Daniel Filho critica governo Bolsonaro e falta de apoio ao cinema: 'Brasil não é de idiotas'
Diretor fala também sobre 'revolução audiovisual' e novos projetos
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O diretor, ator e produtor Daniel Filho, 81, não tem dado entrevistas nos últimos anos, mas resolveu abrir uma exceção à Folha por causa do "momento atual brasileiro". O tema da reportagem era os 40 anos de "Malu Mulher", mas em pouco mais de uma hora de conversa, ele fez questão de abordar outros assuntos como o cinema brasileiro, a paralisação da Ancine e os novos rumos da televisão brasileira.
Opositor ao presidente Jair Bolsonaro, Filho não poupou críticas às políticas do atual governo. "Todos nós [artistas e produtores culturais] estamos parados, sofrendo diante dessa imbecilidade reinante."
Responsável por sucessos da televisão e do cinema, como as séries "Confissões de Adolescente" (1994-1995) e "A Grande Família", e o filme "Se Eu Fosse Você" (2006), o diretor destacou a importância da classe artística não perder a esperança e continuar batalhando para "acender uma vela quando há uma escuridão". "Essa é uma obrigação nossa." Ele também destacou a importância da imprensa no atual cenário político.
"O Brasil não é de idiotas. Se fosse de idiotas não tínhamos feito tudo que fizemos. O cinema brasileiro não é idiota, a televisão brasileira não é idiota", afirma ele, em clara referência ao discurso de Bolsonaro que chamou de "idiotas úteis" os estudantes que se manifestaram em todo o país contra os cortes da educação.
Filho afirma que está com dois filmes prontos para lançar: uma nova versão do longa "Boca de Ouro" (1963), baseado na peça de Nelson Rodrigues (1912-1980) sobre um poderoso chefe do jogo do bicho; e o policial "Silêncio da Chuva". Mas a situação da Ancine (Agência Nacional do Cinema), que anunciou em abril a suspensão de novos recursos para bancar projetos, o preocupa. "Tenho esses filmes, mas estou esperando que porra vai acontecer com a Ancine parada desse jeito", reclamou.
Para ele, a paralisação da agência de fomento provoca impacto em toda a indústria cinematográfica e nos trabalhadores envolvidos no setor. "Ah pegou R$ 4 milhões para fazer um filme. Não, eu não peguei R$ 4 milhões e comprei um apartamento. Esse dinheiro rodou, está rodando, tem gente trabalhando, pagando imposto, isso está sendo tributado [...] Se levantar o número de imposto que a gente paga, a gente devolve mais dinheiro do que supostamente nos é dado."
O diretor também diz ser um absurdo o que ocorreu no lançamento de "Vingadores:Ultimato", que ocupou 80% das salas de cinema do país, prejudicando produções nacionais, como "De Pernas Pro Ar 3", estrelado por Ingrid Guimarães. Ele afirma que estava em Paris na época da estreia do filme de heróis e notou como lá e em outros países da Europa, a saga da Marvel não ocupou todos os horários dos cinemas. "Eles continuaram passando bastante filme francês."
Daniel Filho fez uma comparação com "Malu Mulher". A série, criada há 40 anos por ele, fez parte de um projeto, que incluía também "Carga Pesada" e "Plantão de Polícia", para ocupar a faixa das 22h da Globo com produtos nacionais. Até então, seriados americanas como "Kojac e "Hawaii Five-O" dominavam o horário. "Aconteceu exatamente o contrário agora, com esse massacre do filme dos 'Vingadores' em um longa brasileiro, que estava indo muito bem, ['De Pernas Pro Ar'], e que foi retirado sem nada nem porquê."
NOVOS PROJETOS
Fora da Globo desde 2015, Daniel Filho segue atuante na dramaturgia e só lamenta não ser mais novo para entrar nesta "nova briga" pela preferência do público que, diferentemente do passado quando era disputada por Globo, Record, Tupi, agora, na visão dele, tem como protagonistas plataformas de streaming, como Netflix, Amazon e HBO.
Para o diretor, a televisão como era feita "há alguns anos" não existe mais. Hoje, afirma ele, o telespectador é "dono do seu tempo", escolhe a hora, o meio e o que vai ver da programação disponível. "O produto, então, tem que ser muito bom para ser assistido pelas pessoas. E elas vão procurar o horário e a maneira de ver isso", diz.
Apesar dessa "grande revolução audiovisual", ele diz não acreditar que a televisão vai morrer nem o cinema. "Esse tipo de conteúdo, seja de humor, seja policial, seja de época, seja o que for, vai continuar existindo e nós temos que continuar fornecendo isso, mas atentos ao que está acontecendo no mundo."
Mesmo dizendo que não está dentro da briga pela audiência, Filho confirma que tem uma proposta para fazer um projeto em dramaturgia, que deve ser lançado entre o final deste ano e início de 2020. "É uma coisa bem generosa, carinhosa, que me dá uma amplidão de trabalho boa." O diretor, porém, não deu mais detalhes sobre a novidade, alegando que essas empresas têm cláusulas restritas de confidencialidade.
Na visão do diretor, o artista tem que estar com a "antena" ligada para captar o momento e falar sobre assuntos na dramaturgia que vão mexer com a vida das pessoas. Foi o que ele fez em "Malu Mulher", um programa considerado de vanguarda, porque conseguiu entender aquela nova geração de mulheres, que não queria mais viver à sombra dos homens.
O seu novo projeto, afirma ele, tem um pouco desse espírito, embora pondere que não tem nada a ver com a série protagonizada por Regina Duarte. Filho também diz que recebeu propostas para fazer uma nova versão de "Confissões de Adolescente", mas não confirma a sua execução. "É uma coisa que eu já fiz, estou querendo fazer coisas novas", despista.
Conhecido por abordar em vários projetos a temática feminina, Daniel FIlho também foi diretor das séries "Mulher" (1998-1999) e "A Justiçeira" (1997). Ele ressalta que fica feliz ao ver o espaço que as mulheres têm ocupado em vários setores da sciedade. "Eu tenho a teoria que se o mundo fosse dirigido por mulheres, talvez, a gente tivesse menos guerra, menos porrada. Acho que depois de anos, séculos e eras, está na hora de a gente [homem] relaxar um pouco e entregar esse comando à mulher."