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Dia de São Valentim: 'Conheci o amor da minha vida nos comentários de reportagem da BBC no Facebook'

Raylane e Edes se conheceram na caixa de comentários do Facebook da BBC
Raylane e Edes se conheceram na caixa de comentários do Facebook da BBC - BBC News/Arquivo Pessoal
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Descrição de chapéu BBC News Brasil
Vitor Tavares

Os comentários em um post da BBC News Brasil no Facebook, em 2015, foram o início improvável de uma história de amor.

A reportagem postada era sobre um violento ataque de extremistas na capital do Mali. Comentando o assunto, estavam dois leitores que, dois anos depois, comemorariam no Valentine's Day (o Dia dos Namorados celebrado em várias partes do mundo nesta sexta-feira, 14) um relacionamento nascido naquele espaço.

Edes Nogueira, na França, Raylane Vanzella, em Mato Grosso. Ele, com 21 anos e então combatente da Legião Estrangeira, uma unidade militar que tem o objetivo de defender interesses da França em suas ex-colônias, havia acabado de voltar de uma missão na África. Ela, com 23 anos e focada no vestibular para medicina, pesquisava sobre assuntos de geopolítica para ir bem nas provas.

O primeiro contato dos dois, a quase 9 mil quilômetros de distância, aconteceu em meio aos debates acalorados que aconteciam no espaço de opiniões dos leitores. Ali, Edes e Raylane acharam um tom para se aproximar.

"Era um momento de estresse ali, mas, se eu não tivesse feito o comentário, nunca teria tido a chance de encontrá-la, porque nunca havia passado na minha cabeça ir ao Mato Grosso. O amor da sua vida pode estar nos comentários do Facebook", relembra Edes.

Hoje, quase cinco anos depois, ele abandonou a carreira militar, voltou ao Brasil para estudar agronomia e mora em Cuiabá, com Raylane, agora estudante de medicina. Juntos, têm uma filha, Cecília, de 1 ano e 10 meses, e, sempre que lembram, voltam ao post original para reviver o momento do encontro.

'Cabeça quente'

A reportagem da BBC News Brasil era sobre um ataque terrorista no Mali, país da África Ocidental que é ex-colônia francesa. Homens armados invadiram um hotel na capital, Bamako, fizeram 170 reféns e deixaram 18 mortos.

A autoria do ataque foi reivindicada pela Al-Qaeda do Magreb Islâmico e um de seus grupos aliados na região, o Al-Murabitoun.

Era do Mali que Nogueira havia acabado de voltar após passar quatro meses em missão. Quando deparou com comentários críticos à presença francesa no país, perdeu a cabeça.

Chamou outros comentaristas de "ignorantes", defendeu a França e disse que "só Deus sabe o que se passa lá, experimentem quatro meses de deserto, comendo ração, tomando água quente".

"Estava de cabeça quente. Hoje, eu mais discordo do que concordo com a Legião (Estrangeira) e o que acontece por lá. Na época, eu defendia que a gente estava presente, ajudava, éramos heróis. Mas, quando amadureci, vi que, na verdade, a maioria das coisas que aconteceu lá foi culpa da França também. Mesmo que tente consertar hoje em dia, agora é tarde", opina Edes.

A mudança de opinião tem o dedo de Raylane. Nos comentários, ela tentou acalmar Nogueira e o apoiou: "Você sabe que está fazendo seu trabalho e está ajudando quem precisa", escreveu.

O interesse natural dela pelo tema vinha de uma questão de prova que ela havia errado, justamente sobre o conflito no Mali, iniciado em 2012.

Edes conta que, inicialmente, nem percebeu que havia recebido apoio. Só dois dias depois, mais tranquilo, resolveu reler a conversa e enviou um convite de amizade a Raylane. Quando a conversa evoluiu para as mensagens privadas, os dois continuaram falando sobre os conflitos na África.

"Eu sabia que ele tinha a experiência de vida daquilo e sabia o que falava, mas também começamos a conversar sobre outros aspectos, como a exploração francesa na África. Qual era o objetivo da França lá? O que eles ganham com as tropas no país?", relembra Raylane.

O papo sobre o assunto durou duas semanas, até evoluir para uma paquera. Na usual tensão pré-resultado do vestibular, Edes falava todo dia com Raylane para acalmá-la e diminuir a sua ansiedade. "Ele foi muito importante nesse momento", conta a jovem, que acabou sendo aprovada em medicina.

Menos de dois meses após o encontro na página da BBC News Brasil, Edes embarcou para Curitiba, onde Raylane iria passar as festas de fim de ano com a família, para conhecer pessoalmente a nova namorada.

Vida em família

Paraibano criado em São Paulo e então com 19 anos, Edes terminava o ensino médio, em 2013, quando leu uma reportagem que falava sobre a atuação de brasileiros na Legião Estrangeira francesa. Mesmo sem apoio da família, foi para a Europa com 300 euros no bolso, o passaporte e a vontade de se tornar um militar francês.

Após três meses de isolamento, o jovem foi aprovado e firmou um contrato de cinco anos. No meio de 2015, foi convocado a ir ao Mali, onde passou quatro meses em meio à guerra civil.

De volta à França, deixou de dormir bem e começou a ter crises ansiedade. "Quando ela me conheceu, eu tomava energético o dia inteiro, como água, e à noite tomava remédio para dormir. Ela me ajudou bastante a parar de tomar essas coisas, mesmo à distância", conta.

Na primeira folga que teve após o contato com Raylane, Edes comprou a passagem para o Paraná. No aeroporto mesmo, aconteceu o primeiro beijo. Uma semana depois, oficializaram o namoro.

Nos dois anos que seguiram, o namoro à distância foi alimentado por viagens esporádicas. Em uma das visitas ao Brasil, Raylane acabou engravidando, decidiu trancar a faculdade e foi morar na França com o namorado. A pequena Cecília nasceu no país, em 2018.

Também em 2018, Nogueira foi diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático, distúrbio caracterizado pela dificuldade em se recuperar depois de vivenciar um acontecimento trágico, antecipando o fim do contrato com a Legião Estrangeira. Em 2019, ele voltou ao Brasil para começar uma nova vida ao lado da namorada e da filha.

Longe do campo de batalha, os conflitos no Mali, hoje, viraram lembranças. "Foi um mal que veio pelo bem. Se eu não tivesse sido tão afetado ali, ela não ia aparecer na minha vida", conta Edes.

"As pessoas precisam conversar mais desarmadas nas redes sociais, sem achar que sabem de tudo, abertas a entender mais sobre os assuntos. Acho que nosso encontro aconteceu porque nos abrimos a isso", diz Raylane, que, até hoje, repreende e abre os olhos do namorado quando ele se envolve em novas discussões na internet.

BBC News Brasil
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