Alexandre Rodrigues, o Buscapé de 'Cidade de Deus', ganha a vida como motorista de aplicativo
'Comecei a passar aperto', diz Rodrigues, que trocou o RJ por SP
De um lado, um currículo com mais de 15 novelas e filmes, entre eles "Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles, que foi um divisor de águas para o cinema nacional. Do outro, o certificado de motorista profissional da Uber.
É nessa dualidade que vive o ator Alexandre Rodrigues, 35, cuja última aparição na TV foi na novela “O Outro Lado do Paraíso” (Globo, 2017-2018), como o garimpeiro Valdo. Em conversa com o F5, o ator afirmou que, tendo em vista que sua profissão principal tem muitos altos e baixos, o desemprego é certo quando acaba um contrato. Cansado de viver na corda bamba, ele resolveu apostar em um plano B.
“Eu até brinco com as pessoas que me reconhecem no carro. Digo que Tony Ramos tem fazenda e restaurante, e outros artistas têm lá os negócios deles. Só que com a novela que eu fazia dava no máximo para comprar um carro. Então eu comprei, para não passar mais dificuldade."
Rodrigues afirma que pouquíssimos dos seus amigos conseguem viver apenas de arte. Em uma conta rápida, ele cita alguns: Leandro Firmino, Roberta Rodrigues, Thiago Rodrigues, Luis Otávio. O caminho das pedras, no entanto, foi revelado a Rodrigues logo no início de sua carreira, pelo ator veterano Cosme dos Santos: ele sugeriu que o amigo investisse na compra de um apartamento, com o objetivo de alugá-lo depois.
Na época, morando com a mãe em uma situação confortável, Rodrigues não deu ouvidos ao conselho. Juntou o dinheiro que ganhou com algumas novelas e com o filme "Cidade de Deus", pegou uma quantia emprestada com um amigo e comprou uma casa para a mãe no Vidigal, bairro da zona sul do Rio.
Por causa das trocas de facções na comunidade, a família resolveu se mudar para outra parte do Vidigal.
"Minha mãe está muito bem, tem umas casas alugadas. E eu não achava que um dia eu iria casar, precisar pagar aluguel… Até então eu ainda não precisava de um plano B, apesar de ter sido avisado. Eu estava confortável, era jovem, e o fato é esse”, afirma Rodrigues, casado com a atriz Cacá Santini há quatro anos.
"Comecei a passar aperto, casei, comecei a morar de aluguel. Fiz uma produção aqui, um curso ali. Eu e minha esposa produzimos figurinos de comerciais de TV, videoclipes, para poder ir segurando. Nessa última novela ["O Outro Lado do Paraíso”], pensei: tenho que investir em alguma coisa. E vi que a Uber estava super em alta. E foi isso que fiz.”
Formado por dois cursos técnicos e alguns cursos livres, Alexandre Rodrigues diz que fica chateado quando se depara com situações em que "pessoas que surgem do nada e que conseguem se manter [na profissão]".
"Isso me chateia um pouco. Hoje em dia, as redes sociais têm feito muito mais a carreira das pessoas do que um diploma, um curso ou até mesmo um filme que foi um divisor de águas no cinema nacional. Gostaria muito de não estar precisando complementar minha renda com Uber. Não sou hipócrita."
Essas pessoas que surgem do nada e conseguem se manter, diz, o ator, a culpa não é nem delas. "É de quem está querendo aquele tipo específico de pessoa. Nesses 16 anos de carreira, vejo que é questão de perfil. Um perfil europeu [...] Fernando Meirelles já tinha me avisado: Alê, você não tem o perfil do cinema internacional."
VIDA E FAMÍLIA
Rodrigues e Santini estão casados há quatro anos, mas o relacionamento já dura uma década. Eles se conheceram durante a gravação de um curta-metragem e, desde então, não se desgrudaram mais. "Ela é uma esposa maravilhosa, uma mulher valorosa, que tenho muito orgulho de ter ao meu lado", diz o ator.
Pai de João Pedro, 11, fruto de um namoro anterior, Rodrigues conta que ele e Santini adoram crianças e que pensam em ter filhos. O problema é a situação financeira. "Com o tanto de conta que a gente tem para pagar, a gente pensa duas vezes antes de ter uma criança [risos]."
Morando em São Paulo há quase dois anos, ele diz que a vida na capital paulista é mais barata do que no Rio, sua cidade natal, mas ainda assim, não está fácil. "Eu, carioca, já estava de saco cheio de praia, de sal, sabe? Estava de boa aqui. Mas um dia desses peguei uma corrida para Santos [litoral paulista]. Na hora que vi aquele pôr do sol, depois de um ano e pouco sem ver o mar, deu um frenesi, aquela vontade de voltar. Mas aqui está melhor para viver."
Rodrigues deve voltar a sua cidade natal em breve para gravar um docudrama sobre a comunidade black de dança do Rio de Janeiro. "Falamos das décadas de 1960 e 1970, da época do soul e tudo mais. Eu vou ser o cara. Estou muito animado."