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Viva Bem

Influenciadores de baixa renda mostram dia a dia e viram a voz da periferia

Anônimos buscam crescimento abordando finanças, racismo e até filosofia

Influenciadora Nath Finanças Divulgação

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São Paulo

A profissão é nova, mas já bem difundida. Quem nunca se deparou com um influenciador digital em suas redes sociais? Pessoas comuns que compartilham suas vidas, mostrando roupas, maquiagens e viagens. O que todos querem é acumular seguidores, influência e conseguir contratos. E muitos conseguem.

Mas não é apenas o luxo e a ostentação que tem atraído seguidores e ajudado anônimos a ganharem fãs na web. Vyni, participante do Big Brother Brasil 22 (Globo), se apresentou no início do programa como um "influencer de baixa renda', produzindo vídeos engraçados e pra lá de espontâneos sobre "a vida de pobre".

E ele não é o único. Com um celular na mão, acesso à internet e várias ideias na cabeça, moradores de regiões periféricas do país têm mostrado sua realidade nas redes sociais para milhões de seguidores. Eles ganham fãs, dão voz ao seu público e, às vezes, conseguem ascender economicamente com isso.

Maurício Pestana, CEO do Fórum Brasil Diverso, pioneiro em discutir equidade racial e de gênero no mercado, diz que durante muitos anos os negros, que são a maioria da população brasileira e nas periferias, não tinham espaço para falar e a comunicação acontecia apenas entre eles.

Para Pestana, as redes sociais vieram para mudar esse cenário, dando mais espaço à voz da periferia e falando com milhões de pessoas. "Isso também foi muito importante para trazer outras pautas para o debate, levando a própria imprensa a ficar atenta aos movimentos na periferia, abrindo espaço para discussões do cotidiano."

Nathalia Rodrigues, 23, a Nath Finanças, é uma dessas pessoas. Influenciadora e empresária, ela ascendeu economicamente produzindo conteúdo sobre educação financeira. Em seu canal no YouTube, que tem cerca de 280 mil seguidores, ela ensina a usar o FGTS (Fundo de Garantia), a criar uma planilha de organização financeira, entre outros temas comuns às pessoas de baixa renda.

Nascida em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Nath diz que nem sempre a sua relação com o dinheiro aconteceu desta forma. Sua família fechava o mês com as contas apertadas e não tinha o costume de se organizar financeira. "Falar de finanças não foi algo super presente na minha vida. A única coisa que eu tive em casa foi anotar no caderninho, mas nada de como criar na criança uma consciência financeira."

A influenciadora mudou a forma de ver o dinheiro a partir das aulas de matemática financeira que teve na faculdade de administração, que cursava com uma bolsa de estudos. Ela até passou em uma universidade pública, em Nova Friburgo, região serrana do Rio, mas desistiu por não ter como arcar com a moradia.

Ironicamente, na época da faculdade, ela era uma das melhores vendedoras de cartão de crédito em uma loja, mas começou a sentir-se culpada ao ajudar as pessoas a se endividarem. Por isso, durante seis meses ela pensou em formas de ajudar essas pessoas. Nasceu aí o canal Nath Finanças, em 2019.

Nath lembra rindo que o primeiro vídeo foi gravado no seu quarto, com um celular, e tinha um barulho horrível de fundo, do ventilador. Hoje, ela se questiona como as pessoas conseguiam assistir. Seu primeiro investimento no canal foi de R$ 15, na compra de um tecido branco para cobrir a parede atrás dela.

O trabalho de edição dos vídeos durante a madrugada começou somente quando Nath ganhou um equipamento de iluminação da influenciadora Gaby Oliveira, do canal De Pretas. "Eu visitei a casa dela para falar de finanças e ela me perguntou se eu queria o equipamento e me deu", recorda a influenciadora.

No final de 2019, Nath se inscreveu em um concurso do YouTube e ganhou a primeira câmera, tripé, jogo de iluminação e um treinamento de duas semanas com profissionais da plataforma de vídeos. Mas ela passou a ganhar dinheiro com a produção de conteúdo apenas em 2020. "Eu tinha muita visualização, mas o que eu ganhava do YouTube nos primeiros meses era menos de um salário mínimo."

A influenciadora explica que para uma pessoa ganhar com a monetização na plataforma de vídeos precisa atender algumas regras, como ter pelo menos mil inscritos no canal e 4.000 horas visualizadas por ano. "Eu fiquei um ano produzindo vídeos para receber R$ 300. Foi o investimento que eu fiz por dois anos."

A virada do canal veio em 2020 quando começou a aparecer em reportagens de jornais, como na Folha e no programa Encontro com Fátima Bernardes (Globo). Com 10 mil seguidores no Youtube, ela diz que começaram a surgir propostas de vídeos de publicidade na plataforma. Em janeiro de 2020, já eram 40 mil seguidores, depois foi a 300 mil. "A pandemia fez o meu canal crescer muito, cresceu mais de 500%."

Hoje, Nath aparece como uma das 50 maiores líderes do mundo na lista de 2021 da revista Forbes, encabeçada por Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia. Ela continua produzindo vídeos para seu canal, é seguida por anônimos e famosos, participa de programas de TV, faz palestras sobre finanças pessoais e comanda sua própria empresa.

No ano passado, Nath teve um faturamento de R$ 2 milhões e agora se prepara para inaugurar o escritório da empresa –atualmente todos trabalham remotamente. Mas o que a influenciadora se orgulha mesmo é de ter 12 funcionários com carteira assinada. Ela pretende ainda este ano começar a pagar PLR [Participação nos Lucros e Resultados] para os funcionários e implementar o 'auxílio look' com vales de compra de roupas no valor de R$ 300. "O colaborador é um investimento, com essas pessoas meu canal cresceu."

ENSINANDO O 'MANO' KARL MARX

Outro influenciador de baixa renda que já colhe frutos de seu trabalho é o estudante do último ano de licenciatura em história Marcelo Marques, 20, conhecido como Audino Vilão no Youtube. De Paulínia, no interior de São Paulo, ele quebra barreiras da linguagem ensinando filosofia com gírias, desde 2016. O nome do canal, com cerca de 130 mil inscritos, é uma mistura do nome Audino, o Pokémon que tem audição aguçada, com o apelido Vilão da época de adolescente e que o identifica com a "quebrada".

Os vídeos postados no canal são gravados no quarto de Marques usando apenas um celular para gravar e editar, e um ring light –equipamento de iluminação usado por boa parte dos produtores de conteúdo. "[Uso] gírias porque é o jeito que eu me comunico no meu dia a dia. Ali sou eu falando com os meus amigos", diz o youtuber.

Marques conta que seu interesse pela filosofia surgiu quando ainda cursava o ensino médio e ganhou de um amigo o livro "Crepúsculo dos Ídolos", do filósofo Friedrich Nietzsche, a quem ele se refere como "rouba brisa", em um de seus vídeos mais vistos, porque desperta reflexão até nos momentos de descanso da mente. "Eu me revoltei quando comecei a ler o livro porque não estava entendendo. Fui procurar aulas [online dos professores] Luiz Felipe Pondé e Clóvis de Barros Filho."

Mas ele viralizou mesmo na internet ao explicar em um vídeo do canal as principais ideias do "mano" Karl Marx, intitulado "Traduzindo Karl Marx para gírias paulistas", que soma mais de 290 mil visualizações. "Os meios [de produção] é como se fabrica. Entendeu ladrão? É na firma que você trampa, naquele bagulho daquele corre que você faz um frete, é o Ifood que tu entrega", explica o youtuber no vídeo.

Já seu interesse por história começou na infância, quando ganhou uma miniatura de dinossauro que a avó comprou de um vizinho, que vendia produtos do Paraguai. Ele brincava de paleontologia –ciência que estuda os fósseis– enterrando o brinquedo na terra. "Quando fui fazer faculdade fiquei em dúvida entre história e filosofia. Sou apaixonado por história desde criança."

No futuro, ele pretende produzir conteúdos sobre história para o canal, lecionar em sala de aula e talvez fazer uma faculdade de filosofia. Sem revelar valores, ele diz que hoje sobrevive da monetização do canal, publicidade e palestras. Mas o youtuber sonha em ser professor e experimentar a vivência da sala de aula, sem abandonar o virtual. "A renda do canal é volátil, depende da monetização."

Para Marques, o grande retorno que tem com seus vídeos é ver cada vez mais pessoas se interessando por filosofia e voltarem a estudar. Ele revela que muitos jovens da periferia o procuraram perguntando como poderiam entrar no programa EJA (Educação de Jovens e Adultos). "É a sensação de dever cumprido e que faz ter sentido o que eu faço."

HUMOR CONSCIENTE CONTRA O RACISMO

Outro sucesso da periferia é a Samantha Cristina, 34, gerente de uma casa de shows em São Paulo, e criadora do perfil "Estaremos Lá" no Instagram, ao lado de três amigas –Bia Bless, Carol Silvano e Stella Yeshua. Juntas, elas falam sobre racismo e trabalham a autoestima das pessoas pretas com bom humor, como em um vídeo que brinda a vitória da médica Thelma Assis, no Big Brother Brasil 20.

Samantha diz que os negros não têm voz nos grandes veículos de imprensa e quando falam de racismo muitas vezes ouvem pessoas dizendo que estão se vitimizando. "O nosso trabalho não é educar pessoas brancas sobre racismo. É falar com os iguais sobre como lidar com a dor do preconceito e situações de racismo."

A ideia das amigas compartilharem vídeos nas redes surgiu de maneira espontânea após Samantha e o irmão vivenciarem duas situações de racismo no mesmo dia, em 2018. Ela conta que o segurança de uma loja de sapatos pediu para o irmão, na época menor de idade, abrir a bolsa para ele ver se não tinha roubado nada.

Após o episódio, ele ligou para Samantha, que o convidou para jantar em um shopping com as amigas. Segundo ela, o grupo pediu comida e ficou esperando na praça de alimentação. Uma mulher com uma bandeja se desequilibrou e derrubou a comida no chão. Preocupada, ela se aproximou para ajudar e ouviu da mulher que só precisava que limpasse o piso. "Ela nem olhou na nossa cara, a gente não estava com roupa de trabalhador do shopping. Ela pensou que a gente estava ali para servir."

Samantha lembra que, na época, todas eram vendedoras de lojas e ficaram com a resposta "entalada" na garganta porque foram ao shopping para desestressar. Imediatamente, elas correram para o banheiro, gravaram com o celular o primeiro vídeo relatando o que aconteceu e postaram no Facebook. "Quando as pessoas brancas pensarem que não podemos, estaremos lá."

Uma semana após a postagem na rede social, elas tiveram 1 milhão de visualizações do vídeo e começaram a produzir conteúdo apenas com o celular. "A gente caiu no meio da internet com isso no colo e arrumou uma forma de satirizar, mas consciente e com humor ácido."

Samantha afirma que entende as pessoas que lidam com o racismo quebrando a porta, mas elas preferem fazer isso com diálogo por meios das redes sociais. "Sempre houve e haverá muitas outras situações [de racismo]. A gente vai ter que lidar com isso com um humor consciente."

A influenciadora diz que o coletivo não ganha com os vídeos que compartilha no perfil "Estaremos Lá", apesar dos mais de 34 mil seguidores. Samantha explica que o perfil funciona como uma espécie de ouvidoria na internet sobre casos de racismo, que ela acredita que deveria ser feito pelo estado.

"Quero ser a referência que eu não tive quando pequena. Ser uma ouvidoria online que trabalha a autoestima das pessoas pretas que não tiveram referência nem pertencimento a certos de lugares de elite."

ERRAMOS: O conteúdo desta página foi alterado para refletir o abaixo

Teve R$ 2 milhões de faturamento, não de lucro.

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