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Viva Bem
Descrição de chapéu BBC News Brasil

Solteiras não estão condenadas à infelicidade, diz autora de 'O Fim do Amor'

Mulher branca com cabelo castanho claro e olhos verdes sentada em escada vestindo jaqueta verde musgo
"Hoje, as coisas mudaram e a felicidade plena é algo que nos importa muito", diz escritora sobre relacionamentos - ALEJANDRO GUYOT/BBC
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Analía Llorente - BBC News Mundo
BBC News Brasil

O amor romântico como conhecemos, ou acreditamos conhecer, chegou ao fim? Certamente as relações amorosas experimentaram uma mudança profunda no último século na sociedade ocidental. O matrimônio para toda a vida ou a monogamia já não são considerados objetivos para muitos.

E papéis delegados à mulher têm sido questionados cada vez mais, como a maternidade vista como obrigação ou estigmas sobre as solteiras, mas ainda têm um peso importante para outros na sociedade.

A BBC News Mundo, serviço em língua espanhola da BBC, conversou sobre esse e outros temas acerca das relações afetivas ou sexuais com a escritora argentina Tamara Tenenbaum, formada em Filosofia, autora do livro "El fin del amor. Amar y follar en el siglo 21" (em tradução literal, "O fim do amor. Amar e transar no século 21").

O amor chegou ao fim?

Para algumas pessoas é o fim do amor romântico, para outras é o fim de um tipo de vínculo, mas há uma sensação de estarmos vivendo uma mudança de época, ainda que não esteja claro o fim ou o princípio de quê.

Claro, não é o sentido literal de que o amor acabou ou de que as relações amorosas terminaram. Mas é um sinal de que certos paradigmas estão entrando em crise, como sobre o que é o amor e o papel que ele deve desempenhar, acima de tudo, na vida das mulheres.

A vida está cheia de regras invisíveis sobre amor e sexo que não entendemos e que nunca iremos entender?

Não acredito que sejam apenas regras. Acho que há muitas outras coisas, como os desejos. São coisas invisíveis e difíceis de entender, mas existem regras nos vínculos afetivos das quais pouco falamos. Estamos em um momento em que muitas coisas que antes dávamos como entendidas agora notamos que não estão tão boas.

Isso acontece com as regras do sexo e do afeto, que não estão escritas. Não creio que seja necessário escrevê-las, limitá-las, fechá-las ou anunciá-las, mas é preciso abrir um diálogo.

Por que você acredita que, para muitos na sociedade, uma mulher só está completa quando tem um companheiro e o mesmo não acontece com um homem?

É um fenômeno histórico e não sei se há uma origem muito clara. Aqueles que analisam esse fenômeno não se perguntam tanto o motivo de isso acontecer, mas sim o impacto que isso produz.

Todos nos apaixonamos e às vezes não, alguns de nós têm filhos e outros não, mas não me agrada a ideia de que uma mulher sem um companheiro, seja num breve momento ou num longo período da vida, tenha que sentir que está condenada à infelicidade. É preciso mudar isso.

A monogamia é romantizada como se fosse um modelo de vínculo a ser alcançado?

Acredito que um pouco, sim. Não sei se é romantizada, mas se associa a vida adulta com a formar uma família no sentido mais monogâmico e nuclear e é custoso pensar fora dessa ideia.

O que deixa as mulheres angustiadas a respeito das relações amorosas?

Uma das coisas que angustiam as mulheres, e as pessoas em geral, é a incerteza em relação ao desejo do outro. Uma parte importante da angústia produzida e gerada pelo vínculo com outras pessoas é não saber o que pensam ou o que sentem.

Isso acontece mais agora do que antes?

Acredito que acontece mais agora do que há séculos. Talvez há 80 anos, as pessoas estavam casadas com alguém e não se importava muito com os pensamentos mais profundos dessa pessoa.

Hoje temos a obsessão de ter um vínculo que nos pareça autêntico e valioso. Não quero estar com uma pessoa que não queira estar comigo e não quero estar com uma pessoa que não está perdidamente apaixonada por mim

Por que pesa tanto o fato de uma mulher ser solteira?

Ainda existe um valor muito importante em ser uma mulher casada e mãe. A questão da solteirice começa a pesar em certa idade pela ideia de que o tempo para ter um filho está acabando. E essa questão com os homens não é tão importante, porque parece que eles podem ter filhos em qualquer momento.

Há um estigma muito grande, não apenas com as mulheres que escolhem outros estilos de vida, mas também com as que têm outras vidas porque foi assim que aconteceu. Ainda existe uma ideia muito forte de que uma mulher que não tem um homem e uma família nuclear é uma fracassada, porque não vale nada ou porque perdeu a experiência mais importante da vida.

As coisas estão mudando, mas as mudanças são lentas. Vamos pensar no divórcio. Há 20 anos, um casal que se divorciava era uma tragédia e um fracasso. Hoje as coisas não são vistas mais assim.

O código atual de um namoro é pior do que antes? As regras estavam mais claras no passado?

Não sei se é pior, ou melhor. Acho que agora as pessoas estão se casando mais velhas, então passam por mais vínculos, mais rejeições (...) estamos em busca e isso produz mais ansiedade.

Pode ser que antes houvesse mais clareza com alguns códigos. Há 50 anos, estava tudo bem quando (um casal) dava mais ou menos certo, não necessariamente se buscava a felicidade plena. Hoje, as coisas mudaram e a felicidade plena é algo que nos importa muito.

Você diz que o grande poder do homem nas relações atuais é a indiferença. Como é isso?

Eu pego o trabalho da (socióloga) Eva Illouz que fala sobre o desapego masculino. Eles têm a possibilidade de dizer: "Não estou te ligando, não te respondo, estou frio, não mostro o que desejo". É como uma forma de mostrar masculinidade, já que são poucas as que permanecem.

Antes, a masculinidade era mostrada no trabalho ou como um pai de família. Hoje todos esses papéis estão muito enfraquecidos. Assim, o desapego de dizer "eu não me apego, não desejo, eu decido quando falamos e quando não" é uma forma de exercício da masculinidade que está em vigor.

Claro que também acontece com as mulheres e pessoas sem gênero. Mas há certos relatos que se repetem na boca das mulheres e que se traduzem no sentimento de "pensei que estávamos em um vínculo e me deixaram na mão, ou saio com muitos homens e nenhum deles quer nada". Isso não acontece tanto ao contrário.

Por que na era da comunicação parece que ficou difícil conhecer pessoas?

Era fácil antes? As mulheres se divorciavam e não sabiam com quem falar, porque era como se fossem velhas e não havia para onde ir. O problema agora é que temos mais tempo, então podemos encontrar formas de conhecer gente aos 30 e poucos. E os aplicativos nos abrem caminhos.

Quando alguém diz que "é difícil conhecer gente" é porque em certa idade ela esteve com todas as pessoas que conhecia e se não, é porque ela não tinha vontade.

Você acredita que os aplicativos de namoro vieram para ficar?

Não vejo por que eles deveriam desaparecer. Há cada vez mais deles e o que acontece é que as pessoas os escolhem de acordo com critérios. Eles vão ser mais fragmentados por idade ou por preferências socioculturais, ou por muitas coisas.

E você acha que nos relacionamentos amorosos de hoje há mais liberdade do que antes?

Eu acredito que a liberdade é sempre positiva e angustiante. Parece que sempre é preciso buscar novos horizontes, sabendo que eles geram novos problemas.

Se vivemos em uma época onde a ansiedade é algo muito comum, então é lógico que muitas vezes apareça algum desejo por um limite, por uma estrutura. E muitos podem dar um basta, não quero mais essa liberdade. Mas a liberdade é o melhor problema que se pode ter. Devemos insistir nisso.

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