Com jeitão de avó, evidenciado não só pela idade, mas também pelo andar, pelo falar e pela escolha de um grande laço preto na gola de sua camisa, Fernanda Montenegro, 83, é a encarnação perfeita de Picucha, uma senhora de 85 anos que, ao se ver sem a empregada Zaina (Mirna Spritzer), que lhe fazia companhia, começa a aprontar todas e a dar dor de cabeça para os filhos no especial de Natal "Doce de Mãe" (Globo).

Ansiosa por estrelar em um programa onde a "classe média real" é retratada, a rainha do teatro brasileiro não poupou críticas sobre o modelo atual das obras audiovisuais brasileiras e defendeu uma estética mais realista para as produções futuras durante a coletiva de lançamento do programa.

"Essa classe média [real] não tem lugar no cinema brasileiro ou na televisão. Ou se cria uma estilização do pobre ou uma baixaria onde todo mundo é marginal, todo mundo é drogado. Existe esse mundo, mas só essa temática, eu não aguento mais", desabafou.

"Doce de Mãe" conta a história de uma família de classe média que, como tantas outras, precisa encontrar uma forma de cuidar da mãe idosa em meio à vida atribulada. Louise Cardoso (Elaine), Marco Ricca (Silvio), Mariana Lima (Suzana) e Mateus Nachtergaele (Fernando) são os quatro irmãos que vão se revezar para cuidar da senhorinha rebelde.

Sambista

Uma das cenas mais aguardadas do programa, gravado em 18 dias em Porto Alegre, é da performance de Fernanda Montenegro mostrando seu samba no pé. Sua personagem será resgatada bêbada de uma roda de samba para a qual foi levada por sua nova empregada, a baiana Lenir (Bárbara Borgga), que será prontamente reprovada pelos filhos.

O público também poderá se divertir com um dueto de Picucha e Jesus, interpretado por Daniel Oliveira. Na trama, Jesus é um ex-aluno do marido da matriarca - já morto - e acabará p tornando a companhia ideal para ela, além de virar um novo genro na família.

Em um texto cheio de pistas falsas, o espírito jovem de Picucha acabará por transformar o empurra-empurra de quem vai ficar com a mãe em uma verdadeira disputa para saber quem vai tomar conta dela.

Feijão com arroz

A tendência a acentuar os estereótipos pode ser vista também na vida real, com a cobertura de imprensa, segundo Fernanda. "Quem nos assiste, nos joga num mundo da fantasia, como se nós fôssemos extraterrestres", disse, ao criticar as "revistas de fofoca", que trabalham com uma imagem "totalmente inexistente".

"Acho que está na hora de a gente começar a se ver como a gente é... uma classe média normal", disse Fernanda. "No nosso seriado, as pessoas se vestem normal, os diálogos se fazem diretamente, nada é estilizado", afirmou.

Assim como as pessoas normais, a artista lembrou que também está sujeita às dificuldades e das tarefas do dia a dia, diferente de suas personagens nas novelas - muitas delas ricas e metidas.

Assim como sua personagem Picucha, famosa pelas panquecas flambadas, capazes de reunir os irmãos em um piscar de olhos, Fernanda também se aventura na cozinha. "Se precisar cozinhar, vou cozinhar. Eu sei fazer massa muito bem, meu cabelo de anjo é um acontecimento entre os netos. E na minha casa [também] tem feijão com arroz", afirmou.

Continuidade

A expectativa da produção e dos atores é que a história seja "comprada" pela Globo para se transformar em uma série fixa no canal. "Existe a possibilidade, já escrevemos outras histórias e vocês vão querem saber mais sobre os personagens, mas ainda não há nada certo", disse Furtado.

De fato, embora prometa trazer uma história marcante, a estética proposta pelo projeto ainda está em processo de avaliação do público. Dentro do perfil humanista, o filme tragicômico "tem como base a vida real e exalta os valores humanos", segundo Ana Luiza Azevedo, coautora do projeto.

Escrito por Ana, Jorge Furtado e Miguel da Costa Franco e produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre em parceria com a Rede Globo, "Doce de Mãe" será exibido no dia 27 de dezembro, após "Salve Jorge".