Richard Gere chega aos 75 longe de se aposentar
Príncipe encantado de 'Uma Linda Mulher' foi campeão das locadoras nos anos 1990
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O ano era 1990. Eu tinha 12 anos. De repente, comecei a ouvir nas conversas entre minha mãe, minhas tias e as mães dos amigos do colégio a mesma pergunta: "Você já viu 'Uma Linda Mulher'? Nossa, tem que ver!".
Ouvida por vários dias, a questão deixou em pé minha orelha de cinéfilo menor de idade. O que tinha de tão especial naquela fábula de uma Cinderela em Nova York, uma garota de programa meio vulgar, porém linda que inicia um romance com um executivo bonitão? Depois de ver o filme, encontrei a resposta: suas estrelas, Julia Roberts e Richard Gere.
O tempo voa, e neste sábado (31) Gere completa 75 anos. São mais de 50 filmes como um dos homens mais charmosos de Hollywood. Verdade seja dita: se o rapaz da Filadélfia fosse só um rostinho bonito, não teria durado tanto no cinema. Mas ele sempre soube intercalar filmes em que encarnava o príncipe encantado com papéis (e roteiros) mais interessantes.
Em Hollywood, a prática é conhecida como "one for me, one for them": a cada filme que um diretor ou uma estrela faz para agradar os estúdios e obter uma grande bilheteria, faz outro para agradar a si mesmo, com maior ambição artística. No caso de Gere, isso não foi feito à risca, mas explica o seu sucesso e a sobrevivência.
"Uma Linda Mulher" não era o começo de sua carreira. Em 1978, ele estrelou "Cinzas no Paraíso", hoje um clássico cult de Terrence Malick, o genial diretor de "Além da Linha Vermelha" e "Árvore da Vida".
Por ironia da vida, dez anos antes de contratar Julia Roberts nas ruas, era ele o garoto de programa em "Gigolô Americano" (1980), acusado de assassinar uma de suas clientes. Nesta releitura do filme "noir", o diretor Paul Schrader (famoso pelo roteiro de 'Taxi Driver') fez muito para valorizar a beleza de Gere e preparou o terreno para seus futuros sucessos.
Mas as coisas não vieram tão fáceis. Os anos 1980 foram marcados por muitos fracassos, com exceção do marinheiro que viveu no drama "A Força do Destino" (1982), indicado a seis Oscars. Quando "Uma Linda Mulher" (1990) o consolidou como grande nome de Hollywood, capaz de influenciar a bilheteria de um filme, Gere já estava com 41 anos. Não era nenhum novinho, como eram Tom Cruise e Brad Pitt ao estourar.
Nos anos 1990, ele fez a alegria dos donos de videolocadoras, com fitas VHS que "bombavam' mais do que quando o filme estreava nos cinemas. Foi a fase do suspense "Desejos" (1992), ao lado de Kim Basinger; do drama "Sommersby: O Retorno de um Estranho" (1993), com Jodie Foster; de "Intersection – Uma Escolha, uma Renúncia" (1994), com a grande musa da década, Sharon Stone; do aclamado suspense "As Duas Faces de um Crime" (1996), que revelou Edward Norton; e do suspense "O Chacal" (1997), em que fabricou um sotaque irlandês como o soldado do IRA que caçava o assassino vivido por Bruce Willis.
E de repente, no final daquela década, o objeto de fantasia das mulheres estava de volta. A comédia romântica "Noiva em Fuga" (1999) realizava um sonho dos produtores: reunir de novo o time de "Uma Linda Mulher" –Richard, Julia Roberts e o diretor Gary Marshall– na história do repórter que quer uma reportagem sobre a noiva que já abandonou diversos homens no altar. Bastava ver o pôster para saber com quem a noiva ficava no final do filme. "Noiva em Fuga" não marcou época como o primeiro, mas entregou ao público o que ele ainda esperava do casal.
Logo depois, em "Outono em Nova York" (2000), ele foi um playboy mulherengo que finalmente se apaixona por Winona Ryder, só para descobrir logo depois que ela tem uma doença terminal e poucos meses de vida. O filme ganhou uma certa aura de cult entre corações apaixonados.
Era uma atualização do grande sucesso "Love Story" (1970), só que com tintas mais leves –e ajudou Gere a manter seu poder de fogo em Hollywood. Em "Infidelidade" (2002), seu posto de galã cobiçado começa a tomar outro lugar: em vez de sedutor, ele é agora o marido traído, deixado de lado por um rapaz bem mais jovem.
Desconfio que esse príncipe encantado que fez a fama de Gere no passado não teria muito lugar hoje. Num mundo mais feminista, é difícil manter a fábula (ou melhor, a mentira) do homem perfeito. Mas Gere sobreviveu porque sempre foi mais do que um rostinho bonito. Procurou trabalhar com alguns dos maiores cineastas do mundo –além de Malick, houve ainda Akira Kurosawa ('Rapsódia em Agosto'), Francis Ford Coppola ('Cotton Club') e Robert Altman ('Dr. T e as Mulheres').
Apaixonado pelo budismo desde muito jovem, ele defende há décadas a emancipação política do Tibete em relação à China –em 1993, chegou a ser vetado como apresentador no Oscar depois que fez um discurso ao vivo contra a potência comunista. O próprio ator já declarou que esse ranço da Academia, que odeia protestos de improviso, pode explicar por que ele nunca recebeu uma indicação ao prêmio.
Só isso para explicar como ele não apareceu nem entre as 13 indicações do musical "Chicago" em 2003. Sua performance como Billy Flynn, o advogado cínico e irônico que defende as assassinas do submundo da cidade, é considerada uma das melhores de sua carreira.
Não importa. Com ou sem Oscar, Gere chega aos 75 longe de se aposentar. Mais de 40 anos depois de "Gigolô Americano", ele reencontrou o diretor Paul Schrader para viver um desertor da Guerra do Vietnã em "Oh, Canadá", lançado no último Festival de Cannes; e estrelou o drama "Longing" (Em Luto) como um milionário que descobre que teve um filho só depois que o rapaz morre num acidente (os dois filmes ainda estão inéditos no Brasil). E o charme segue lá, intacto. Uma longevidade invejável em tempos tão descartáveis.