Prazo de validade das relações
Como diria a banda The Clash: "should i stay or should I go?" (devo ir ou devo ficar)
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Evitei a todo custo cruzar o olhar com o marido da minha amiga, porque sabia que vinha um pedido de socorro. Entre tomar partido ou tomar um rumo, vou sempre ser cagona e optar pelo segundo. Cresci observando meus avós –os maternos num casamento cagadíssimo, os paternos num casamento mais feliz–, além dos inúmeros casamentos dos meus pais. Deve ser por isso que virei primeiro descrente, depois curiosa e, hoje, depois disso tudo, sou praticamente uma sommelier de DR, apesar de sofrer vendo brigas.
Amo essa frase da Rita Rudner: "Eu adoro estar casada. É tão bom encontrar aquela pessoa especial que você quer irritar o resto da sua vida". Voto pra sempre tornar tragicômico o que poderia ser só trágico. E tem algo terrivelmente trágico nas relações em crise ou moribundas.
A amiga lá descascando o marido que não tinha feito nada de errado –até onde minha amostragem alcançava–, e eu ali sem saber onde enfiar a cara. E é tão comum ver esse desamor, esse desafeto, um tratando o outro mal, resmungando, caçando briga, implicando com nada. Ruim, né? Um amargando a existência do outro ao invés de adoçar... Spinoza provavelmente diria aqui que casais assim dificilmente serão felizes, pois parecem se esforçar para diminuir a potência um do outro. Tem tanta gente infeliz nas relações, sem saber –ou até ignorando, mesmo que inconscientemente–, que ali não há vida, que se o casamento fosse uma pessoa seria um zumbi.
Juro que, pra mim, me impressiona mais o número de pessoas defendendo a família –e que parecem fingir que a esquerda abomina laços familiares– do que a quantidade que foi levada pelas fake news a viver numa realidade tão distópica que se atrevem a atentar contra a democracia, mesmo depois do resultado das eleições. Família é afeto, é amor, é escolha constante. De onde tiraram que família é um casal de homem e mulher cisgêneros, tristes, sem vida, ou pior, que fica brigando na frente dos filhos? Mas como saber se a relação está doente ou zumbi, se é uma fase ruim em que há luz no fim do túnel, ou se a luz é do trem que vai estraçalhar a ambos?
Seria legal que as relações viessem com um aviso, que nem esses carros que dizem que tá na hora de trocar o óleo (não tava pensando na furunfagy, mas também seria ótimo, rs). Imagina poder ver o prazo de validade delas! Tem relação mais pra laticínio, que azeda logo, e aquelas raras, que adoçam a vida ad eternum, que nem mel e vinho. E muita gente tá agarrado ao queijo podrão –daqueles que faz feder a geladeira mais que a meia camembert do meu querido ex–, crente que tem salvação. Mas quem sou eu pra dizer que não tem? Ainda mais eu, que uso o filtro solar vencido em 2007 toda vez que vou na casa da vovó.
Um amigo querido me disse, recentemente, que havia dado um tempo no casamento e que um ano separado fez a relação recomeçar mais forte e feliz que nunca. Outro casal querido tretou, quase terminou, mas optou por expandir seus limites, estabelecer outras regras e, para felicidade da Phoda Madrinha, parecem estar muito mais felizes e transarinos que antes. Ou seja, tem casamento zumbi que renasce que nem fênix, pena que é tão raro...
Em aritmética, a gente aprende que o todo é igual à soma das partes, mas desconfio que nos relacionamentos o todo possa ser maior do que isso. A troca, a interação entre as partes, também acrescentam energia ao todo, assim como na física.
Como diz Nietzsche, "o que não nos mata nos fortalece". Já Tunic, meu melhor amigo, me disse o seguinte quando me separei do Kev: "Parece que não aguentaremos, porque dói demais, mas a gente sobrevive". A Phoda Madrinha adoraria que você não tivesse que passar por final de relações, mas às vezes é inevitável, então torço para que você não só sobreviva, mas seja ainda mais feliz –e que, também, olhe pra trás com as lentes amorosas que já olharam com muito afeto para seu ex. Sim, porque quanto mais tempo e intensa é a trajetória vivida, mais misturado a gente se torna, então mesmo que siga a vida sem a pessoa, ela sempre será também a memória, a jornada e, last but not least (por último, mas não menos importante), os aprendizados que habitam na gente.
PS: Disse lá em cima que não tomo partido, né? Errei, tomo sim. Como diz Sartre, não há o não engajamento, porque este é já uma forma de se engajar; ou, como diz a sabedoria popular: quem não se posiciona frente a uma injustiça fica do lado do opressor. Caso haja violência verbal ou física contra a mulher, certeza que corro risco de morte, mas não deixo uma mulher desamparada nemfu. E as 230.861 agressões por violência doméstica em 2021 –segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em julho de 2022– devem nos ensinar que, em briga de marido e mulher, a gente salva a mulher.
Erramos: o texto foi alterado
No texto publicado pela colunista Krishna Mahon, a música "Should I Stay or Should I Go ?" é do The Clash e não dos Ramones. A informação já foi corrigida no texto.