Palmirinha, aos 91: 'Você sabe que está velha, mas eu não me sinto assim'
Cozinheira ainda trabalha como empresária e diz chorar ao ver crise e desemprego
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Longe da TV, mas ativa no ramo empresarial, a cozinheira Palmirinha Onofre, 91, não abre mão de ter seu cantinho. Moradora do 10º andar de um prédio bem localizado na zona sul de São Paulo, ela recebeu a reportagem do F5 com pãezinhos de queijo de calabresa de sua mais nova linha culinária.
É nesse apartamento de cerca de 50 metros quadrados, decorado com várias imagens de Nossa Senhora Aparecida -e com um quartinho reservado para uma de suas cuidadoras dormir; são três profissionais se revezando durante as 24 horas do dia- que Palmira Nery da Silva Onofre vive sozinha, uma exigência que fez à filha Sandra. Mas basta uma ida até a janela da área de serviço que, com um aceno, a própria Sandra, moradora do prédio em frente, consegue saber se a mãe está bem ou se precisa de algo.
"Estou com a saúde muito boa. Como bem, durmo bem e tenho carinho de todo mundo. Às vezes, a gente levanta indisposta, toma um comprimido que adormece um pouquinho, mas estou ótima. Tomo banho sozinha, me troco", conta Palmirinha, que no prédio é chamada de "menina" por alguns moradores e diz que prefere ficar em casa vendo novela e seus programas prediletos. "O Marcos Mion sempre fala meu nome e o Luciano Huck é muito carinhoso."
Por vezes, é preciso falar mais alto para que a cozinheira escute uma ou outra coisa com clareza. Sandra, que além de filha também é sócia e a responsável por gerenciar os rumos empresariais de Palmirinha, ajuda em alguns momentos a transmitir a mensagem a ela, mas nada que tire a disposição, a felicidade e o sorriso da "amiguinha" durante a ensolarada tarde de terça-feira em que ela conversou com o F5.
"Você sabe que está velha, mas eu não me sinto assim. Faço coisas que as meninas que me auxiliam ficam bravas. Ajudo a limpar a casa. Quero ter a vida que eu tinha antes e, infelizmente, tenho que por na cabeça que não sou mais como eu era. Às vezes, falha um pouco minha memória, mas acho que está tudo bem. Não quero dar trabalho para as minhas [três] filhas."
Como anda a saúde da senhora?
Estou com saúde muito boa, pois como bem, durmo bem e tenho carinho de todo mundo, graças a Deus. Com a idade, às vezes, levanto indisposta, tomo um comprimido que me adormece um pouquinho, mas estou ótima. O geriatra vem aqui quando precisa ou fala o que devo tomar. Tem uns remédios que tomo de manhã e de noite. Tomo banho sozinha, me troco sozinha ainda, estou bem.
E de cabeça? Também vai bem?
Estou bem, faço meus pãezinhos de queijo, vou vendendo. Vou em algum lugar que me chamam, às vezes de cadeira de rodas ou abraçada às meninas, minhas filhas. Faço quase tudo igual. Você sabe que está velha, mas eu não me sinto assim. Faço coisas que as meninas que me auxiliam ficam bravas. Ajudo a limpar a casa. Quero ter a vida que eu tinha antes e infelizmente tenho que por na cabeça que não sou mais como eu era. Às vezes falha um pouco minha memória, mas acho que está tudo bem. Não quero dar trabalho para minhas filhas.
Sandra (filha): Ela exigiu morar sozinha, mas fica com cuidadoras 24 horas por dia e são três. Mas ela quis morar sozinha e eu cedi, pois todo mundo quer ter seu cantinho. Eu moro em frente. Somos três filhas. Todo dia estou aqui com ela. A irmã mais velha a cada dois dias vem aqui ficar com ela.
O que a senhora mais gosta de fazer?
Não gosto muito de sair, gosto de curtir minha vida no meu cantinho. Às vezes, minhas filhas viajam e querem que eu vá, mas não vou, pois quero curtir minha casa. Estou bem, tenho uma família maravilhosa, minhas filhas, que são ótimas pessoas e que cuidam das minhas coisas para entrar um dinheirinho.
Tem saudade de trabalhar na televisão?
Muitas vezes eu coloco na TV e eu apareço, falam de mim. Trabalhar eu não quero mais, já trabalhei bastante, né? Me sinto bem quando lembram de mim na TV. O Marcos Mion falou de mim outro dia, o Luciano Huck é muito carinhoso comigo. Gosto de ver a Ana Maria Braga e a novela ["Além da Ilusão"]. Não perco. Assisto a missa aos domingos. E tem meus netos e bisnetinhos [são 6 de cada]. Sábado eles vêm me ver. Só atravessar a rua, moram por perto. Sou uma pessoa feliz, e essas filhas que tenho são maravilhosas e não me abandonam.
A senhora, aos 91 anos, ainda trabalha como empresária.
Eu gosto desse trabalho, quando falam que [determinado produto] é da Palmirinha todos querem fazer. Quem cuida disso são minha filha e meu genro. Aprovo tudo e assino. Se ficou bom eu aprovo. Com a pandemia, fiquei magoada com o fechamento de algumas lojas, porque alguns funcionários perderam emprego com essa crise e agora está difícil. Eu fico triste, pois eu sofro como se fosse comigo.
Sandra (filha): Agora ela tem só uma loja, ali na região do Masp [na avenida Paulista, em São Paulo], a Casa Vovó Palmirinha. Neste momento estamos estudando franquia e analisando de que forma podemos crescer com a loja. E tem o lançamento da linha dela de pão de queijo e o grande diferencial desse produto é que tem de alho poró e de calabresa. Agora, esperamos as embalagens ficarem prontas e, em breve, estará nos supermercados. Tem uma empresa que licenciou a marca mediante aprovação dela, a receita é dela. Estamos negociando com algumas redes. E a linha mais recente de temperos que ela lançou também está na fase de negociação com supermercados.
Como foi a vida da senhora na pandemia?
Não me atingiu [financeiramente]. Infelizmente tem gente que está sofrendo com isso e nas minhas orações peço para que resolvam essa questão e todo mundo consiga um dinheirinho para a família. Às vezes, mudo de canal, pois começo a chorar, sinto pena mesmo [vendo a crise e os abalos financeiros trazidos pela pandemia].
Sandra (filha): Com o dinheiro da empresa dela a gente paga todas as contas e o que sobra a gente aplica para ir rendendo. Mas todas as contas da empresa e particulares da minha mãe são pagas e o dinheiro é dela, para o que ela precisar, tudo está no nome dela. Eu sou procuradora e sócia na empresa, mas tudo tem o aval dela.
A senhora reza muito?
Nas orações, não penso só em mim, mas nas pessoas que precisam. Vi uma criança [na TV] que não tinha mais escola e isso dá margem para se tornar uma pessoa perdida. Sinto como se fosse comigo. Hoje de manhã, chorei ao ver um menininho pedindo um pãozinho e isso me corta o coração. Rezo muito por eles (Palmirinha chora).
Mudando de assunto, a senhora ainda tem algum sonho a realizar?
Não tenho, a única coisa é que, antes de morrer, quero ver minha família bem e unida. Não quero mais nada. Nossa Senhora Aparecida me deu tudo o que eu queria, sempre vendendo tudo, nunca tive vergonha de não ter carro e pegar o de feira e sair para vender. Você ganha seu dinheirinho para comprar coisas para a família.
O que a família da senhora representa?
Tudo na minha vida, principalmente minhas filhas, genros maravilhosos, netos, bisneto, uma neta nos Estados Unidos, que sempre me liga. Meu neto trabalha o dia todo e, às vezes, passa aqui. Essa é minha vida. Mãe pode ser o que for, mas deu a vida para você. Não pode criar mágoa da mãe. Só tive carinho das três filhas que tenho [Sandra, Nancy e Tânia]. Tenho conforto. Sou realizada. Na hora que eu for embora, não vou levar mágoa de ninguém (Palmirinha chora).
Ainda cozinha em casa? O que mais gosta de preparar?
Gosto de fazer bife à milanesa, acebolado, arroz, galinhada. Gosto muito de coisa de panela, carne assada na panela, torta gostosa. Comida eu gosto de qualquer uma. Minha mãe fazia polenta com frango quando morávamos no sítio. Era criança e lembro ainda.
Olhando para a sua vida, quais as melhores lembranças?
Minhas três filhas, que vou levar com saudade. Mas [profissionalmente] foi quando eu ganhei um programa na TV Gazeta, o TV Culinária (2000-2010), aquele dia foi o mais feliz.
Quando a senhora fizer 100 anos posso fazer uma nova entrevista?
Ah, imagina, que isso, não faz isso não (risos)!