Sophia Loren diz que envelhecer graciosamente é aceitar a idade e viver no presente
Após dez anos, atriz italiana voltou a atuar no drama 'Rosa e Momo', da Netflix
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O que aconteceu com Sophia Loren? A questão é provocada por “Rosa e Momo”, drama da Netflix que estreou no último dia 13, estrelado pela atriz italiana cujo nome costumava ser sinônimo de glamour internacional.
O fato é que seu primeiro longa-metragem desde um filme para TV que fez dez anos atrás combina sua paixão pelo cinema à outra grande paixão de sua vida: a família. Loren, 86, há muito tempo prioriza a família com relação à carreira, mas seu novo trabalho combina os dois amores. O diretor e um dos roteiristas do filme é Edoardo Ponti, o mais novo de seus dois filhos.
Em “Rosa e Momo”, a terceira colaboração entre Loren e Ponti, ela interpreta uma italiana sobrevivente do Holocausto conhecida como Madame Rosa, que acolhe e termina por formar uma ligação com um órfão senegalês, Momo (Ibrahima Gueye).
A mensagem de tolerância do filme a levou de volta ao trabalho, mas a necessidade de uma conexão pessoal com seus projetos também a torna seletiva com relação aos convites que aceita, disse Loren, em inglês enferrujado.
E embora a atriz, ganhadora do Oscar, tenha continuado a influenciar a cultura pop contemporânea ("Zoo Be Zoo Be Zoo", sua versão da canção pop "Zou Bisou", foi tema de uma cover na série "Mad Men", um programa que ela nunca assistiu), ela declarou que não se sente pressionada a acompanhar cada tendência.
Em entrevista por telefone, de sua casa em Genebra, Loren falou sobre envelhecer graciosamente, ser dirigida por seu filho, e sobre alguns de seus papéis favoritos. Abaixo, trechos editados da conversa.
Você começou a fazer menos filmes na década de 1980, sete anos depois do nascimento de Edoardo e 12 anos depois do nascimento de Carlo Jr., o irmão dele. Por que escolheu diminuir o ritmo?
Na época, me perguntei: “O que você quer da vida, Sophia?” E respondi que queria uma bela família, que eu tinha. “Quero dois filhos”, e eu já os tinha. “Mas nunca os vejo”. E assim eu decidi comigo mesma que dali por diante eu desaceleraria um pouco. Mas em vez de desacelerar só um pouco, simplesmente parei de trabalhar. Não porque eu não amasse o trabalho; queria estar mais perto de minha família, porque eu muitas vezes praticamente morava no estúdio. Assim, me apanhei de surpresa ao pensar que “Sophia, talvez seja melhor parar de atuar, por enquanto, e retomar mais tarde”. Parei de fazer filmes, por muito tempo, mas era muito feliz, porque vi meus filhos crescerem, se casarem e terem filhos. [Carlo Ponti, com quem Loren foi casada por 50 anos, morreu em 2007.]
Que roteiros você recebe agora?
Continuo a receber muitos roteiros, mas nenhum deles ecoou em mim como “Rosa e Momo”. É por isso que eu não trabalhava há quase 10 anos. Queria encontrar um papel que realmente me inspirasse e desafiasse. Madame Rosa era o personagem para isso, não só por suas emoções diferentes e às vezes contraditórias, mas pela mensagem de tolerância, amor e inclusão que o filme expressa.
Você às vezes se descreve como “perfeccionista”, e como “Rosa e Momo” é sua terceira colaboração com Edoardo... Ficou mais fácil aceitar seu filho como diretor?
Sou perfeccionista, mas ele também é. Edoardo me dá segurança. Ele é outra pessoa que não desiste até que consiga o melhor de mim. Ele não aceita nada menos que isso, e sabe exatamente que botões apertar para conseguir determinada reação de mim. Quando Edoardo diz “esta é a boa”, após filmarmos uma cena, sei que meu desempenho foi exatamente o que ele estava esperando. E uma sensação maravilhosa para uma atriz, porque você está segura do que está fazendo.
O que diretores como Vittorio de Sica ensinaram a você?
De Sica me ensinou a ser fiel a mim mesma e seguir meus instintos, e não uma tendência. Mais fácil dizer que fazer, mas isso é importante. Eu tinha 17 anos quando conheci De Sica. [Ela trabalharia com ele mais tarde em “O Ouro de Nápoles”, em 1954, a primeira de suas diversas colaborações.] Conhecer De Sica –para mim, ele era um santo, o maior diretor do planeta. E ele queria me ver. “Ah, você é de Nápoles. Tenho um papel para você”. Foi assim que minha carreira começou, com Vittorio de Sica.
Qual foi a importância, para você, de trabalhar com cineastas com os quais tem uma conexão pessoal, seja na vida real, seja por ter assistido aos seus filmes?
Bem, isso nem sempre foi possível quando comecei a fazer filmes nos Estados Unidos. Trabalhar com grandes atores americanos foi uma excelente escola para mim, mas também uma experiência completamente inédita. Trabalhei com Cary Grant e Frank Sinatra em “Orgulho e Paixão” [1957], quando eu tinha 22 anos, ainda uma menina. Na época eu vi as possibilidades que surgiam com trabalhar em inglês, mesmo em péssimo inglês, porque não era o meu idioma. Mas o som da fala e da música me é muito querido e eu aprendi inglês rapidamente. Tive ótimas experiências quando comecei a fazer filmes americanos. Fiz “Desejo”, “Tentação Morena” – não consigo lembrar de todos.
E agora?
O papel tem de ter um significado pessoal, porque você faz seu melhor quando sente o papel nos ossos.
Você acompanha o cinema ou a TV contemporâneos?
Na televisão, assisto principalmente aos noticiários, mas gostei muito de “The Crown”.
No seu livro de memórias, “Ontem, Hoje e Amanhã”, você descreve sua carreira como atriz como “uma época notável do cinema italiano que tive a honra e o privilégio de experimentar em primeira mão”. Os filmes e os cineastas italianos contemporâneos não a interessam tanto assim?
Já não assisto a tantos filmes ou séries, mas devo dizer que o trabalho de Matteo Garrone e Paolo Sorrentino é um prazer de assistir, e os dois por acaso são napolitanos!
Em 2011, você fez a voz de Mama Topolino na versão em italiano de “Carros 2”. Como foi essa experiência?
Eu não tinha visto muitos filmes de animação, e por isso não sabia o que esperar do papel, mas devo dizer que “Carros 2” é um dos filmes favoritos dos meus netos.
Você se considera uma pessoa religiosa ou espiritual?
Claro que sim. Não vou à igreja, mas acredito em Deus. Rezo em casa.
Envelhecer graciosamente é uma preocupação para você?
Se você aceita o processo de envelhecimento e vive no presente, você envelhece graciosamente.
Você disse que admira muito Daniel Day-Lewis, com quem trabalhou em “Nine”. Agora que ele se aposentou, quem são seus atores contemporâneos favoritos?
Ainda gosto muito dele, independentemente de ele voltar ou não a trabalhar. Ele e um excelente ator e sempre admirável. Amo Meryl Streep. Ela é uma grande atriz.
Que conselho você daria a uma jovem atriz?
Não há conselho a dar. Se alguém sente que tem de ser atriz, porque é algo que a pessoa ama, é preciso fazer o que sua mente ordena, colocar-se em uma situação na qual você só pense em sua vida como atriz. Depois você precisa decidir se vai ou não se casar. A vida não é uma coisa só; é muitas coisas, e às vezes muitas coisas ao mesmo tempo.
Você assiste aos seus filmes do passado?
Tendo a me julgar com muita severidade, e por isso é melhor que eu não assista aos meus filmes logo que saem. Às vezes o faço, por curiosidade, se um dos meus filmes passa na TV, ou talvez com meus filhos, porque eles não viram algum filme que fiz muito tempo atrás. E às vezes tantos anos se passaram que me ver é como descobrir uma pessoa completamente diferente. É uma experiência interessante. Gosto dela.
P. Há trabalhos de que você se orgulha especialmente?
Meu papel em “Duas Mulheres” é muito importante para mim [ela conquistou um Oscar por esse filme de De Sica, lançado em 1962, no qual interpreta uma mãe solteira batalhadora durante a Segunda Guerra Mundial], mas também o papel que interpretei em “Um Dia Muito Especial” [como dona de casa que se torna mais compassiva ao descobrir que seu vizinho é gay]. Tudo depende da história e da perfeição de grandes diretores como De Sica. Eu amava trabalhar com ele, e também os filmes que fiz com Marcello Mastroianni.
Você deseja continuar atuando?
Se gosto de atuar, por que parar?
Tradução de Paulo Migliacci