Celebridades

Orlando Drummond, o eterno Seu Peru e dublador de Scooby Doo, completa 100 anos: 'Verdadeira dádiva de Deus'

Biografia sobre a carreira do ator será lançada em novembro; leia trecho dela

Rio de Janeiro

"Chegar aos 100 anos é uma verdadeira dádiva de Deus. Vivo uma vida de alegrias ao lado da minha família e, desta maneira, vou comemorar meu aniversário. Junto com a família e com bons amigos”, afirma o ator e dublador Orlando Drummond, que completa 100 anos nesta sexta (18).
 
Ao lado de Chico Anysio, Drummond ganhou notoriedade com o personagem Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo, criado em 1952 para a versão do programa ainda no rádio. Para comemorar seu centenário, ele vai reviver o personagem na Escolinha, no próximo domingo (20), ao lado de seu intérprete atual, Marcos Caruso.

A presença de Drummond no set, durante a gravação, em julho, foi surpresa para o elenco. A pedido da diretora Cininha de Paula, os atores saíram da sala enquanto o humorista entrava no local. Quando retornaram ao cenário, lá estava ele, sentado na carteira que ocupou durante anos, com o figurino completo de Seu Peru

O último a entrar foi Marcos Caruso, o herdeiro do personagem, que não conseguiu segurar as lágrimas. "Todos estavam com lágrimas nos olhos porque percebiam a minha emoção. E eu recebendo a emoção de Orlando e dos colegas. Para ficar marcado na história profissional da minha vida", disse Caruso, à época.

Em cena, Drummond e Caruso interagiram e arrancaram gargalhadas da plateia com os trejeitos e bordões clássicos do personagem, como “Estou porr aqui” e “Te dou o maiorr apoio”. "Caruso me procurou e eu autorizei [que ele ficasse com o personagem]. Ele ligou para a minha casa. Foi muito bacana, muito leal, uma pessoa muito gentil”, destaca Drummond, brincando de fazer os trejeitos de Seu Peru.
 
Drummond reflete sobre os 100 anos de vida e diz que não tem do que se queixar. Ele afirma que come de tudo, lê o jornal diariamente, faz passeios pelo shopping e ainda mantém uma conta no Instagram, administrada pelos netos, com quase 60 mil seguidores.
 
Entre uma atividade e outra, o ator diz que tira aquela soneca. Deixou o remo e o futebol e agora seu esporte é a fisioterapia, que faz três vezes por semana. Diz que dirigiu até os 95, mas depois que deu uma raspadinha no carro resolveu se aposentar do volante. Neste ano, até curtiu o Carnaval em um bloco de rua que o homenageou.
 
Eterno apaixonado, ele afirma que tem que estar com tudo em cima para agradar o seu amor, Glória Drummond, 85, com quem é casado desde 1951. “Sou casado com uma mulher mais nova e exigente. Aprendi a ser exigente com ela. É o meu encanto. Somos eternamente apaixonados.”
 
O casal se conheceu em junho de 1948, nos bastidores de um programa de rádio de Pedro Anísio, cuja estreia Glória foi prestigiar. “Nos olhamos e ele pediu o meu telefone para o Pedro Anísio, que custou a entregar. Mas ele tanto insistiu que conseguiu”, conta ela.

Os dois têm dois filhos, Orlando e Lenita Helena, cinco netos, Marco Aurélio Asseff, Michel Assef Filho, e os dubladores Felipe Drummond, Alexandre Drummond, Eduardo Drummond, e dois bisnetos, Miguel e Mariah. 
 
"Temos um amor e uma amizade muito grande. Um pertence ao outro, depende um do outro para tudo, para viver, para respirar. É uma convivência que a gente cria uma amizade terrível. Ele é muito carinhoso, faz várias declarações de amor todos os dias”, completa Glória.
 
Filho de Alcinda Drummond Cardoso e de Arthur Candido Cardoso, Orlando Drummond tem, ao todo, nove irmãos. Casemiro e Maria Dárida por parte de pai e Oswaldo, Virgínia, Risoleta, Edith, Orlando, João e Paulo da união de Arthur e Alcinda. Orlando é o único vivo, apesar de todos terem vivido bastante, segundo Glória.
 
“Eu nasci no bairro de Todos os Santos. Bons tempos. Moramos um tempo juntos, depois cada um foi casando e encontrando a sua vida. E dali a gente foi saindo. Eu vim para Vila Isabel quando criança e hoje com a idade que estou ainda moro aqui. Só que casado e com um casal de filhos maravilhosos”, relembra o ator.
 
“Minha sogra contava que todos os seus filhos eram bem levados. Eles moraram ali em São Cristóvão também e fugiam para a Quinta da Boa Vista, onde escondiam dos pais nas árvores. Na época de Cosme e Damião, Orlando subia nas árvores, esperava o pessoal colocar doce ali embaixo e descia para comer”, diz Glória. 

FASE DUBLADOR

Em julho, durante a conversa com F5, o ator segurava um pedaço de jornal com anotações: 68 anos de casamento, 60 de dublagem, 70 no rádio e na televisão. Os nomes de seus personagens mais conhecidos, no entanto, não estavam na cola. Ele sabe tudo de cor: Scooby Doo, Alf (“Alf: O ETeimoso”), Popeye, e Vingador (“Caverna do Dragão”), como o dublador, e Seu Peru (“Escolinha do Professor Raimundo”), como ator.
 
Entre os personagens de desenho animado dublados por ele, Scooby-Doo é seu preferido e o mais longevo. A família do ator junta documentos para que Drummond entre para o Livro Guinness de Recordes por ter dublado o cachorro de Salsicha por 42 anos ininterruptos. “Criei a voz de Scooby conforme a imagem que eu via. Ensaiei três vozes e o diretor escolheu uma. Eu tinha outra força na garganta, que hoje não tenho mais. Cem anos não é mole.”
 
Glória relembra que estava na praia com o marido e com a filha, Lenita Helena, hoje com 66 anos, em uma tarde dos anos 1950 quando ele disse que tinha sido convidado para fazer testes “com uns filmes que vêm de fora e a gente coloca a nossa voz”. Entusiasmado, fez o primeiro. Adorou e engrenou na profissão.
 
“Comecei na verdade como contrarregra [em 1942]. Fui o melhor de radioteatro. Passei a fazer umas pontinhas aqui e ali, acabei me habituando e cheguei a papéis melhores. Então, segui minha carreira como radioator e dublador. Eu fui dublador por acaso, me adaptei logo, entendi a coisa e fiz grandes dublagens. Foi um sucesso, graças a Deus. E aí deu para crescer para a televisão [...] Quantas vozes eu fiz, quantas coisas que eu fiz e não tomei nota, que passaram no tempo.”
 
Em maio deste ano, Drummond dublou o vilão Vingador em um comercial da Renault, que reviveu o desenho Caverna do Dragão. “Já me esqueci do comercial, mas graças a Deus o público não esquece não. E de tanto falarem, eu acabo me lembrando. Eu não tenho do que me queixar.”
 
Para eternizar a trajetória de Orlando Drummond, o jornalista Vitor Gagliardo, chefe de reportagem da TV Brasil, prepara o lançamento da biografia “Orlando Drummond - Versão Brasileira” (Ed. Gryphus), que deve ocorrer na primeira quinzena de novembro. O livro, segundo o jornalista, tem quase 340 páginas de texto e 16 de fotos. 
 
“Meu método de trabalho foi entrevistas com Orlando, familiares e dubladores. O próprio Orlando tem uma vasta documentação guardada. Além disso, fiz toda uma pesquisa buscando informações divulgadas pela imprensa.”


LEIA TRECHO DE UM DOS CAPÍTULOS DO LIVRO

MALDITOS GATOS! (O INÍCIO DO SCOOBY)

Esse caso aconteceu no ano de 1951. Orlando e Glória estavam recém-casados. Na verdade, eles tinham voltado de lua de mel. Ele tinha um ritmo de trabalho muito intenso na Rádio Tupi. Além de estar crescendo dentro da empresa, agora tinha família para sustentar.

Por causa desse ritmo, Drummond chegava exausto em casa. Eles moravam em uma casinha bem pequena, residência simples, mas muito bem organizada por Glória. Era uma casa duplex transformada em um prédio de dois andares. Quem arrumou foi uma das irmãs de Orlando que morava no local. A dona do estabelecimento tinha um filho que trabalhava no Ministério da Guerra e preparou um dos andares para ele. O tal filho estava lotado no Nordeste e a transferência não saiu. Por isso, ela resolveu alugar para o casal.

O que eles não sabiam é que, nos fundos da casa, tinha uma leiteria que vivia sitiada por muitos gatos. Certo dia, Orlando e Glória foram acordados por miados e mais miados. E isso por volta de 4h30, 5h da manhã.

Cansado e sem paciência, Orlando resolveu dar um fim aos gatos.

− Chega! Não aguento mais!

− Calma, “meu filho” – disse Glória.  

Ele levantou com raiva e foi diretamente para a cozinha, que dava os fundos para a tal leiteria. Orlando pegou um banco, subiu no fogão e olhou pela janela. Viu os gatos e os miados ficaram ainda mais altos.

− Miseráveis!

Drummond pegou um balde e encheu de água. Glória estava assustada olhando da porta.

− Calma, Orlando!

Em pé, em cima do fogão, estava com um balde de água nas mãos. Mas, de repente, tomou um grande susto. Os felinos não miavam à toa. Eles estavam assustados. Orlando viu um cara pulando da leiteria em direção a sua casa.

− Era um bandido. Tinha uns dois metros de altura e tava vindo na direção da minha casa. Não tinha como jogar o balde nele. E se ele estivesse armado?

A sua única reação foi fazer o latido de um cão que ele julgava ser bravo. Ele latiu, latiu e latiu. Os gatos pararam de miar rapidamente. Só que, nessa hora do susto e do latido, Drummond se desequilibrou e acabou caindo para trás com o balde cheio de água, molhando a ele e toda a casa.

Mas, pelo menos, ele evitou um assalto.

− O bandido se assustou com meus latidos e foi embora!

Esse latido marcou a vida de Orlando. Não! Ele não se acha um herói por ter impedido um bandido de roubar sua casa. Também não ficou feliz por ter de limpar toda a cozinha, que estava encharcada.

Na verdade, foi esse mesmo latido que ele fez no dia em que descobriu que estava havendo testes para um desenho animado que tinha um cão como protagonista. E estamos falando de um hiato de pelo menos duas décadas. Mas parece que, nesses 20 anos, Orlando guardou esse latido para uma oportunidade. E ela surgiu na pele do cão Scooby, principal personagem na carreira do dublador, e que você vai conhecer melhor neste livro.

Para Glória, aquela noite deixou uma certeza que a acompanhou por todos os anos seguintes.

− Meus Deus! Casei com um louco! – lembra, aos risos.