Viva Bem

Conheça a história de pessoas que largaram tudo para cuidar de um parente com Alzheimer

Cuidadores também relatam transtornos e precisam de ajuda

Renan Silva Silveira, 25 anos, publicitário de Frutal/MG, e o seu avô que tem Alzheimer
Renan Silva Silveira, 25 anos, publicitário de Frutal/MG, e o seu avô que tem Alzheimer - Arquivo Pessoal
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Leonardo Volpato
São Paulo

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que provoca o declínio das funções cognitivas, o que resulta em uma redução das capacidades de trabalho e das relações sociais. Com isso, há diversas mudanças no comportamento de quem tem a doença, como perda de memória e alteração de personalidade. Por conta desses fatores, os cuidadores e as pessoas que lidam diariamente com esses pacientes acabam sofrendo e até precisando de tratamento psicológico.

E os exemplos disso são muitos. Com a perda da memória, muitos portadores do Alzheimer se esquecem do nome e até mesmo de que têm filhos. Muitas vezes, esses filhos são as pessoas que cuidam deles e largam toda a sua vida e rotina para essa função. De acordo com especialistas, os cuidadores precisam de ajuda.

“A pessoa que cuida de forma integral começa a abdicar de sua vida para cuidar do seu ente querido. Trabalhar fora se torna cada vez mais inviável, sair para um lazer, então, fica reduzido a quase nada. O cuidador começa a experimentar de sentimentos confusos e contraditórios, de amor e de ódio, impaciência, exaustão, ansiedade e até depressão. E esses sentimentos podem desencadear doenças orgânicas e físicas”, avalia Simone de Cássia Freitas Manzaro, psicóloga que trabalha diretamente com essas pessoas.

É unânime entre especialistas que buscar informações sobre a doença continua sendo o primeiro passo para que o cuidador possa compreender o prognóstico da doença para melhor se organizar e cuidar do outro. “O mais indicado seria que todo cuidador familiar pudesse dividir a tarefa com outros membros da família ou até com amigos mais próximos. Buscar suporte psicológico para auxiliar na angústia do cuidado e realizar uma tarefa que sirva de válvula de escape para emoções, como caminhada ou uma atividade manual, já contribuem para a saúde dele”, destaca.

A auxiliar de enfermagem paulista Fabiana Costa, 51, sofre diariamente por ter de cuidar, sozinha, da mãe com a doença. “Eu sempre fui muito apegada a ela. Há cinco anos, foi diagnosticada com Alzheimer, e eu, no mesmo instante, decidi que dela eu cuidaria. Cuido 24h. Antes tinha a ajuda do meu marido, mas no mês passado ele teve um segundo AVC. Hoje, cuido dos dois”, conta.

“O cuidador tem sua vida afetada porque é uma vida de renúncias. Você precisa trabalhar seu psicológico para encarar o quadro de agitação, alucinações, agressividade e repetições constantes”, conta ela, que criou uma página no Facebook de nome “Anjos que Cuidam” para trocar experiências com demais cuidadores. “O que me move é isso. Então, independentemente de como ela esteja, o importante é tê-la comigo.”

De acordo com Cláudia Fernandes Laham, psicóloga do instituto central do Hospital das Clínicas, o cansaço e a tristeza são naturais, porém, eles podem ser amenizados com um pensamento diferente. “O cuidar tem aspectos positivos. O fato de poder fazer o bem deve ser encarado como um processo de orgulho, de sentimento de crescimento. Uma dica é se cuidar, se permitir ter momentos de lazer também para repor as energias”, indica.

Amor que ajuda

Foi por desconfiar de que o avô tinha algum tipo de demência que o publicitário mineiro Renan Silva Silveira, 25, começou a dormir na casa dele. Segundo Silveira, os filhos o abandonaram e não achavam necessário cuidar daquele senhor. Isso ocorreu em 2013, semanas após a morte da avó e mulher do paciente. Foi desse laço de amor que surgiu uma parceria que continua firme e forte, embora difícil e trabalhosa, até os dias de hoje.

Tatuagem do publicitário mineiro Renan Silva Silveira, 25 anos, olhando para o seu avô, portador do Alzheimer
Tatuagem do publicitário mineiro Renan Silva Silveira, 25 anos, olhando para o seu avô, portador do Alzheimer - Arquivo Pessoal

“O sofrimento veio com as alterações de humor e demais alucinações dele, quando infelizmente nada do que falamos ou tentamos fazer resolve. Tudo isso acontecia quando ainda não havia sido feito o diagnóstico. O meu sofrimento também se dá pela perda gradativa. A cada semestre algo de novo aparece, alguma função do corpo deixa de funcionar. Primeiro foi parar de pentear o cabelo, depois, o banho, o escovar dos dentes, o comer sozinho, o caminhar. É triste”, comenta.

“Atualmente, não tenho dormido a quantia recomendada. Preciso trocá-lo de posição a cada duas horas, pensar em tudo o que ele precisa: alimentação, medicação, consultas, exames. Estudo a respeito de métodos que podem ajudá-lo em cada fase da doença”, comenta. Mesmo com tudo isso, ele diz que o amor pelo avô é grande, tanto que o publicitário tatuou uma caricatura dele olhando para o senhor no braço. Para Silveira, só mesmo o amor pode explicar por quais motivos ele abre mão de tanta coisa para ajudar um ente querido.

“Mudou a forma como eu penso em idade, em envelhecimento. Eu não digo que não tenho problemas nem diminuo os problemas dos outros, não é isso. Eu só vejo que nada é impossível, basta seguir em frente e se impor perante às pessoas que estão no seu caminho. O Canal Com Viver também tem sido um meio de continuar seguindo, ajudar as pessoas que estão começando agora sua jornada de cuidados”, finaliza Silveira, ao citar o seu canal do YouTube no qual passa dicas sobre como lidar com o transtorno.

Não tenha medo de pedir ajuda

Cuidadores profissionais ou parentes que auxiliam no dia a dia de uma pessoa com Alzheimer não podem ter medo de pedir ajuda. Tanto para outras pessoas quanto para profissionais de saúde capacitados. Segundo Nelson Destro Fragoso, professor de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é possível se sentir melhor com psicoterapias. “A primeira coisa é se tratar. O estresse e a difícil relação que muitas vezes se forma entre cuidador e paciente pode acarretar em depressão, transtornos do sono e aumentar nível de ansiedade. Procure tratamento.”

A cuidadora de idosos paulistana Aline Farias, ficou seis anos cuidando de uma senhora de 77 anos. Esse ano, ela faleceu. Para ela, foi um baque muito forte. “Foi difícil porque a doença de Alzheimer é muito complicada, mas eu cuidei dela como eu pude. Foi muito boa a experiência. A gente aprende a amar, a respeitar e a conviver”, diz.

De acordo com a psicóloga Simone de Cássia Freitas Manzaro, no momento que a pessoa morre o cuidador não pode se culpar. “Os cuidadores formais (contratados) são treinados, mas são seres humanos que também possuem sentimentos. Eles devem possuir um pouco mais de resiliência e entendimento daquele momento para saber conduzir todas as situações da melhor forma possível.”

Assim como Fragoso, a especialista aconselha a busca por um tratamento ou por terapias. “Os cuidadores experimentam de vários sentimentos, que em muitas vezes são contraditórios, acabam por não saber explicar o que acontece. Às vezes, um desânimo vira uma dor no peito, um cansaço vira uma cãibra, dor nas pernas etc. Outra questão muito recorrente é o medo de ser esquecido e de não saber lidar com o seu ente querido frente às mudanças que a doença impõe. Suporte psicológico é necessário durante toda essa caminhada.”
 

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