Como já disse José Simão, colunista da Folha, há alguns anos, muita gente com mais de 30 anos só sabe que é Natal quando vê Roberto Carlos na TV, mas as novas gerações, mais conectadas à internet do que à TV linear, já encontram outro parâmetro para entender que a efeméride se aproxima a cada fim de ano: agora em sua 9ª edição, o Especial de Natal do Porta dos Fundos é uma celebração invariavelmente disposta a celebrar a data com algum riso e deboche.

Em sua mais recente realização, o grupo de humor lançou "O Espírito do Natal", em que a inspiração política e religiosa, na contramão dos anteriores, é zero. Um grupo de amigos que detesta Natal e está pouco se lixando para as convenções sobre o nascimento de Jesus ou troca de presentes resolve se refugiar em uma cabana na serra para passar o feriado longe do espírito natalino.

"Eu já sabia que as pessoas iam rir só pelo elenco que está ali, quando pensei em matar o Papai Noel, junto com o João, o Jhonatan Marques, que é o outro roteirista. As pessoas dizem que não gostam de Natal, e se o Natal não gostasse de você? E se o Natal se vingasse de você? Essa era a ideia", contou Porchat à coluna.

"O Espírito do Natal" capricha nos clichês de terror, como a falta de wi-fi ou de qualquer sinal possível para se pedir socorro, sangue jorrando em cena, gente correndo e tropeçando no mato e outras cenas que não antecipamos aqui para evitar spoilers. É um filme curto, disponível apenas no serviço de streaming da Paramount+, que já disponibilizou a edição de 2021, em formato de animação.

"O Porta já tinha feito animação, formato de ficção grande, documentário, e pensamos então em tentar outra coisa. Terror é divertido, dá pra ousar, dá pra brincar, dá pra ser escroto, então a gente resolveu faze a vingança do Natal no Natal."

Os atores foram orientados a levar tudo a sério, sem fazer piada do texto. "Senão ia ficar bobo, as pessoas não vão rir, achamos."

A produção consumiu oito dias de gravação, distribuídos entre externas em torno da casa/cabana onde o grupo se refugia, e cinco em estúdio, onde o interior da casa foi reproduzido.

JESUS DESEMPREGADO

Para compensar, e não perder a chance de debochar da ausência de menção religiosa no especial, o Porta produziu um vídeo para o YouTube, "Jesus Desempregado", em que Gregório Duvivier, ausente no elenco da edição da Paramount+, volta a encarnar Jesus e se queixa de ter sido ignorado na produção deste ano. "Ganharam o Emmy às minhas custas", reclama, ao mencionar "Se Beber não Ceie", que levou o prêmio internacional como melhor comédia de 2018 em 2019.

Segundo Porchat, o "Teocracia em Vertigem", que segue o formato de documentário, na esteira do "Democracia em Vertigem", filme de Petra Costa, é o especial mais visto do grupo até hoje, até por estar disponível no YouTube, gratuitamente.

Há ainda o famoso "Primeira Tentação de Cristo", que a motivou ações de censura e ato de terror na antiga sede do Porta dos Fundos, também lançado pela Netflix, mas não mais visto que "Se Beber Não Ceie", apresentado pela mesma plataforma.

Questionado sobre o receio de provocar a ira de fanáticos e fascistas incapazes de tolerar as piadas do grupo, Porchat diz que contra haters não há muito a fazer. "O negócio é quando alguém ameaça, incita a violência, aí a gente pode processar, mas de modo geral não tem isso, nenhum de nós sofreu agressão pessoal e nunca senti na rua nenhum tipo de perigo, de medo."

PARA NÃO PERDER A PIADA

Para o ano que vem aí, com novo governo, Porchat assegura que o tom de cobrança sobre Lula 3 será o mesmo válido para quem é governo. "Acho que não muda não, a gente sempre sacaneou todos os governos, Dilma, Temer, Bolsonaro: o governo da vez é o que apanha. Para o Brasil é um alívio, para a cultura é um respiro, assim como para a liberdade de expressão, que esse governo vá se embora e entre outro que respeite a democracia."

"Mas as coisas muito específicas são ruins de colocar [em cena] porque envelhecem, daqui a pouco ninguém mais sabe quem era o presidente da Câmara hoje."

A esquete de fake news sobre a mamadeira de piroca, no entanto, foi produzida em 2018, mas segue atual e se encaixou perfeitamente no resultado dessas eleições. No enredo, o PT sai vitorioso das urnas e Porchat interpreta uma travesti que invade a casa de uma senhora anticomunista (Suely Franco), consumando todas as ações anunciadas como "fake news" durante a campanha.

"Pois é, pois é, mas a gente torce pra que daqui a quatro anos ninguém mais se lembre o que seja isso", torce Porchat.

CONFIRA OS ESPECIAIS DE NATAL DESDE 2013

Especial de Natal - Porta dos Fundos (2013)
Especial De Natal - O Velho Testamento (2014)
Especial de Natal: Jesus Cristo (2015)
Especial De Natal - A Arca De Noé (2017)
Especial de Natal: Se Beber, Não Ceie (2018)
Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo (2019)
Teocracia em Vertigem: Especial de Natal (2020)
Te Prego Lá Fora (2021)
O Espírito do Natal (2022)