Atores de 'The Other Two' se identificam com seus personagens perdidos
Comédia da HBO Max é sátira aguçada da indústria do entretenimento
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O quarto de Drew Tarver no Bowery Hotel era bem iluminado. E confortável. Embora ofereça vista para um cemitério, a paisagem não é soturna. Quando ele chegou, fatigado e molhado de chuva depois de um voo tardio vindo de Los Angeles, encontrou um ursinho de pelúcia com o logotipo do hotel sobre sua cama e uma garrafa de vinho tinto na mesinha de café, cortesia do gerente.
Na manhã seguinte, a atriz Heléne Yorke, 36, tomou o elevador para subir ao quarto do colega no hotel de Nova York. Tarver correu para esconder a caixa de seu protetor bucal, e Yorke aproveitou para ler o bilhete do gerente, endereçado ao “Sr. Tarver”. Yorke brincou: “Quem eles acham que você é?”
Tarver, 35, é um dos astros da comédia de humor sombrio “The Other Two”, que começou a vida no canal Comedy Central, mas voltou para uma segunda temporada no serviço de streaming HBO Max —apesar de ainda não ter sido disponibilizada no Brasil. Ele interpreta Cary Dubek, gay e aspirante a ator.
Yorke interpreta sua irmã, Brooke, ex-dançarina. Pressionados por empregos medíocres, problemas amorosos e crises de moradia, os dois levam vidas de ruidoso desespero até que Chase, seu irmão muito mais jovem (Case Walker), se torna um astro pré-adolescente –ou, nas palavras de um apresentador de programa de entrevistas, “o novo garoto branco sensação”.
Durante a primeira temporada, Brooke e Cary pegam carona no sucesso de Chase, desajeitadamente. Na segunda, os dois parecem estar conseguindo se sair relativamente bem. Drew agora apresenta um segmento noticioso sobre eventos de tapete vermelho chamado Age Net Worth Feet. Brooke se tornou empresária de Chase e da mãe deles, Pat (Molly Shannon), agora apresentadora de um talk show.
De algumas maneiras, essa celebridade limitada representa um paralelo para com as vidas de Tarver e Yorke. Depois de anos trabalhando em produções menores, eles enfim estão chegando perto da fama. “Mas continuamos a não ser famosos”, disse Yorke. Ela olhou pela janela de Tarver. Os quartos ao lado do dele eram melhores, ela reparou. Tinham pequenas sacadas. “E aquela garrafa de vinho também não era grande coisa”, disse Tarver.
Ainda que “The Other Two”, criada por Chris Kelly e Sarah Schneider, ex-redatores de “Saturday Night Live”, seja uma sátira muito aguçada da indústria do entretenimento, a série também retrata um relacionamento incomumente caloroso e funcional entre Cary e Brooke, aparentemente embasado no afeto real que seus intérpretes sentem um pelo outro. (Ou talvez eles sejam só ótimos atores.)
Durante uma conversa de uma hora de duração no saguão do hotel (a ameaça do furacão Henri pôs fim à ideia de uma visita a um campo de golfe miniatura), os dois falaram da série, de suas escolhas ruins durante a pandemia e das esperanças quanto aos seus personagens. Abaixo, trechos editados da conversa.
Quem foi escalado primeiro?
Yorke: Drew foi escalado antes de mim. De maneira verdadeiramente sexista. Drew também vem sempre em primeiro lugar na lista de cenas que vamos gravar, já por dois anos, o que é devastador para mim como mulher.
Tarver: Eu canso de repetir que ela precisa estar em primeiro lugar. Ninguém me escuta.
Yorke: Drew conhecia Chris de sua época no ramo de humor de improviso e esquetes. Eu não fazia parte desse mundo, de maneira alguma. Fui chamada para fazer uma cena com Drew. Os dois disseram: ‘Se quiser improvisar, não se iniba’. E eu lá, suando de medo.
Tarver: Na audição dela, a sensação era a de que éramos mesmo irmãos.
Yorke: No show business, se você é parte de uma dupla, as coisas nem sempre são muito floridas. Mas para nós não, de verdade. Nós nos divertimos o dia inteiro.
Mas quem é melhor ator?
Tarver: Helène.
Yorke (simultaneamente): Drew. Tudo que Drew faz é tão verdadeiro. Estou falando de uma pessoa muito engraçada e muito espontânea, mas que também sente uma conexão profunda para com aquilo que é importante. [Para Tarver]: Agora é sua vez de falar de mim.
Tarver: Ela simplesmente chega e mata.
Vocês dois sempre sentiram afinidade por esses personagens? Nunca os viram como monstros?
Yorke: Eu me via neles. Quando você está no final da casa dos 20, começo da casa dos 30 anos e outras pessoas parecem estar se saindo muito melhor, você termina desorientado. Isso causa uma fome, uma sede que é devoradora. É o que acontece a Brooke e Cary. É o que os espectadores veem acontecer a eles.
Lembro-me de pegar o metrô e olhar as pessoas que estavam a caminho de trabalhos reais e pensar que elas tinham planos de saúde e que tinham uma coleção completa de panelas na cozinha. Era muito mais do que eu tinha.
Tarver: Você lá, no metrô, e só tinha uma frigideira para um ovo.
Yorke: Era tudo que eu tinha para fazer meu café da manhã! Mas sinto muita simpatia por Brooke e Cary. Qualquer coisa que eles façam e pareça maldade, ou loucura, eles fazem por fome.
Na segunda temporada, eles estão saboreando algum sucesso. Isso faz com que mudem?
Tarver: É surpreendente quão pouco isso os leva a mudar. Eles começam a perceber que "oh, isso é algo pelo que eu estaria disposto a matar no ano passado. E agora tenho. Por que, então, não me sinto mais feliz? Por que me acostumei tão rápido a isso e mesmo assim continuo insatisfeito?"
Yorke: É devastador perceber que você continua a ser quem você é. O sucesso não é uma varinha de condão. Você imagina que, quando tiver sucesso, de repente será uma pessoa melhor, mais assentada na vida. E aí faz sucesso e toda a sua [palavrão] o acompanha na nova vida.
Tarver: A terceira temporada inteira vai ser os dois em terapia, em tempo real.
Yorke: Isso. "Sessão de Terapia".
Vocês tinham começado a gravar a segunda temporada quando o lockdown da pandemia chegou. Como é que aproveitaram o ano de parada?
Yorke: Eu me tornei uma chefe de cozinha cinco estrelas. Comecei a escrever. Decidi dizer sim a novas experiências. Decidi comigo mesma que ia aprender a esquiar. Aprendi a esquiar com a ajuda do YouTube e rompi um ligamento cruzado duas semanas antes de voltar ao trabalho. Assim, aprendi a cozinhar e continuei a ser estúpida.
E você, Drew, quais foram suas lesões?
Tarver: Perdi os dois pés. Não. Minhas duas irmãs moram em Los Angeles. Nós três fizemos as malas e voltamos para a Geórgia. Minha avó tinha um velho trailer Airstream no quintal, todo coberto de mato e com gambás morando lá dentro. Eu e meu irmão mais novo começamos a assistir a vídeos que mostravam pessoas comprando velhos Airstreams para restaurar. Eram vídeos daquele tipo –"oi, eu sou o Mike". "E eu sou a Diane. Compramos um Airstream". E no vídeo seguinte eles dizem que estão limpando o trailer, jogando fora todo o lixo. No terceiro, eles dizem "agora terminamos o trailer e vamos nos divorciar".
Yorke: Ele deixou crescer muito a barba e ficou com cara de vagabundo da Geórgia. Temos fotos mostrando a barba crescendo e depois ele aparando para deixar só duas costeletas grossas.
Tarver: Raspei a barba um dia antes de começarmos a filmagem. Foi chocante poder ver minha boca de novo. Eu não tinha certeza de que ela continuava a funcionar direito. Na primeira manhã, logo que entrei, perguntei: "Ei, rapidinho, antes de a gente começar. Continuo parecido comigo? Meu sorriso parece normal?"
Yorke: Voltamos acabados.
Vocês transformaram a série em um programa que as pessoas realmente assistem. Há algum lado negativo?
Tarver: Às vezes a sensação é um pouco mais assustadora. Quando está tentando subir, você é mais destemido em suas escolhas porque sente que pode arriscar qualquer coisa. Mas depois, quando tem um emprego firme, você tem algo a perder, e o medo chega.
Yorke: Uma coisa que nunca vai embora –e incomoda muito– é a sensação de que cada coisa boa será a última. Se a série acabar, ninguém vai me convidar para fazer qualquer outra coisa.
Deve ser agradável ser famoso de um jeito mais contido e discreto, porém. Ou seja, as pessoas reconhecem vocês, mas não é preciso fugir dos paparazzi.
Tarver: Bem, eu na verdade faço isso. Mesmo que seja uma pessoa só, eu a empurro e saio correndo.
Se a série tiver mais temporadas, o que vocês querem para os personagens?
Yorke: Minha esperança é que as situações se tornem sempre mais luxuosas.
Tarver: Quero que eles continuem a ter problemas. Mas em palácios.
Yorke: É fácil dizer que queremos que eles descubram quem são de verdade, mas eu não quero isso, porque me sinto reconfortada pelo fato de que não sabem. Faz com que eu me sinta menos sozinha.
Tarver: É agradável vir ao trabalho para interpretar uma pessoa desastrada. Porque a sensação é a de que, opa, isso parece real.
Yorke: Queremos que eles sempre se sintam mal e perdidos. É isso que é universal.
Tradução de Paulo Migliacci