Se eu tivesse ganhado um vibrador da minha mãe eu seria mais feliz
Ou: por que você deve, sim, presentear sua filha com um brinquedo sexual
Agora você imagina passar meses ou anos estudando para ser policial civil, passar por uma prova física intensa para entrar na corporação e, aí, quando você vê, tem que investigar o caso de uma atriz global que contou ter dado um vibrador para a filha. Seu sonho era investigar assassinatos, prender criminosos, mas lá está você fazendo intimação de ofício na casa da Claudia Raia, e, depois, pedindo uma selfie com ela pra mandar pra sua mãe.
Pois é o que deve acontecer com algum membro da Polícia Civil de São Paulo se a notícia crime do deputado estadual mineiro Cristiano Caporezzo (do PL, para surpresa de ninguém) for aceita. O parlamentar soube que Claudia falou sobre o assunto em um programa de TV de Portugal e achou isso comparável ao ato de "aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso", crime previsto no Código Penal.
A atriz disse que presenteou sua filha de 12 anos (hoje, ela tem 22) com um brinquedo sexual para que ela se conhecesse melhor e investigasse o próprio corpo. Minha mãe não me deixava às cegas quando o assunto era sexualidade e me explicou várias coisas. Quando eu tinha quatro anos e comecei a fazer perguntas demais, ela inclusive me entregou aquele livro infantil ilustrado "De Onde Viemos?", que era a maneira como os pais da década de 90 contavam para os filhos como eles foram feitos.
Ainda assim, ela não me falou muito sobre clitóris, masturbação e prazer feminino, talvez porque ninguém tivesse falado pra ela.
Sem adicionar mais cobranças à já cobrada (e culpada) figura materna, digo que eu teria sido mais feliz se tivesse ganhado algum estimulador clitoridiano da minha progenitora. Eu teria entendido muito antes o que era um orgasmo, e como chegar até eles de forma independente e lúdica. Também teria gastado menos água e luz tentando entender, no banho, o que era aquela sensação boa que vinha quando a água tocava ali. Teria gozado mais e mais cedo na vida.
Para além, gostaria que as meninas falassem mais disso no colégio. Veja, tive um colega, chamado Carlo, cujo pai era dono de uma locadora de vídeos. Em algum momento da sexta série, todo mundo ficou sabendo que ele tocava cinco punhetas por dia, porque tinha acesso aos filmes pornográficos. Os meninos passaram a ser mais amigos dele também, para ver se descolavam umas fitas. Não era mistério pra ninguém.
As meninas, em contrapartida, ficavam cheias de dedos para falar sobre os beijinhos que davam escondido na rua de trás da escola e, quando os amassos e primeiras transas começaram, as narrativas tinham muita rola e pouco (ou nenhum) grelo.
O pai do Carlo, que fingia não ver que o filho pegava fitas do acervo e passava horas na frente do videocassete, provavelmente jamais seria acusado de aliciar ou assediar um pré-adolescente. O meu pai, que ficava o tempo todo dizendo para o meu irmão de 10 anos que ele tinha que arranjar uma namoradinha, tampouco. Os pais que levam filhos para "perder o cabaço" em prostíbulos também não. Essas coisas são consideradas normais, apenas episódios corriqueiros da formação da sexualidade masculina.
E sabe qual o maior problema? É que os pais e outros adultos que abusam sexualmente de crianças raramente são acusados e devidamente responsabilizados pelos crimes que cometem e, às vezes, quem leva a culpa é a vítima.
Por isso, desejo boa sorte aí para a Polícia Civil de São Paulo, que tem tantas coisas sérias e abusos reais para investigar. Que o Ministério Público e a Justiça não deem continuidade a essa palhaçada, né? Já para as filhas de hoje em dia eu desejo vibradores e conversas esclarecedoras sobre prazer.
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