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Viva Bem
Descrição de chapéu BBC News Brasil

'Achava que não teria derrame, que só aconteciam em mais velhos'

Três jovens que sobreviveram a AVCs compartilham seus relatos

Kayleigh Trainor diz que não acreditou quando soube que teve um derrame
Kayleigh Trainor diz que não acreditou quando soube que teve um derrame - BBC News Brasil/Kayleigh Trainor
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Kate Scotter
BBC News Brasil

Os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), conhecidos como derrames, são frequentemente associados a idosos, mas, de acordo com números recentes, um em cada quatro deles ocorre em pessoas mais jovens.

Um AVC ocorre quando há uma interrupção súbita do suprimento de sangue ao cérebro, normalmente causada pelo entupimento total ou parcial de artérias em consequência do acúmulo de gordura, ou colesterol, mas há outros motivos relacionados, como, por exemplo, estresse e outras causas nervosas que podem interromper a oxigenação do cérebro.

A BBC conversou com três jovens sobreviventes que decidiram compartilhar suas histórias para ajudar a aumentar a conscientização sobre a doença.


'Pode acontecer com qualquer um de nós em qualquer fase da vida'

Kayleigh Trainor tinha 27 anos quando teve um derrame "completamente inesperado". "Acordei e estava me preparando para o trabalho quando me olhei no espelho e percebi que meu rosto estava caído".

"Não me importei e fui ao trabalho, e foi só quando cheguei lá que outras pessoas me perguntaram se eu estava bem". "Fui à farmácia pensando que tinha tido uma reação alérgica, mas o farmacêutico estava muito preocupado e me disse para ir ao pronto-socorro", diz Kayleigh.

A professora, que mora em Harlow, na região metropolitana de Londres, foi para o hospital "acreditando que tudo era um exagero" e "pediu desculpas por desperdiçar o tempo de todos". Mas ficou chocada com o que ouviu dos médicos.

"Eles me internaram imediatamente, passaram a me monitorar e fizeram exames. Finalmente, me disseram que tive um derrame", diz ela, agora com 32 anos. "Não acreditei porque, para mim, me sentia bem. Sempre associei derrame a pessoas idosas, pensei que não poderia ter sofrido um."

Ela acrescenta: "Você acha que está imune a essas coisas, mas isso pode acontecer com qualquer um de nós em qualquer fase da vida."

Dez dias depois, ela voltou para casa para se recuperar do derrame que sofreu, em novembro de 2015. Kayleigh diz que não apresentou sintomas desde então e os médicos nunca descobriram o que causou seu AVC.

Seu avô já teve um derrame e os médicos disseram que poderia ter sido causado por estresse, mas não havia nada que eles "pudessem apontar para dizer qual era a causa".

Kayleigh, que recentemente arrecadou 1,4 mil libras para Stroke Association, ONG de apoio a vítimas de derrame, caminhando 1,2 milhão de passos ao longo de 120 dias, diz que é preciso haver mais consciência do risco para os jovens.

"Digo aos meus alunos na escola que tive um derrame e eles dizem 'não, você não teve, os idosos têm' e eu digo a eles que qualquer um pode ter um derrame", diz ela.


'Três médicos diferentes pensaram que eu tinha enxaqueca'

Daniel Payne sempre esteve "em forma e saudável" e chegou inclusive a representar sua universidade em competições de atletismo. Mas aos 23 anos, quando trabalhava no setor de compras de uma empresa londrina, ele começou a sentir uma súbita perda de visão em um dos olhos.

Ele diz que se sentiu "muito estranho" e teve uma sensação de pulsação no braço direito —mas não experimentou nenhum dos sintomas clássicos de um derrame, como fala arrastada ou rosto caído.

Payne sabia que algo estava errado, então se consultou com três médicos, mas todos pensaram que ele tinha enxaqueca. Ainda não se sentindo bem e com a perda de controle da mão direita, ele foi para o hospital, onde nenhum exame mostrou sinal de derrame, inclusive uma tomografia computadorizada.

Foi só depois que ele fez uma ressonância magnética que os médicos perceberam o que lhe havia acontecido. "Eles estavam tipo 'por que diabos você teve um derrame quando está em forma e é saudável e na sua idade', então as investigações começaram", diz.

Os médicos descobriram que ele tinha um grande buraco no coração, que acreditavam ter causado o derrame. Ele teve que se submeter a uma cirurgia para fechar o buraco e passou mais de uma semana no hospital.

Payne diz que experimentou ataques de pânico e ansiedade após o derrame. Ele teve que fazer terapia que pagou do próprio bolso. O jovem ainda usa óculos especiais para melhorar sua visão. Sua namorada Laura McDonnell, uma fisioterapeuta, o ajudou a recuperar o controle em sua mão direita.

Agora com 26 anos, ele diz que está se sentindo melhor. Payne começou a trabalhar como voluntário na ONG Different Strokes, em 2019, para ajudar a apoiar outros jovens que tiveram um derrame.

"Quando as pessoas pensam em derrames, imaginam pessoas mais velhas e todo o apoio disponível quando eu tive o meu era para pessoas com mais de 60 anos", diz.

"É muito diferente para um jovem ter um AVC, eles têm toda a vida pela frente e isso pode mudar completamente seus planos de vida. "É horrível para uma pessoa mais velha ter um, mas é um conjunto de circunstâncias muito diferente para uma pessoa mais jovem."


'Depois do meu derrame, me tornei a 'garota doente da escola''

Elizabeth Kiss tinha apenas 13 anos quando teve um derrame. Era o dia do casamento da prima e a família se preparava para comemorar o dia especial. "Foi bastante agitado para todos", diz.

Agora com 20 anos, ela se lembra de que sua mãe suspeitou de um derrame "na hora, porque minha língua ficou enrolada e o lado esquerdo do meu rosto havia caído". "Ela disse aos médicos que era um derrame, mas eles não lhe deram muita importância por causa da minha idade, pensaram se tratar apenas de uma enxaqueca", conta.

Mas os testes mostraram que Elizabeth sofreu um AVC e ela foi submetida a uma cirurgia que salvou sua vida. Ela havia passado por uma cirurgia no coração quando tinha oito anos e passou a sofrer enxaquecas, que se acredita terem causado seu derrame.

Elizabeth ficou paralisada do lado esquerdo e, embora agora tenha movimento no ombro e no cotovelo, o uso da mão esquerda e dos dedos ainda é limitado. Sete anos depois, ela ainda apresenta fraqueza na perna esquerda. Ela sofre de depressão e ansiedade, que acredita estarem relacionadas ao derrame.


Sinais e sintomas de um derrame

Um em cada quatro acidentes vasculares cerebrais no Reino Unido ocorre em pessoas com menos de 65 anos, de acordo com a ONG Different Strokes. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, o número de derrames em jovens também aumentou.

Para identificá-lo, as pessoas devem usar o acrônimo FAST (sigla em inglês para Rosto, Braços, Fala e Tempo) como um teste simples:

  • Rosto - o rosto caiu para um lado? Você pode sorrir?
  • Braços - Você pode levantar os dois braços e mantê-los erguidos?
  • Fala - Sua fala ficou arrastada?
  • Tempo - Em caso afirmativo, é hora de ligar para o serviço de emergência.

Outros sintomas de AVC incluem perda súbita de visão, fraqueza súbita ou dormência em um lado do corpo, perda súbita de memória ou confusão, tontura súbita ou instabilidade, ou uma queda repentina.

Fonte: Different Strokes


Elizabeth diz que ter um derrame na adolescência foi uma "curva de aprendizado" para seus professores e também para sua família, pois eles "não sabiam como me tratar". Ela também teve dificuldades em fazer amizades.

"Tive problemas em fazer amizades, não conseguia fazer todas as coisas que um adolescente normalmente faria e ninguém sabia como me tratar." "As pessoas eram muito simpáticas ou estranhas. Perdi amigos porque às vezes precisava de muita ajuda", diz.

O derrame também a impediu de praticar seus esportes e atividades habituais. "Antes do meu derrame, era conhecida como a garota 'popular', mas depois disso virei a 'garota doente'.

"Era cheia de vida antes, mas fiquei deprimida e as pessoas se comportavam de maneira estranha ao meu redor". "Agora estou voltando a ser a pessoa alegre que era antes."

Elizabeth, que ainda faz visitas anuais ao hospital, diz que quer aumentar a conscientização de que derrames podem acontecer em jovens. "É horrível que as pessoas não se deem conta disso", diz ela.

"O fato de os médicos não terem percebido que eu estava tendo um derrame me faz querer aumentar a conscientização ainda mais". "Não quero que outras pessoas passem pelo que eu passei."

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