Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

Atriz mirim alemã que contracena com Tom Hanks diz que nunca tinha ouvido falar do ator

Helena Zengel e Hanks estão em 'Relatos do Mundo', que chega a Netflix

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Thomas Rogers
Berlim

The New York Times

Quando o diretor Paul Greengrass estava preparando a filmagem de seu novo filme, “Relatos do Mundo”, sobre um veterano da guerra civil americana que, na década de 1870, no Texas, escolta uma menina órfã para entregá-la aos seus parentes do outro lado do estado, ele previa um grande desafio.

“Foi o primeiro filme que dirigi no qual um ator infantil tinha papel central”, ele disse recentemente, por telefone. Selecionar a atriz seria difícil em múltiplos níveis, ele percebeu. Ainda que a personagem passe a maior parte do tempo na tela, seus diálogos são escassos. Tom Hanks já tinha assinado para o papel principal, de modo que a menina escolhida teria de “encarar o duelo” com um superastro, disse Greengrass. “Era uma tarefa muito, muito difícil”.

Uma das primeiras meninas que ele viu durante a seleção de elenco, em 2019, foi Helena Zengel, de Berlim, que tinha 11 anos na época do teste, uma garota cheia de energia, com cabelos louros platinados. “Nem precisei procurar mais”, disse o cineasta. “Foi a decisão mais fácil do filme”.

“Relatos do Mundo”, que estreou nos cinemas dos Estados Unidos e Canadá em 25 de dezembro e estará disponível na Netflix e em outros países a partir de fevereiro, é o primeiro papel internacional importante para Zengel, que já havia se tornado uma das atrizes –e especialmente uma das atrizes infantis– mais comentadas a surgir na Alemanha nos últimos anos.

Ela recebeu muitos elogios em 2019 por retratar uma menina de nove anos que vive de modo quase selvagem, em “Transtorno Explosivo”, que foi o indicado oficial da Alemanha para o Oscar. O trabalho lhe valeu o prêmio como melhor atriz no Lola, o equivalente alemão do Oscar, no segundo trimestre, o que fez dela a mais jovem ganhadora do prêmio.

Em “Relatos do Mundo”, a personagem de Zengel, Johanna Leonberger, fica órfã depois que seus pais, imigrantes alemães, são assassinados na fazenda em que a família vive, quando ela tem quatro anos. Ela é acolhida e criada pela tribo kiowa, mas mais tarde é recuperada por soldados; um veterano de guerra em viagem pela região concorda em levá-la para a casa de uma tia e tio sobreviventes.

Zengel recebeu críticas positivas por seu desempenho; os críticos elogiaram sua capacidade de imbuir a personagem desafiadora e alienada que ela vive com um senso de calor humano e inteligência, e de canalizar os horrores da história passada de Johanna sem quase falar. A maior parte de seus diálogos acontece em kiowa, um idioma que ela teve de aprender para o papel.

Em uma conversa recente via Zoom, Zengel mostrou ser muito mais risonha e faladora –ou seja, mostrou ser mais parecidas com uma menina de 12 anos de idade– do que seus papéis recentes poderiam indicar. Ela disse que, como a maioria das crianças da Alemanha, havia passado boa parte do ano em casa, e que estava de quarentena, no momento, porque um de seus colegas de classe contraiu o coronavírus.

Antes de ser escalada para o filme, ela disse que nunca tinha ouvido falar de Hanks. “Acho que vi ‘O Código Da Vinci’, uma vez, mas não sabia quem era ele”, disse Zengel. “Achei que era um ator qualquer”.

Em um email, Hanks elogia Zengel pela capacidade de interpretar “sem preparo, sem apreensão, sem preocupação”, e disse que desejava ter “a mesma facilidade e simplicidade que ela tem”. Zengel disse que nunca fez uma aula de atuação, “porque eu não sabia se havia muita coisa a aprender”.

“Fico na frente da câmera, sei o que quero, e faço”, ela disse, de modo direto. Esse foco e força de vontade, explicou a mãe da atriz, Anne Zengel, são os traços marcantes de sua filha desde pequena. As primeiras incursões dela como atriz, aos quatro anos, emergiram basicamente da frustração dos pais, ela disse, porque sua filha tinha “três vezes mais intensidade” do que as demais crianças e aprontava se alguma coisa que queria lhe fosse negada.

“Sabíamos que ela teria de funcionar na sociedade, e por isso tivemos de descobrir como redirecionar suas energias”, disse Anne. Ela matriculou Helena em aulas de patinação, e a encorajou a tentar trabalhos como atriz. Depois de alguns papéis pequenos na TV alemã, como filha de um ladrão de bancos ou uma menina que cai de uma ponte, ela conquistou um papel principal em “Menina Azul Escuro”, um filme de arte alemão, aos sete anos.

“Em algum momento, aconteceu aquilo que eu esperava que acontecesse”, disse sua mãe, “e ela passou a ser valorizada por ser tão intensa”.

Em 2017, Zengel atraiu a atenção de Nora Fingscheidt, a diretora alemã de “Transtorno Explosivo”, um drama perturbador centrado em uma menina chamada Benni, que sofre abusos quando bebê e é abandonada pela mãe, e mais tarde ataca as pessoas que cuidam dela e a sociedade que a cerca. O filme inclui diversas cenas perturbadoras, algumas das quais de violência entre crianças.

Em entrevista, Fingscheidt disse que precisava de uma atriz infantil capaz de transmitir o lado físico muitas vezes aterrorizante das ações de Benni, mas também de arcar com o peso psicológico do papel.

Ela se impressionou com “a qualidade cinematográfica” de Zengel, “sua pele branca quase translúcida, cabelo branco que a faz parecer um anjo, mas com uma ambivalência fascinante”. Durante a audição da menina para o papel, na qual ela foi instruída a improvisar uma cena em que ela “surta”, gritando e jogando coisas, Fingscheidt disse que o que mais a atraiu foi “o brilho no olhar dela quando lhe disse que podia se comportar da pior maneira que quisesse”.

Para ajudar Zengel a se distinguir da personagem traumatizada, disse a diretora, as duas faziam uma pequena encenação no final de cada cena rodada, com a diretora erguendo a mão por sobre a cabeça da atriz como se fosse um chuveiro, e ela fingindo se lavar, para indicar a transição de volta à sua pessoa real. Zengel também escrevia um diário, para ajudá-la a processar seus sentimentos, acrescentou a diretora.

Zengel disse que a experiência de fazer “Transtorno Explosivo” a ajudou a se preparar para seu papel em “Relatos do Mundo”, que ela reconheceu não ser “tão extremo”.

Agora, Zengel confronta a estranha realidade de ser famosa internacionalmente mas estar confinada à sua casa, onde estuda para concluir a sétima série. No final do ano passado, a revista Variety a selecionou para sua lista de atores que merecem observação, e ela disse ter recebido convites para outros papéis nos últimos meses, mas que esperaria a pandemia se atenuar antes de tomar decisões.

Ela disse que estava aberta à possibilidade de se mudar para os Estados Unidos, ainda que sua mãe tenha afirmado que intenção era que a filha tivesse uma infância normal, e que a cultura de celebridades muito menos intensa na Alemanha a tranquilizava.

“O que eu gosto em ser atriz é que você faz e pronto, e, se estiver feliz com isso, estará fazendo o trabalho direito”, disse Zengel. “E é muito divertido correr de um lado para outro e gritar”.

Tradução de Paulo Migliacci