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O coveiro que virou celebridade nas redes sociais

Gleibson Roberto compartilha a rotina de coveiro em cemitério em Sergipe
Gleibson Roberto compartilha a rotina de coveiro em cemitério em Sergipe - Arquivo Pessoal/BBC News Brasil
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Josué Seixas
Maceió
BBC News Brasil

Eram 2h da manhã e Gleibson Roberto, 36, começou a preparar um sepultamento. Ele se importava pouco em cumprir somente as 30 horas semanais do seu contrato de coveiro.

Na cidade de Santo Amaro, no interior de Sergipe, ele se tornou celebridade com o nome @coveiroemacao no YouTube, TikTok e Kwai. Gleibson colocou seu número de telefone numa placa na entrada do cemitério, o que chama carinhosamente de "Disk Coveiro".

Essa história começa há dez anos, quando Gleibson prestou o concurso, ficou em terceiro lugar e foi chamado após um dos coveiros não ter "aguentado o tranco" da profissão.

Ele tinha medo de ver cadáveres e de tudo que aquele mundo poderia apresentar, mas precisava do trabalho. Hoje já está mais tranquilo e sabe que sua função é essencial na cidade de pouco mais de 12 mil habitantes, segundo o IBGE.

A experiência lhe mostrou que os problemas em cemitérios não eram os mortos. O problema estava nos vivos, nas pessoas que violavam os túmulos, algo que diminuiu bastante depois que Gleibson resolveu colocar uma luz à noite, já que o cemitério não conta com seguranças.

No começo da carreira, quando "sequer conseguia dormir se visse um caixão", Gleibson até encontrou um companheiro de trabalho morto, na capela do cemitério, após um AVC.

Hoje, ele está mais acostumado com a rotina que tem, já que o maior aprendizado foi de que não se deixasse levar tanto pelo que via ou sentia. Deveria ajudar, mas não deixar que sua mente se perdesse no dia-a-dia.

Essa experiência e a sugestão de uma prima lhe propulsionaram a ideia de entrar nas redes sociais. Ele próprio um estudioso da função que decidiu desempenhar, descobriu que tinha traquejo para apresentar conteúdos e desmistificar a profissão. A curiosidade das pessoas ajuda e Gleibson responde perguntas com embasamento, além de mostrar os processos do cotidiano.

"Para você ter ideia, eu exumei o meu próprio pai para ter mais espaço e resolvi postar o vídeo nas redes sociais. Foi uma boa oportunidade de mostrar às pessoas como o corpo fica após um tempo, além de explicar todo o processo. Já fiz isso mais de uma vez, sempre com a responsabilidade de não expor a pessoa. Consultei um advogado para ver o que poderia ou não fazer, e agora consigo produzir esse conteúdo com ética, desmistificando uma profissão que sofre com más impressões", disse Gleibson à BBC News Brasil, por telefone.

O processo de exumação é um dos que despertam mais curiosidade nas pessoas e um daqueles com que Gleibson precisa ter mais cuidado, já que, dentro das gavetas, podem ser encontrados bichos perigosos, como escorpiões, baratas e cobras.

Desde o começo, ele se paramenta de todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e também desenvolveu técnicas para ter ainda menos contato com o corpo e suas substâncias.

"Os vídeos de exumação geralmente despertam mais curiosidade nas pessoas. Um deles bateu mais de 1,5 milhão de visualizações. A gente exuma porque precisa de espaço nas gavetas, para que possamos enterrar mais pessoas. Esse cemitério é o único da área urbana da cidade, então muita gente procura. Tento sempre deixar três ou mais gavetas disponíveis para não passar aperreio. Na época que a pandemia estava forte, infelizmente tivemos que trabalhar todos os dias ininterruptamente", conta.

'Os vídeos de exumação geralmente despertam mais curiosidade nas pessoas. Um deles bateu mais de 1,5 milhão de visualizações', diz o coveiro
'Os vídeos de exumação geralmente despertam mais curiosidade nas pessoas. Um deles bateu mais de 1,5 milhão de visualizações', diz o coveiro - Arquivo Pessoal/BBC News Brasil

'EQUIPE' REDUZIDA

Gleibson tem somente um companheiro de profissão para atender toda a demanda. O colega prefere não se identificar, mas é o responsável pela gravação dos vídeos.

É Gleibson quem edita e aquela prima que lhe deu a ideia é responsável pelo "atendimento" aos fãs e curiosos do Coveiro em Ação. Durante os momentos mais difíceis da Covid-19, Gleibson e o colega trabalharam muitas horas e ainda têm dúvidas de alguns procedimentos.

"É uma cidade pequena, mas morreu muita gente. Tínhamos vários sepultamentos por dia e era aquela dificuldade para saber como agir, quem poderia estar, quais cuidados precisávamos. Por conta da demora da vacina no Brasil, um dos nossos colegas até pediu para ser afastado do trabalho, por receio, então a carga ficou maior para nós dois. É o tipo de coisa que eu nunca pensei fazer", relata ele.

"Tinha sepultamento de manhã, de tarde, de noite, e muitas vezes sequer tínhamos gavetas para atender à demanda. Daí tem que exumar, entregar os restos para a família responsável, limpar e já ir colocando o novo corpo. Não parava."

Gleibson tem o controle de tudo o que acontece no cemitério porque anota os detalhes num caderno. Não há computador, então todo o processo é feito à base de caneta e papel. Ele sabe onde estão todos os corpos, tem o contato do familiar responsável e é quem trata de tudo.

No cemitério, inclusive, ele resolve a maioria dos problemas técnicos e sofre com a falta de abastecimento de alguns materiais. São os familiares que chegam junto com doações porque gostam de ver o lugar preservado.

"As pessoas vão bater na porta da minha casa, que fica a 300 metros do cemitério, para pedir que faça sepultamentos. E eu vou e faço, claro. Meu horário é de 7h às 13h, mas fico até 17h, 18h, e se a família precisar que eu fique à noite, eu fico também. Depois de um tempo, eu aprendi que a função do coveiro é facilitar esse processo para a família. É muito difícil perder um ente querido e se sentir sem suporte, entende? Então nós somos esse elo, essa pessoa que se preocupa com o bem-estar deles. Dentro do possível, faço tudo o que me pedem."

Dentro da cidade, Gleibson não divulga que faz sucesso nas redes sociais. Ele admite que utiliza roupas próprias para que não possam identificar o seu local de trabalho na internet.

É mais um cuidado que ele tem em relação à exposição que existe quando faz os vídeos. Ultimamente, diz ele, é possível criar uma espécie de roteiro para a produção dos conteúdos, embora tudo dependa de como vai ser o dia no cemitério.

"Quando tem muita coisa para fazer, fica difícil de produzir um conteúdo legal. O que eu tento fazer é planejar os meus dias antecipadamente e ir gravando os conteúdos. Minha prima fica de olho nas publicações e nos comentários, daí quando tem uma dúvida legal, já fico pensando em como saná-la. Descobri que as pessoas querem esse tipo de conteúdo, mas ele precisa ser feito pensando em cada plataforma. Posto algumas coisas no YouTube, outras no TikTok e em quantidade maior no Kwai, que aceita mais vídeos", revela.

A popularidade como coveiro e como uma pessoa responsável por tentar ajudar as famílias já até alçou Gleibson a uma candidatura política em 2020, como vereador. Ele diz que não foi eleito por sete votos, mas que hoje não se vê participando do pleito novamente.

"É o tipo de coisa que a gente só concorre uma vez na vida. Se tivesse ganho, provavelmente conseguiria fazer um trabalho pensando sempre no bem-estar das pessoas, mas ainda bem que não deu certo. Eu gosto é de ser coveiro. Meu sonho, na verdade, seria de trabalhar no Instituto Médico Legal (IML), mas ainda não consegui passar no concurso. Venho estudando para ser um profissional melhor e para, quem sabe, conseguir essa mudança de profissão."

Enquanto não consegue, Gleibson sacrifica seus dias de folga e férias para continuar trabalhando. Ele divide a rotina de coveiro durante o dia com um segundo trabalho, desta vez como segurança, dia sim, dia não, no horário noturno. Quando está em casa, ele ainda se mantém de olho no cemitério, sempre disponível para qualquer pedido que possa surgir.

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