Para" se passa em 2004, 20 anos depois dos acontecimentos do filme. A ótima notícia é que a série respeita a estrutura do longa original, com uma montagem alucinante e a narração onipresente de Buscapé (Alexandre Rodrigues), agora na casa dos 30 e tantos anos, seguindo sua carreira de fotógrafo de sucesso no maior jornal do Rio. Mas os problemas que a comunidade enfrenta se atualizaram –ou, para ser mais sincero, pioraram. Como diz nosso narrador: "Eu saí da favela, mas a favela não saiu de mim."

Voltar à Cidade de Deus 20 anos depois traz uma notícia muito ruim e outra muito boa. A ruim é que a guerra do tráfico cresceu, amparada num armamento crescente, numa rotina em que o fuzil já é tão comum quanto as armas menores.

As milícias fortaleceram o seu poder paralelo –e, quando o estado tenta intervir, acaba aumentando banho de sangue e a morte de inocentes. Vale para 2004, o tempo em que a série se passa, e ainda vale para hoje. A boa notícia é que, no sentido inverso, o audiovisual brasileiro evoluiu nas últimas duas décadas, gerando séries como essa que nada deixam a dever ao similar americano –e, melhor, falam da realidade em que vivemos.

AFILHADO CONTRA PADRINHO

Vamos à história: vinte anos depois, o tráfico na CDD é comandado por Curió (Marcos Palmeira, bem longe do coronel de 'Renascer' ). Ele vai ter seu poder ameaçado por um afilhado, Valdemar Bradock (Thiago Martins), que acaba de sair da cadeia e exige de volta o poder que tinha antes de ser preso.

Bradock, que no filme era só um menino e ajudou a dar cabo do famoso Zé Pequeno, ainda é menos perigoso que sua namorada, a ambiciosa Jeruza "Crazy" ( Andréia Horta, assustadora). Enquanto isso, os cidadãos comuns tentam seguir sua vida honesta em meio à guerra do tráfico, como Berenice ( Roberta Rodrigues), que no filme era namorada de Cabeleira; e o professor de jiu-jitsu Delano (Dhonata Augusto).

Os dois primeiros episódios conseguem dar conta do universo pulsante da favela em várias frentes: o tráfico, o futebol, o samba e o funk, do qual a filha adolescente de Buscapé virou uma estrela local.

Nas fotos que vende para o jornal, nosso protagonista começa a adquirir uma nova consciência: mais do que a violência dos morros, ele quer destacar o sofrimento das pessoas de bem submetidas à violência diária. Mas não vai ser fácil convencer os editores brancos da Zona Sul a mudar o foco.

Curiosamente, é essa mesma preocupação que domina a série e se torna o seu maior diferencial em relação ao filme. Se este sofria de uma fetichização da violência e de uma "cosmética da fome", como definiu a professora Ivana Bentes, o novo produto reserva um bom espaço à luta da gente comum que, como diz Buscapé, "é 95% dos moradores da Cidade de Deus". Resumindo: há pelo menos um esforço em não fornecer só carne preta para divertimento dos brancos.

E a forte atuação de Thiago Martins e Roberta Rodrigues, crias do filme original, ajudam a lembrar de todo o legado que o filme de 2002 nos deixou.

"Cidade de Deus: A Luta Não Para"
Série em seis episódios
Primeiro episódio neste domingo (25), no Max