Por que Idris Elba escolheu o humor para contar sua história mais pessoal em série
'In The Long Run' é uma comédia gentil e um retrato íntimo da infância do ator
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"In The Long Run", que acaba de concluir sua terceira temporada no canal Starz, é uma comédia baseada na infância do ator Idris Elba, que ele passou no Holly Street Estate, um conjunto habitacional racialmente diverso no distrito londrino de Hackney.
A série se passa no Eastbridge Estate, um conjunto habitacional fictício, no começo da década de 1980, e Elba, que criou o programa para o canal britânico Sky One, interpreta Walter Easmon, que, como o pai do ator, Winston, emigrou de Serra Leoa para a Inglaterra, e trabalhava em uma fábrica americana de autopeças localizada nas imediações.
Mas essa história de imigração e integração não é contada exclusivamente do ponto de vista de Walter e de seu filho, Kobna (Sammy Kamara), 13, nascido na Inglaterra e baseado em Elba. Em lugar disso, a série é um retrato amplo e positivo de uma comunidade, uma história sobre britânicos de classe trabalhadora e raças diferentes, e famílias imigrantes do oeste da África, vivendo juntos em Londres pouco antes dos infames conflitos raciais de Brixton em 1981, no ápice da onda conservadora liderada pela então primeira-ministra Margaret Thatcher.
Outras peças desse elenco vivaz são Agnes (Madeline Appiah), a mulher ganense de Walter, que era dona de casa mas se torna organizadora comunitária e secretária em uma empresa; seu irmão, Valentine (Jimmy Akingbola), antigo jogador profissional de futebol que chega à Inglaterra mas não encontra emprego na fábrica e se torna DJ no bairro; Bagpipes (Bill Bailey), branco e o melhor amigo de Walter, ranzinza mas adorável; e Kirsty (Kellie Shirley), a empreendedora e enérgica mulher de Bagpipes. As três temporadas estão disponíveis no canal de streaming Starz, que exibe a série desde 2019.
Elba é conhecido principalmente por papéis mais sérios, tanto em séries de TV como "The Wire" e "Luther" quanto em filmes como "Beasts of No Nation", "Thor" e "Mandela: O Caminho para a Liberdade", ou por ter sido eleito como o homem mais sexy do mundo pela revista People, em 2018. Mas "In The Long Run" é uma comédia gentil que reflete melhor quem ele é como pessoa. É um retrato íntimo de sua infância, tornado possível por sua ilustre carreira.
A produção também é parte de uma série de trabalhos de sua companhia, Green Door Pictures, que destacam seu amor pela música negra. Como seu tio na vida real e o personagem Valentine, Elba é DJ, e tocou, sob o o nome artístico DJ Big Driis, na recepção de casamento do príncipe Harry e Meghan Markle, em 2018, e no festival Coachella, em 2019.
A estreia de Elba como diretor, o drama criminal "Yardie" (2019), acompanha seu personagem principal, um entregador de drogas jamaicano chamado D (Aml Ameen), em seu percurso por Londres para vingar a morte de seu irmão, um DJ que morreu tentando unir gangues rivais com sua música. Naquele mesmo ano, Elba estrelou em "Turn Up Charlie", série de humor que ele criou com Gary Reich, sobre um DJ britânico em maré de azar que termina tomando conta de Gabrielle (Frankie Hervey), 11, a filha branca de seu melhor amigo.
Nenhum desses projetos foi muito elogiado pela crítica, e a Netflix cancelou "Turn Up Charlie" depois de apenas uma temporada. ("Ele simplesmente não é engraçado", disse Mike Hale, crítico de TV do jornal The New York Times, sobre Elba, em sua resenha.)
"In The Long Run", no entanto, estreou com muitos elogios no Reino Unido em 2018. Elba é realmente engraçado na série, e costuma deixar os holofotes para seus dinâmicos companheiros de elenco, enquanto os episódios variam de foco entre tópicos sérios –preconceito racial, a expulsão de moradores pobres de seus bairros, ativismo no combate à Aids– e outras situações mais tolas, como cortes de cabelo bizarros, paqueras escolares e DJs que dão o cano em suas apresentações.
Elba no momento está na Austrália, filmando "Three Thousand Years of Longing", de George Miller, com Tilda Swinton. Elba conversou comigo por vídeo na semana passada sobre a cultura vibrante das comunidades africanas e caribenhas da Londres da década de 1980, e sobre os motivos para que ele, em geral uma pessoa reservada, tenha desejado contar a história de amor de seus pais na TV.
Abaixo, trechos editados da conversa.
Como surgiu "In The Long Run"?
Pensando em retrospecto, a série surgiu, como ideia, cerca de quatro anos atrás. Eu estava com vontade de fazer uma comédia e, porque sou considerado um ator dramático, não apareciam papéis desse tipo. Kevin Hart roubou todos eles! E por isso pensei que precisava fazer alguma coisa para me colocar nesse mercado. Meus filhos me acham engraçado; minha família me acha engraçado; por que não arriscar? E, porque meu pai era um dos contadores de casos mais engraçados que conheci, eu quis encontrar uma maneira de contar a história dele, e homenagear meus pais.
Éramos só nós três, minha mãe, meu pai e eu, e eles foram do oeste da África para o Reino Unido carregando muitas histórias, e experiências muito vívidas. Eu queria aproveitar a vida que levamos juntos e criar algo que interessasse as pessoas, e transformar as dificuldades da integração ao Reino Unido em histórias leves.
Muitos americanos viram seu lado cônico pela primeira vez quando você interpretou o chefe de Michael Scott em “The Office”. Por que você escolheu a comédia, neste caso, para contar uma história tão pessoal? Você realmente acredita que as pessoas não o acham engraçado?
Tive de escrever uma série, para poder fazer comédia. "The Office" foi maravilhoso, mas meu personagem essencialmente não era cômico. Ele era o cara durão. Em minha opinião, boa parte da escrita sobre a cultura negra tende a ser sobre dificuldades, crime, ou a ter cenários que atraem uma lente mais dramática. E quando as pessoas pensam na África, tendem a pensar em calamidades e sofrimento, ou em estereótipos, que não tenho interesse por continuar a alimentar. Não tratamos o racismo e as adversidades da época de nossa série de forma leviana. Mas às vezes a comédia permite cobrir mais terreno de modo mais leve.
"In The Long Run" acaba de concluir sua terceira temporada. Como sua série antecipou algumas das questões que "The Crown" e "Small Axe", que também se passam no Reino Unido dos anos 80, exploram? Qual era a perspectiva única que você tinha a expectativa de mostrar sobre aquele período?
Quando você pensa sobre a década de 1980, pensa sobre Margaret Thatcher, mas também sobre luzes neon e cortes de cabelo esquisitos. Foi um tempo de evolução e expansão cultural incríveis. E também de um estreitamento político real no Reino Unido que foi inegavelmente conduzido por Thatcher. A série é sobre a vida que carregou as pessoas da minha idade, ou as deixou de lado, ou as nutriu, em meio a tudo isso.
Mas nossa lente é muito específica das culturas africana, caribenha e asiática que eram majoritárias naqueles conjuntos habitacionais, casas projetadas para moradores de baixa renda. As casas eram incubadoras de vidas, e existe uma montanha de cultura, política, pensadores, livros, e pessoas nascidos naquela era e naquelas comunidades que hoje estão na meia-idade. Como um garoto nascido no começo da década de 1970, e que era adolescente na década de 1980, recordo o período com muito carinho. “In The Long Run” é uma carta de amor àquela época.
Com "I May Destroy You" e "Bridgerton" se saindo tão bem, parece haver uma nova empolgação por séries sobre a vida dos negros britânicos, aqui nos Estados Unidos. Você acredita que isso seja uma tendência ou uma transformação?
Nos últimos dez anos, no Reino Unido, houve verdadeiros avanços em termos de colocar uma lente na cultura negra de maneira dramática. Vimos muitos roteiristas e produtores jovens que surgiram e contaram suas histórias, e temos pessoas como Steve McQueen, que conta histórias importantes, e eu mesmo, que contei outra dessas histórias em “Yardie”. Acho que, em geral, as lentes de todos estão começando a se abrir. Estou empolgado por existir apetite pela cultura negra britânica de uma maneira que penetra o mundo. Quero ver o mesmo quanto a séries da França, Alemanha ou Bélgica, porque esses também são lugares para onde pessoas negras migraram, da África e do Caribe. Estamos em toda parte.
A música é parte importante da série, e em cada episódio um garoto adolescente canta uma canção de R&B no meio de uma cena. De onde veio essa ideia?
RVocê está falando sobre o menino cantor? Ele é uma textura de que me lembro distintamente, de quando eu era garoto, no Holly Street Estate –os grandes conjuntos habitacionais de Hackney, que de um lado tinham as torres de apartamentos em que vivíamos e do outro prédios mais baixos, que eram notórios pelo crime e pelos bandidos. Minha mãe odiava que eu descesse para lá, mas sempre que eu ia lá para ver amigos, havia alguém cantando. Nunca descobri quem era, mas a voz dele era linda, e ele sabia fazer rap. E cantava da janela, como uma sereia da paz. Enquanto ele cantava, não havia problemas no bairro. Na série, eu quis que isso fosse personificado por um personagem, parte do tecido de como recordo o que acontecia naquela época. Só uma bela memória.
Mas a série também tem uma sensibilidade moderna –você trata de papéis de gênero, homofobia e da dificuldade de seu personagem de se apresentar como emocionalmente vulnerável diante do filho. Até que ponto o debate atual sobre a masculinidade negra influencia sua narrativa?
Valentine contemplando sua homofobia foi definitivamente produto da narrativa moderna. É um tópico que interessa, agora, e mostra o quanto avançamos em algumas áreas. Mas também amo meu pai e tenho saudade dele, agora que se foi –para ser honesto, em "In The Long Run" há muitos cartões postais contendo coisas que eu gostaria de ter dito, ou cenas que imagino que poderiam ter acontecido.
Refletindo sobre o passado, meu pai e minha mãe sempre foram grandes amigos, mesmo quando estavam em conflito. Mostro sempre a ternura entre eles na minha série, porque creio que seja importante vermos pessoas negras apaixonadas e gentis, e não sexualizadas, e nada do estereótipo de que homens negros não são afetuosos. Quero mostrar algo que mostre uma perspectiva alternativa ao que a maioria das pessoas vê.
Tradução de Paulo Migliacci.