Saiu no NP

Bebê-monstro lança profecia e apavora Franco da Rocha

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Vinte dias depois de enterrar os mortos da tragédia que, em decorrência das chuvas, se abateu sobre a cidade, os habitantes de Franco da Rocha, na região da Grande São Paulo, não falavam de outra coisa a não ser do nascimento do bebê-monstro.

Os comentários na cidade foram de que um médico, cuja identidade se desconhecia, teria feito o parto da criança com a fisionomia de um monstro: sobre a pequenina cabeça, havia chifres, no lugar das pernas, havia braços e, no dos braços, pernas tortas. Ele não deixou a mãe ver o bebê porque era "muito feio".

Crédito: José Luiz da Conceição - 25.fev.1987/Folhapress
O comerciante Geraldo Bernardo acompanha no "NP" o relato sobre o bebê-monstro nascido em Franco da Rocha

As pessoas disseram que, de acordo com o médico, ao passar pelo berço, ele ouviu o bebê balbuciar: "Feio vai ser dia 28 de fevereiro. Até lá, vocês vão ver o que vai acontecer". Depois dessa desconcertante profecia, a criança morreu.

Entre as "coisas" prestes a acontecer no sábado, estaria o rompimento da represa de Mariporã, que, segundo afirmaram os intranquilos moradores, fatalmente Franco da Rocha seria inundada em questão de minutos.

E o "Notícias Populares" de 25 de fevereiro de 1987 destacou a inusitada história que correria de boca em boca, mesmo sendo desmentida pelas autoridades locais, com a manchete "Cidade apavorada com bebê-monstro".

Mito e pavor invadiram a imaginação popular. "Em 58 anos de vida, nunca vi coisa igual", recordou o vendedor ambulante Eusébio Ferreira de Lima.

Para o médico Domingos Aielo Filho, diretor do pronto-socorro do Centro de Saúde do Estado, tudo isso não passou de um pesadelo. Ele atribuiu o fato à imaginação do povo.

A jovem Marli Maria da Conceição ficou com os nervos abalados com as notícias sobre a revelação da criança-fenômeno e não conseguiu mais dormir desde então. Ela passou a pedir com mais insistência paz e proteção a Nossa Senhora Aparecida, sua protetora.

A população de Franco da Rocha se uniu na oração contra o bebê-mostro, e o "NP" de 26 de fevereiro relatou "Povo reza para se livrar da maldição".

Mulheres, homens e crianças de todas as seitas, que sustentavam a história do nascimento do bebê-monstro, rezavam noite e dia para que nenhum outro mal acometesse a cidade.

"Tudo que está acontecendo, em Franco da Rocha, é porque o povo se afastou da igreja", afirmou Doralice Felisbino de Souza. Ela também disse que um sapateiro, amigo seu, avisou-lhe que nem vai esperar dia 28 chegar e vai embora da cidade.


Assim como Doralice, o comerciante Álvaro Marques Serbino revelou conhecer várias pessoas que estavam se preparando para deixar a cidade, antes do dia 28 (sábado). Ele afirmou não acreditar muito nessa história de bebê-monstro. "Que tenha nascido uma criança deformada, tudo bem. Mas, ela nascer falando e fazer uma predição tão aterradora, é muito para a minha cabeça", comentou.

Já Adélia de Morais disse que tudo é possível em Franco da Rocha. Ela contou que, antes da recente tragédia que se abateu sobre a cidade, uma mulher foi atropelada pelo trem. Junto à estação central, ficou o corpo da vítima. Mas, a perna, ninguém sabe como, foi parar a mais de 200 metros, na porta da igreja. Questionada se a perna saiu andando, ela respondeu: "É o que afirmam".

Dia 27 de fevereiro, na véspera da profecia, o "NP" descreveu "Franco da Rocha na pior com o caso do bebê-monstro". Segundo o vereador Sebastião Marques Garcia, a cidade sofrera um impacto por causa da maldição e, devido ao fato de muitas pessoas abandonarem Franco da Rocha, os preços dos imóveis tiveram queda, as vendas no comércio já não eram como antes e algumas indústrias afetadas pelas águas ficaram paralisadas.

A Prefeitura de Franco da Rocha temeu não arrecadar os Cr$ 70 milhões previstos para remunerar o seu quadro de funcionários e cuidar da manutenção da cidade.

Então chegou o tão esperado dia "D", sábado, 28 de fevereiro de 1987, a população ficou em alerta com a profecia que o médico escutou do bebê-monstro, e o "Notícias Populares" publicava "Teste da maldição do bebê-monstro é hoje".

Crédito: José Luiz da Conceição - 24.fev.1987/Folhapress
Domingo Aielo Filho, do Centro de Saúde do Estado, acredita que tudo não passa da imaginação popular

O temor de que algo terrível estaria para acontecer tomou conta de toda a cidade, já abalada pelas consequências das enchentes ocorridas no início daquele mês.

As orações se intensificaram na tentativa de afastar a maldade e, na população humilde, uma expectativa muito grande em torno da praga, que teria sido lançada pelo bebê-monstro e cuja data final seria sábado, dia 28 de fevereiro.

Por fim, no dia 10 de março "Rezas livram Franco da Rocha do bebê-monstro" era a manchete do "NP", que encerrava sua cobertura com os relatos finais da profecia que não aconteceu e do poder divino que trouxe a paz de volta a cidade.

A população ficou mesmo convencida de que a cidade foi salva do perigo devido às orações. A Funerária Seixas, única da cidade, não registrou um óbito sequer no dia 28. Não teve chuvas, os dois córregos da cidade não transbordaram e nem a represa se rompeu.

"Foram as nossas orações e promessas que livraram Franco da Rocha da maldição", justificou Marleide Alzira Lima Lemos. Passei muito medo no dia 28 que algo terrível acontecesse. "Mas, graças a Deus, tudo terminou bem. Também, rezamos tanto, que o resultado não podia ser outro", concluiu.

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