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Descrição de chapéu maternidade

Após viralizarem, mulheres defendem ter bebês reborn como hobby: 'Não somos doidas'

Artesãs são 'cegonhas' e loja vira 'maternidade' no mundo das colecionadoras desses bonecos

Júlia Brandão, artesã e colecionadora de bonecos reborn em Mato Grosso do Sul - @ateliejuliabrandao no Instagram
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São Paulo

Roupas minúscula, chupetas espalhadas pela cama e um carrinho de bebê com aparência de que acabou de ser usado. Fraldas, babadores e até uma pequena banheira no lavatório completam o cenário.

Essa poderia ser a descrição de qualquer casa com um recém-nascido —mas, na verdade, é o dia a dia de Elaine Alves, 37, uma apaixonada por bebês reborn, como são chamados os bonecos artesanais e hiper-realistas que viraram assunto na internet recentemente.

Elaine compartilha a rotina com os "filhos" nas redes sociais, onde tem mais de 100 mil seguidores. "No começo, não foi nada fácil", relembra em entrevista ao F5. "Quando comprei minha primeira boneca, ainda estava namorando meu atual marido e morava com a minha mãe. Os dois estranharam muito."

A colecionadora conta que conheceu a arte reborn pela televisão, quando viu um exemplar sendo entregue à cantora Wanessa Camargo no programa que Gugu (1959-2019) apresentava na Record. Hoje, ela conta com mais de 15 bebês.

Nas publicações —algumas ultrapassam 800 mil visualizações—, chamam a atenção as centenas de comentários críticos. Muitos questionam o hobby, citando possíveis problemas psicológicos ou até mesmo falta de ocupação.

Elaine, porém, garante que isso não a desanima. "Tento sempre não me importar com o ódio. Somos só um grupo que gosta de uma arte que imita a realidade", avalia.

A criadora de conteúdo conta que jamais imaginou transformar a atividade em profissão, mas diz que, hoje, alcança uma renda superior a um salário mínimo com vídeos e parcerias nas redes sociais. "As reuniões que fazemos nos parques servem para isso: criar contatos, fazer amizades e até fechar negócios", explica.

Ela se refere a eventos como o Encontro Reborn, que acontece em espaços públicos, como os parques Ibirapuera e Villa-Lobos, em São Paulo. Foi uma dessas reuniões que viralizou nas redes sociais nas últimas semanas. No vídeo, era possível ver várias mulheres conversando e exibindo bonecos realistas umas para as outras.

"Tudo começou com a ideia de criar um ambiente seguro, onde todos se sentissem acolhidos e tivessem a chance de conhecer essa arte", relata a paulista Andréia Janaína, 51, que organiza os eventos há mais de dez anos.

Segundo ela, os encontros costumam chamar atenção por onde passam. Pessoas de várias partes do país se reúnem, trazendo bonecos dos mais diversos estilos, o que sempre desperta curiosidade de quem está por perto. "Normalmente, alcançamos mais de 100 participantes tranquilamente. Com roupinhas e bebês espalhados por todos os lados, é um verdadeiro paraíso para quem gosta", relata.

Ela conta que as participantes tomaram conhecimento de que o vídeo gerou debates, mas não se incomodaram. "A comunidade inteira não entendeu o alcance que o assunto tomou nas redes. Sempre existimos, estávamos aqui o tempo todo", diz.

A organizadora ainda afirma que esse tipo de evento é terapêutico e ajuda mulheres a lembrarem que precisam se divertir também. "Muitas acabam entrando no mundo reborn e descobrem que são talentosas artesãs, que existe criatividade ali dentro delas."

CEGONHAS: AS ARTISTAS POR TRÁS DOS BEBÊS

Dentro da arte reborn, além das colecionadoras, outro grupo se destaca: as chamadas "cegonhas". São artistas e pintoras responsáveis por confeccionar cada detalhe dos bonecos, criando pernas, braços e corpinhos com aparência o mais próxima possível da realidade.

"Grande parte das encomendas que recebo é para criar um bebê parecido com uma foto de uma criança real, não acho que isso transforme a gente em doidas", conta Júlia Brandão, 29, que comanda um ateliê de bonecos reborn em Mato Grosso do Sul. Ela diz que a maior parte de suas clientes é de São Paulo.

Júlia explica que o processo de criação é longo, detalhado e feito a mão. "Primeiro, a gente dissolve a tinta em um solvente para deixá-la translúcida. Criamos profundidade e damos o efeito de veias sob a pele. Cada camada precisa secar antes de ser levada ao forno", relata.

Após a pintura, o boneco passa pela selagem com verniz, que, além de proteger, proporciona um acabamento de pele com textura de poros. "Depois vem o enraizamento dos cílios e do cabelo, feito fio a fio para um realismo maior", destaca.

Na fase final, o bebê é montado: "Usamos enchimento de fibra de poliéster combinado com areia de aquário para dar o peso correto". Bonecos feitos por ela podem chegar a valer mais de R$ 4 mil.

Para tornar a experiência ainda mais imersiva, existem até maternidades especializadas na arte reborn, com direito a parto simulado e emissão de certidão de nascimento. Na Alana Babys, loja comandada pela artesã Alana Nascimento, funcionárias vestidas com jalecos médicos e pijamas cirúrgicos encenam o "parto empelicado" — quando o bebê nasce envolto em uma cápsula transparente preenchida com água, simulando a placenta, e conectado por uma corda que representa o cordão umbilical.

Alana, que atua como "cegonha" há mais de 20 anos, defende a prática. "O parto simulado faz parte de um ritual lúdico criado para encantar e emocionar os clientes, todos gostam", afirma. No local os bonecos podem chegar a custar R$ 9 mil, fora os acessórios e outras imersões pagas à parte.

VIRALIZOU NAS REDES

Após ser reproduzida por outros perfis, a cena de um dos partos da Alana Babys também viralizou, acumulando milhões de visualizações e gerando uma onda de críticas nas redes sociais.

Nos comentários de uma publicação da loja, alguns usuários não esconderam o incômodo. "Isso é tão problemático, certeza que as pessoas que consomem esse tipo de conteúdo são tão doidas quanto", escreveu Matheus Caleb. Já Maria Felizi questionou: "Bizarro demais, qual a necessidade de mulheres adultas fingirem ter um filho?".

Apesar dos debates acalorados nas últimas semanas, o interesse pelos bonecos reborn não está em seu auge no momento. Foi durante a pandemia, entre maio e outubro de 2020, quando o isolamento social ampliou a busca por vínculos afetivos alternativos, que se deu o pico de pesquisas pelos bonecos realistas na internet.

Dados do Google Trends também mostram que a curiosidade costuma aumentar com a proximidade de datas festivas, como outubro e dezembro, por conta do Dia das Crianças e do Natal.

Para a psicóloga Isabela Zeptsk, especialista em maternidade, o vínculo emocional com os bebês reborn vai muito além da aparência realista dos bonecos. "Na psicologia perinatal, compreendemos que ser mãe não é apenas um evento biológico, mas também uma experiência simbólica e psíquica", afirma.

Dessa forma, o apego pode refletir uma necessidade emocional profunda de expressar o cuidado materno ou de maternar a si mesma —ou seja, de cuidar da própria saúde emocional por meio de um vínculo simbólico.

Zeptsk destaca ainda que, além da função simbólica de cuidado, existem outras motivações que podem levar ao envolvimento com os bonecos: o desejo de nutrir, a elaboração de perdas —como infertilidade ou luto gestacional—, o resgate da criança interior e a busca por afeto, pertencimento e propósito.

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