Krishna Mahon
Descrição de chapéu Sexo

Amai ao próximo e seja Phoda Madrinha de si

Na vida amorosa, se necessário, feche as pernas, passe pro próximo da fila

Ilustração do artista Rafael Corrêa - @rafael_correa_cartum no Instagram

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Tenho a sorte de ter amigas de 7 a 70 anos. Uma que entrou na casa dos 20 recentemente perdeu a virgindade e de lambuja já conheceu outros 2 perus na mesma semana. Vovó diria que "quem nunca comeu melado quando come se lambuza"; Baumann, se fosse mineiro, ia respirar fundo, dar um gole de café, e soltaria devagarzin "uhm, uhm", balançando a cabeça negativamente.

Fico feliz que ela tenha dividido comigo as experiências e contado tudo. O primeiro era muito bonito, ela tava muito a fim e foi tão gostoso que gozou. Mas esse krush não era muito chegado aos afetos e a gente quer justamente isso. No fundo os caras também querem, óbvio, mas homem é um bicho mais limitado, né? Às vezes rola um instinto napoleônico trouxa de que a conquista de um território precede a do próximo. Uma pressa pelo fogo no rabo seguinte; é aí que Baumann solta o "uhm, uhm" meio Tio Barnabé, putaço com os amores líquidos.

Pensei no começo da minha vida amorosa e sexual, em quem eu era nessa idade. Deu uma vontade louca de dar mil conselhos. Sexo não é afeto, a gente confunde muito as duas coisas, mas transar com alguém não vai te levar a ser amada. Não dê pra babaca. Não é porque o cara é bonito por fora, que vai ser por dentro. Se o legal é a conexão de cabeça, coração e rabo, preste atenção a todas essas áreas antes de partir pra furunfagy. Fora que se todas as mulheres pararem de dar pra cuzão, no mínimo eles diminuem em quantidade e não procriam. Tratou o garçom mal, fez comentário racista, piada com gay, ou falou que a ex é louca? Fecha a perereca na hora. Fórmula para acabar com nazismo, homofobia, racismo, misoginia... Pronto, achei a receita pra salvar o mundo. De nada, humanidade, rs.


Adendo: depois de escrever isso descobri que, numa peça (Lisístrata) da Grécia Antiga, o comediógrafo Aristófanes já havia encenado algo semelhante à solução que eu propus, onde as mulheres se juntam para realizar uma greve de sexo enquanto os homens não parassem a guerra. Na tradução de Millôr Fernandes, Lisístrata diz que, fazendo a greve, e atiçando-os com o irresistível corpo feminino, "Todos imediatamente largarão os escudos [...], abandonarão as espadas [...] e voltarão correndo".

Mas agora, voltando à história, segurei o conselho e continuei ouvindo ela contar que o segundo krush era fofo, bonzinho e muito doce. Não foi tão maravilhoso sexualmente, mas ela tava mais feliz com a experiência como um todo. Falei pra ela: gostoso é quem gosta da gente. Bad boy meuzôvo. Mulher de malandro? Jamais! De malandra basta a Anitta e a gente. Rimos juntas.

Tenho fetiche por bonzinho, pelo cara que baba em mim, e tive sorte demais no caminho. Mas como provavelmente você, meu caro leitor, e todos os seres transantes com corações palpitando no peito e entre as pernas, tenho uma mancha no currículo. E queria muito poupar que outras pessoas cometessem a mesma cagada que eu.

Ela ali contando dos caras e eu pensando: se ame logo! Leia, estude, descubra o que gosta, trabalhe com isso e vire fodona (se possível), mas siga aberta a outros tipos de encantamento. Faça terapia, encontre as amigas, mantenha os laços que vão ficar. Cuide da sua cabeça, seu coração e seu rabo. E preste atenção a cada um deles, porque cuidar por fora é cuidar por dentro e vice-versa.

Mas cada um tem seu ritmo, né? Não há controle nem pra nossa parte do roteiro que imaginamos pra vida, imagina pra parte dos outros. É esse espírito de professora e de nerd que habita em mim. Tá inclusive escancarado na plataforma sem fins lucrativos que criei em 2016, a Imprensa Mahon, onde entrevisto pessoas de diferentes áreas do audiovisual e, invariavelmente, pergunto sobre as cagadas a serem evitadas.

Reza a lenda que Jesus disse: amai o próximo como a ti mesmo. Sempre pensei que ele tava falando da gente amar o outro, amar o diferente. Detalhe que revela minha quinta série interior: essa frase bíblica sempre me lembra do filme "Monty Python e o Cálice Sagrado", com os cristãos perguntando pra Ele: "até se o próximo for idiota?". Mas ó que é pra amar, e não transar.

Será que Jesus não tava também dando um toque que a gente tem que se amar? Amar mesmo, tipo como a gente ama os outros. Lendo "A Morte É um Dia que Vale a Pena Viver", sobre cuidados paliativos, Ana Claudia Quintana Arantes me fez pensar nesse outro lado. Esse é um processo que não se dá da noite pro dia. Quem dera um flerte interno e uma punheta resolvessem. Aliás, a punheta ajuda a sacar o nosso corpo e desejo, mas infelizmente o mergulho é treta.

Não dá pra furar a fila, ou pular de um degrau pro outro. Primeiro a gente olha pra dentro. Sabe lá Deus quando as pessoas vão fazer isso, porque não tem um prazo. Depois tem que enxergar todos os lados desse caleidoscópio lindo e complexo que somos. Claro que tem uma pá de coisa que a gente descobre e detesta, ainda bem que boa parte pode e deve mudar. O processo evolutivo é lindo, mas tem coisa que é parte da gente e assim permanecerá. Quem diz que eu tenho um coração grande não viu minha testa. E vou morrer com essa testa enorme, sebosa igual um quibe frito e de espírito nerdola. Duvida? Vai lá no meu instagram @krishnamahon. Pois só depois de aceitar esse conjunto de coisas que nos tornam quem somos, que o amor começa a brotar.

O doido é que a mudança é constante, então o mergulho, os ajustes de rota, as descobertas... são um processo sem fim. E quanto mais a gente se descobre, quanto mais a gente se torna a pessoa que queria ser, mais a gente se ama. E o melhor: esse krush sempre é correspondido, rs. Como é que a gente não tem uma comédia romântica contando isso, caray?

Olhava pra essa amiga e lembrava que eu não tinha ferramentas internas suficientes pra olhar pra dentro naquela idade. No meu caso, que fiquei anos e anos em cada uma das relações, cheguei ao ponto de me demorar em quem não valia 5 minutos. Mas a questão atual é justamente o contrário, isto é, a fila ser super sônica. E imagino Baumann olhando as tinderelas da vida pensando: era pra amar o próximo, mas não era pra fila andar tão rápido! Clarice Lispector até disse que "tudo deve estar sendo o que é", mas desse jeito de agora tá foda; só que reconheço, tal como o budismo, que tudo tem seu tempo.

Então ouvi, mas não dei nenhum desses trocentos conselhos. A Phoda Madrinha torce pra que ela e outras pessoas leiam essa coluna e algo reverbere aí nas entranhas, entre a cabeça, o coração e o rabo; e que não se limitem a apenas amar o próximo (da fila).