Sean Penn e Dylan Penn fazem do filme 'Flag Day' um negócio de família
Ator e diretor encabeça produção com participação de seus dois filhos
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Sean Penn, 61, tem dois Oscars, claro. Mas em casa, seus filhos, Dylan Frances Penn e Hopper Jack Penn, têm vontade de jogar tomates nele. “Sou péssimo quando conto piadas”, admitiu Sean. “E eles sempre me dizem que eu provavelmente nem deveria ter começado”. “Como todo mundo faz com seus pais”, acrescentou Dylan, revirando os olhos afetuosamente.
A despeito dos fracassos do pai como humorista, ela confia nele como o diretor capaz de lançar sua carreira como atriz –se é que é isso que ela deseja. “Flag Day” ("O Dia da Bandeira", em português), que estreou em competição no festival de Cannes e chegou aos cinemas em 20 de agosto, traz os dois em uma adaptação de “Flim-Flam Man”, livro de memórias da jornalista Jennifer Vogel, sobre seus anos complicados de juventude, vividos na órbita do pai, um trapaceiro profissional que terminou morrendo em uma perseguição de alta velocidade pela polícia. O longa ainda não tem data de estreia no Brasil.
Sean deu o livro de presente a Dylan quando ela era adolescente. Ela não se interessou pelo papel. Agora com 30 anos, ela precisou de quase 15 anos para aceitar a proposta. Essa demora bastou para que seu Sean pudesse assumir dupla responsabilidade, como diretor e protagonista, a primeira vez que ele ocupa as duas funções em um filme. “Não penso estereofonicamente”, disse Sean.
Convencer seu filho, Hopper, a fazer um pequeno papel como o irmão de Vogel foi mais fácil. “Ele me convidou para interpretar Nick, e bastou isso”, me disse Hopper em um email.
Sean e Dylan estavam acomodados no jardim de sua casa, à sombra de um trailer Airstream que ostenta o nome “Las Vegas”, para celebrar os planos de Sean de se casar com Leila George naquela cidade. Por conta da pandemia, o casal em lugar disso se casou via Zoom, em uma cerimônia oficiada por um juiz de paz local, durante a cerimônia de inauguração do posto gratuito de exames da Covid-19 que a organização sem fins lucrativos de Sean, chamada CORE, abriu no Dodger Stadium. O projeto mais tarde evoluiu, e se transformou em uma frota de unidades móveis de vacinação.
Em companhia de três cachorros grandes que pareciam mudar de ideia constantemente sobre o melhor lugar para uma soneca, pai e filha responderam a perguntas se atropelando mutuamente, e discutiram o relacionamento deles e seu desenvolvimento. “Sei que carimbos ela tem no passaporte –e ela conhece os meus”, disse Sean. “Foi emocionante podermos transferir isso para um filme”. Abaixo, trechos editados da conversa.
Esse é um filme sobre descobrir uma identidade distinta da identidade de seus pais. Dylan, você não queria ser atriz. Trabalhou em uma agência de publicidade, ajudou a editar roteiros, entregou pizzas –as gorjetas eram boas?
Dylan Penn: Horríveis.
Sean Penn: Isso me apavorava. Aquelas fraternidades universitárias todas, ao redor do campus da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
Dylan: Comecei a trabalhar como modelo seis meses depois de me tornar entregadora de pizza, mas durante o dia eu ficava fazendo cabelo e maquiagem para as sessões de fotografia. E à noite, quando eu aparecia nas fraternidades para entregar pizzas, os moleques perguntavam “ei, alguém encomendou uma stripper?” Não! Só uma pizza. Eu sempre imaginei que terminaria por trabalhar na indústria do cinema, mas antecipava que seria por trás das câmeras. Quando eu tinha 15 ou 16 anos, e meu pai primeiro me propôs o projeto, minha sensação era de que seria uma coisa bem besta para fazer.
Atuar?
Dylan: Adultos disfarçados de pessoas diferentes. O motivo real para eu me interessar por atuar, para começar, foi porque eu disse aos meus pais [a mãe dela é a atriz Robin Wright] que um dia gostaria de ser diretora, e os dois me disseram que era melhor eu saber como é ser ator antes de dirigir, para que eu soubesse como dirigir atores.
A ideia do filme sempre envolveu vocês dois?
Sean: Inicialmente eu participaria como ator. Mas ela não se sentia preparada. Depois, quando a ideia voltou, a proposta era eu dirigir. Ou seja, eu seria só diretor. E aí encontramos alguns problemas um mês antes de rodar e eu tive de cobrir a vaga, o que fiz com muita alegria.
Dylan: Foi um verdadeiro choque, porque nunca trabalhamos juntos. A ideia de ele me dirigir já era uma grande empreitada. E a ideia de estar vulnerável diante da família e de 40 ou 50 membros da equipe intimida bastante.
Sean: A roupa suja será lavada em público todos os dias. Não quero dizer a roupa suja da história da família, mas as interações emocionais de um com o outro a cada dia. Mas, do lado positivo, jamais estive tão empolgado por estar em um estúdio quanto nas cenas que fiz com ela, ou assistindo ao trabalho matador dela em outras situações. Uma coisa que todos os atores dizem, mas poucos na verdade fazem, é que ouvir é tudo. Ela ouve de uma maneira que amo assistir, porque não revela o que está pensando. Gosto de fazer closes com ela porque ela não vai dar uma piscadinha de cumplicidade.
O que torna Sean único como diretor?
Dylan: Ele tem uma visão plenamente desenvolvida, já antes de começar o trabalho. Mesmo trabalhando em um projeto em que havia limitações do ponto de vista financeiro, não havia limites para transformar aquela visão em realidade. Um adereço. Uma locação. Meu cabelo. Um exemplo é literalmente a abertura, uma cena com Regina King e eu. Logo que entrei no set, ele disse que “você não deveria estar usando rímel”. E me lembro de ficar muito brava. Foram 10 minutos de briga para eu tirar o rímel.
Sean: Duas horas e meia de impasse.
Dylan: Eu estava errada. Mas teimei, e foi uma briga.
Sean: Mas digo, em defesa dela, que em muitas das vezes em que ela via as coisas de modo diferente do meu, terminei por concordar em que a ideia dela era a certa. Por isso, me interesso muito por ver as coisas que ela vai dirigir um dia.
As dinastias de atores remontam aos Barrymore. Mas a família de vocês parece estar criando uma dinastia de diretores. Dylan, seu pai e sua mãe lançaram filmes no ano passado, e Sean, seu pai, Leo Penn, era diretor.
Sean: Quando criança, passei muito tempo com ele em sets. Dramas televisivos de uma hora de duração. Ele era muito mais paciente. Um sujeito mais gentil. Mas tenho certeza de que meu senso geral do trabalho de um diretor vem dele.
E ele o dirigiu em “Little House on the Prairie”.
Sean: Era meu dinheiro extra de verão, quando menino. Eu não achava que queria trabalhar no cinema antes de chegar ao último ano do segundo grau.
E “Judgement in Berlin” [um filme de 1988 em que Sean interpreta uma testemunha em um julgamento].
Sean: Foi uma excelente experiência. Falamos sobre isso nessa história: o que você realmente sabe sobre seus pais? As mentiras na relação entre John e Jennifer. De John para com Jennifer. Mesmo com um pai aberto e carinhoso, foi preciso irmos a Berlim para eu descobrir que [durante a Segunda Guerra Mundial] ele havia voado diversas missões de bombardeio em baixa altitude, virtualmente lá onde estávamos, e isso eu descobri caminhando por uma praça em que mães empurravam carrinhos de bebê. Não acho que ele tenha sentido arrependimento, mas a humanização do que ele havia feito, lá do alto, foi um grande baque para ele.
Descobrir mais sobre os pais me faz pensar sobre uma postagem de Dylan no Instagram dois anos atrás, sobre o dia do primeiro casamento de seu pai.
Dylan: Foi a primeira vez que percebi que meus pais eram pessoas mesmo sem mim. Foi algo que senti bem fundo, depois de passar por muita terapia familiar. Muita gente me pergunta se sou filha de Madonna. Ah, é. Ele foi casado com ela. Os dois tiveram uma vida juntos.
Você tinha cinco anos quando se mudou de Los Angeles para o norte da Califórnia. Pouco antes disso, sua mãe foi surpreendida por pessoas armadas na entrada de sua casa. Você se lembra disso?
Dylan: Lembro vividamente. Minha mãe, meu irmão e eu estávamos no carro. Chegamos por volta das 22h, e havia dois caras parados na entrada de carros. Minha mãe disse para não sairmos do carro e não fazermos qualquer barulho. Aquela coisa de super-herói que as mães fazem quando seus filhos estão em perigo.
Sean: E eles roubaram o carro.
Dylan: E depois bateram.
Sean: Terminaram batendo em uma caçamba de lixo, e fugiram correndo. O segundo cara foi preso, com a ajuda de uma unidade aérea com sensor infravermelho. Ele se escondeu dentro de uma caçamba, mas, porque tinha corrido, seu corpo estava quente e ele foi encontrado pelos sensores.
Dylan: [Essa foi uma das] razões para que minha mãe dissesse que não queria que crescêssemos no frenesi de paparazzi em que Los Angeles estava se tornando. Agora, a situação está muito pior do que na década de 1990.
É praticamente impossível não reparar na semelhança física entre você e sua mãe. Por dentro, você se sente parecida com seu pai?
Dylan: Meu Deus. Sinto que os dois somos personalidades alfa, mas, apesar disso, também introvertidos em termos de nossas vidas pessoais. Acho que muito da minha força vem de observar meu pai. Minha mãe também, mas de maneiras diferentes. Acho também que vemos as coisas de modo semelhante, e reagimos emocionalmente de modo semelhante, por exemplo, quanto aos filmes que vemos e nos fazem chorar.
Sean: Todos eles.
Dylan: É como o que muita gente tem com seus melhores amigos. Uma maneira de observar as mesmas coisas.
Sean: Por uma lente semelhante.
Dylan: Sim, uma lente semelhante.
[ALERTA DE SPOILER] Algumas das cenas parecem ter sido difíceis de filmar, são realmente fortes. Você está filmando sua filha o vendo morrer na tela.
Dylan: É uma coisa horrível de assistir. Foi a primeira vez que senti 100% que meu pai não estava lá –meu pai está aqui– mas a sensação era a de que ele realmente estava dando um tiro na própria cabeça. Eu chorei, e pude ouvi-lo chorar por trás da câmera.
Sean: Vendo você chorar por mim. [Falso choro.] É tão triste perder um pai!
Você também chorou?
Sean: Ela me fez chorar muitas vezes. Ela me faz chorar muitas vezes. A sensação é de que alguém deveria me denunciar ao serviço de proteção à criança por dirigir o filme. Veja só como estou fazendo minha filha sofrer.
Há um diálogo no filme: “Acho que a maior esperança que um homem pode ter é deixar algo de belo para trás. Algo que ele fez”. Estou errada em imaginar que essa fala tem uma ressonância especial para vocês?
Sean: Oh, não. Continua a ter ressonância agora, com você dizendo. Sim. Olha, eu não sei o que mais estou fazendo aqui. Agora, com dois filhos de que tenho tanto orgulho e realizando coisas com seus talentos... Em um dia bonito, apesar da pandemia e de tudo mais, a sensação é de que, daqui para a frente, é só festa. Vou bater na madeira. [Ele bate no tronco de uma palmeira.] Mas não tenha dúvida: sem eles, eu estaria perdido.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.