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SAIU NO NP: Carrasco da Seringa leva prostitutas a parar a noite de São Paulo

13/01/2016 - 12h00

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CRISTIANO CIPRIANO POMBO
DO BANCO DE DADOS FOLHA

O primeiro texto da seção "Saiu no NP" de 2016 traz a história de um crime ocorrido no final dos anos 70, o caso da Morte da Mariposa, que motivou uma manifestação nunca antes vista no centro de São Paulo.

A manifestação chamou a atenção porque aconteceu na madrugada de sábado, no dia 22 de setembro de 1979, quando prostitutas, travestis e manifestantes pararam parte da região central devido à morte de Maria Regina Rezende, 25.

set.1979/Folhapress
A prostituta Maria Regina Rezende, que foi morta pelo universitário Dan Martin Blum
A prostituta Maria Regina Rezende, que foi vista pela última vez em 5 de setembro de 1979

Conhecida por Mariposa na Boca do Luxo paulista - região próxima à Praça Roosevelt que abrigava boates -, Maria Regina tinha desaparecido no dia 5 de setembro de 1979, quando aceitou o convite de um rapaz para fazer um "programa".

Ela tinha deixado seu apartamento, na rua Amaral Gurgel, na Vila Buarque (centro), com seu carro, um Fiat, cor amarela, placas KK 6890, ano 77, juntamente com o rapaz.

Antes de sair naquela quarta-feira, porém, deixou Roseli, uma amiga de quarto, avisada de que estava indo rumo à zona sul da capital paulista.

O rapaz que a acompanhava era Dan Martin Blum, universitário que estudava medicina veterinária.

Mas Maria Regina não retornou naquela noite. Nem no dia seguinte.

Passada uma semana, a polícia, que até então acreditava que ela pudesse ter viajado em companhia do rapaz, descobriu que o carro da moça estava em chamas, numa rua do Jardim América (zona oeste).

Para policiais do 15º Distrito Policial e da Delegacia de Roubos e Extorsões do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), o incêndio no veículo foi criminoso. Dentro do carro, apenas alguns maços de cigarros foram encontrados.

A polícia então passou a investigar contatos de Maria Regina à procura do rapaz com o qual ela havia feito o último programa, depois de tê-lo conhecido na esquina das ruas Major Sertório e Bento Freitas.

Acreditava-se que Mariposa ainda estivesse viva.

TROTES
Ao mesmo tempo em que a polícia investigava, o telefone no apartamento de Maria Regina seguia tocando e sempre apresentava a mesma voz que insistia: "Vocês já acharam a moça? Por que não procuram no IML?".

Roseli Aparecida de Oliveira, a amiga que dividia o apartamento, não conseguia identificar a voz de quem estaria ligando, mas já não acreditava que a amiga pudesse ser encontrada com vida.

E a suspeita da amiga se confirmou uma semana depois, no dia 18 de setembro, quando Maria Regina Resende foi encontrada morta, parcialmente carbonizada, dentro de um dos bueiros da Cidade Universitária.

O principal suspeito do crime também foi encontrado. Dan Martin Blum, de acordo com a polícia, teria sequestrado e matado a jovem, sem motivos aparentes.

Apesar de ter se queixado a amigas de que não gostaria de sair com o estudante de veterinária por considerá-lo de "temperamento nervoso", Mariposa concordou fazer o programa com Dan Martin Blum porque ele pagava muito bem.

VENENO
Preso, Dan Martin foi apresentado no dia seguinte à imprensa. Prestes a ser formar em veterinária pela Universidade de São Paulo, ele trabalhava numa clínica em Campos do Jordão (SP), para onde fugiu após o assassinato.

5.set.1979/Folhapress
Dan Martin Blum, estudante de Veterinária, matou a prostituta Maria Regina Rezende e colocou fogo no cadáver
Dan Martin Blum, estudante de veterinária, após ser preso em 1979

Ele mesmo contou como havia matado Maria Regina, após o programa, aplicando-lhe uma injeção própria para sacrificar animais, conhecida como T-61.

Em meio a crises nervosas e dizendo-se arrependido, ele relatou como tinha ocultado o cadáver e sobre como ateou fogo no carro da moça.

De acordo com Dan Martin, ele tinha conhecido Maria Regina um ano e meio antes. Informou ainda que no dia do crime, eles foram para a casa da família dele, na rua Maestro Eduardo Guarnieri, em Interlagos (zona sul). Chegando lá, eles cheiraram clorofórmio e praticaram ato sexual. Depois, Maria Regina sentiu-se mal e, a pedido da moça, o estudante resolveu aplicar-lhe Plasil, mas, na hora da aplicação, "por estranho impulso", o qual não soube explicar, usou o T-61, veneno à base de curare.

Após a morte da jovem, ele colocou o corpo no assoalho do Fiat e dirigiu o carro até a avenida Faria Lima. Deixou o veículo e o corpo lá e partiu para a casa da noiva e ambos saíram. Ao deixar a noiva de volta, Dan Martin Blum voltou até o Fiat. A intenção dele era queimar o corpo no crematório para animais, mas, como estava fechado, pegou o carro e dirigiu até a Cidade Universitária, onde enrolou o corpo com jornal e o jogou num bueiro, ateando fogo. Depois, deixou o veículo na rua Acari, no Jardim América.

Depois do crime, Dan Martin ficou seis dias em Campos do Jordão. Ao voltar, decidiu atear fogo no Fiat e, ainda por cima, passou no bueiro da USP onde deixara o corpo para atear gasolina e voltar a queimá-lo.

"Pensei que podiam achar minhas impressões digitais e decidi voltar ao local onde estava o carro. Joguei gasolina nele e toquei fogo. Depois, fui à Cidade Universitária, pois o corpo de Maria Regina devia estar exalando mau cheiro. Joguei de dez a quinze litros no bueiro e toquei fogo também", contou Dan Martin Blum.

20.set.1979/Folhapress
Familiares e amigos durante o enterro de Maria Regina Rezende na cidade de Araguari (MG)
Familiares e amigos durante o enterro de Maria Regina Rezende na cidade de Araguari (MG)

A polícia só chegou a Dan Martin após reconhecimento feito por Roseli, em fotografias apresentadas pela polícia do arquivo de estudantes da USP.

Ao ser preso em Campos do Jordão, Dan Martin ainda portava os documentos da vítima e a chave do carro dela.

Maria Regina foi enterrada no dia 20 de setembro de 1979, na cidade de Araguari (MG), após cortejo que contou com a presença do arcebispo dom Almir Marques Ferreira, de Juiz de Fora (MG).

A revolta por parte das amigas era grande já que, além do assassinato brutal de Maria Regina, os advogados de Dan Martin Blum tentavam estabelecer a inimputabilidade do assassino, alegando que ele era considerado mentalmente abalado _alegaram que, desde 1971, ele passava por tratamento psiquiátrico e que, de acordo com especialista, a perturbação na cabeça do estudante era resultado de um traumatismo craniano que o teria deixado com idade mental de 13 anos à época e que lhe causava disritmia cerebral.

As prostitutas se uniram de tal forma que algumas "leis" começaram a vigorar na noite paulistana, como a recusa de programas nas casas do cliente ou local que não fosse neutro ou conhecido.

"Se pensam que dinheiro compra, estão enganados. Danny não pode ficar imune depois do que fez a Regina. Ela era uma moça que não se metia em confusão. Agora nós vamos fazer um movimento e vamos parar a noite de São Paulo. Todos vão nos apoiar", afirmou Roseli.

E ela estava certa.

O PROTESTO
Dois dias depois do enterro, mais de 70 veículos e 300 prostitutas, travestis e simpatizantes da causa pararam a noite na região da Boca do Luxo.

O cortejo de carros, em marcha lenta, deixou a rua Amaral Gurgel com destino ao Deic, à frente do qual já estavam dezenas de mulheres.
Com cartazes, faixas e gritos de ordem, pediam Justiça e condenação a Dan Martin Blum.

O protesto invadiu a madrugada e, além do Deic, foi levado, após as 2h, à casa do juiz corregedor Renato Laercio Tolli e à do secretário de Segurança Pública do Estado, Octavio de Gonzaga Junior.

Nesses locais as prostitutas deixaram cartazes pedindo a condenação.

set.1979/Folhapress
Carros com cartazes na rua Amaral Gurgel, centro de São Paulo, durante protesto após a morte da prostituta Maria Regina Rezende
Carros com cartazes na rua Amaral Gurgel, centro de São Paulo, durante protesto após a morte da prostituta Maria Regina Rezende

As manifestações eram lideradas por Roseli, que sofreu com inúmeros trotes nos dias em que a amiga esteve desaparecida e até tentativa de extorsão –três rapazes, inclusive, que acabaram presos depois, ligaram cerca de 40 vezes para ela pedindo pagamento de resgate.

CONDENAÇÃO
Os protestos seguiram até o dia do julgamento. No dia 4 de outubro de 1979, diante do juiz Antônio Carlos Franco, da 2ª Vara Auxiliar do Júri, contou com detalhes como cometeu o crime.

O interrogatório foi realizado antes do expediente forense, a fim de evitar manifestações e presença de curiosos.

"Não estou preocupado com as consequências do meu ato, nem arrependido. Remorso é coisa que nunca tive", afirmou Dan Martin. E completou: "Eu acho que pelo que fiz a Maria Regina tenho uma dívida a pagar à sociedade. Acho também que preciso ser submetido a tratamento, porque o que fiz não é coisa de gente normal."

No final, acolhendo pedido da defesa, o juiz determinou que o assassino fosse transferido para o Manicômio Judiciário, a fim de ser submetido, dentro de 20 dias, a exame de sanidade mental.

No dia 22 de novembro, laudo dos psiquiatras apontou que Dan Martin era irresponsável, "inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato, em virtude da doença mental (epilepsia)".

O laudo foi decisivo para a decisão do juiz, que absolveu Dan Martin Blum por considerá-lo penalmente irresponsável. Ele impôs ao réu, dada a periculosidade do mesmo, cumprimento de medida de segurança, consistente na internação em Manicômio Judiciário, pelo prazo mínimo de seis anos.

E assim se fez, com ele sendo levado para a Casa de Custódia de Taubaté.

Mas, em 28 de maio de 1987, o "Notícias Populares" informou: "Assassino da Prostituta em Liberdade Sete Anos Depois". Dan Martin estava de volta.

FINAL FELIZ?
Menos de quatro anos após ser solto, porém, Dan Martin Blum voltou a ser preso, de novo em Campos do Jordão. Ele foi detido no dia 22 de novembro de 1991.

Desta vez ele foi acusado de porte ilegal de arma e ameaça, constrangimento ilegal e sequestro da estudante Paula Cristina Gomes, então com 19 anos. O "Notícias Populares", ao relatar a prisão, descreveu Dan Martin como o "Carrasco da Seringa", em alusão ao crime cometido em 1979.

Paula registrou queixa contra o veterinário, dizendo que ele a obrigou a tirar fotos nuas depois de raptá-la no centro da cidade, no dia 13 daquele mês.

José Francisco Diorio - 26.nov.1991/Folhapress
O universitário assassino Dan Martin Blum, preso em 1991
O universitário assassino Dan Martin Blum, preso em 1991

Ao ser preso, Dan Martin Blum logo tentou se esquivar do crime cometido em 1979. "Eu não estou aqui pelo meu passado, mas por um acontecimento atual", disse, alegando que as fotos tinham sido feitas com consentimento da estudante e vendidas para motéis de São Paulo com autorização dela.

No momento da prisão, Dan Martin trazia no carro uma besta (arco e flecha com setas de pontas explosivas), um machado, uma machadinha, facas, capuz, luva, peças íntimas femininas e duas pistolas, uma delas com silenciador.

A liberdade provisória solicitada por sua advogada e mulher, Maria Aparecida de Oliveira, foi negada pelo juiz da comarca.

Um dia após informar a prisão, em 27 de novembro, o "Notícias Populares" entrevistou o assassino. Com o título "Carrasco da Seringa Ama Canibal", informou que Dan Martin considerava o filme "Silêncio dos Inocentes" seu preferido.

Quando indagado sobre se continuou o tratamento, respondeu: "Eu nunca precisei de tratamento. Foi só a maneira mais fácil de me libertarem".

Ele revelou também que, ao deixar a prisão, trabalhou com joias e como veterinário, tendo se casado em 1986 com Maria Aparecida.

Em 14 de dezembro de 1991, entretanto, a trajetória de Dan Martin Blum, 37, chegou ao fim. Ele foi encontrado morto na cela em que estava detido em Campos dos Jordão, após ter se enforcado com as alças de uma sacola. A morte ocorreu após ele ter frustrada uma tentativa de fuga, quando já tinha cerrado as grades da cela –foi descoberto e acabou transferido para outra, ficando isolado.

A polícia encontrou na cela um diário, em que Dan Martin revelava ter tentado suicídio na Casa de Custódia, quando foi internado pela morte de Maria Regina, e um desenho deixado pelo veterinário mostrando como seria a própria morte, com uma frase escrita a lápis: "final feliz".

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