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Tony Goes

Como personagens de 'Sex and the City' se comportarão na meia idade e no mundo de hoje?

Série, que terá nova temporada, refletia os avanços femininos de 20 anos atrás

Da esq. para a dir., Miranda (Cynthia Nixon), Charlotte (Kristin Davis), Carrie (Sarah Jessica Parker) e Samantha (Kim Cattrall) em cena do filme

Da esq. para a dir., Miranda (Cynthia Nixon), Charlotte (Kristin Davis), Carrie (Sarah Jessica Parker) e Samantha (Kim Cattrall) em cena do filme "Sex and the City" Divulgação

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Dá para contar a história do feminismo nos Estados Unidos através das sitcoms protagonizadas por mulheres. Desde a década de 1950, as séries cômicas da TV americana demonstram com clareza a posição da mulher na sociedade e o que o machismo estrutural espera delas.

A pioneira "I Love Lucy", que durou de 1951 a 1957, era vagamente inspirada por seus atores principais, Lucille Ball e Desi Arnaz, casados na vida real. A diferença é que, no programa, o personagem Ricky Ricardo era o bem-sucedido líder de uma orquestra latina, enquanto sua mulher, Lucy, era uma dona de casa desesperada para engatar uma carreira artística.

Boa parte do humor do seriado vinha das tentativas frustradas de Lucy para ficar famosa, como um comercial em que ela e sua vizinha Ethel se vestiam de marcianas. A mensagem subliminar era óbvia: lugar de mulher é no lar. Um contraste curioso com a própria Lucille Ball, que foi uma atriz premiada e uma empresária bem-sucedida.

Na década de 1960, essa mensagem ficou mais agressiva. Duas sitcoms icônicas do período, "A Feiticeira" e "Jeannie É um Gênio", eram sobre mulheres com poderes mágicos. No entanto, elas não podiam usá-los, para não desagradar aos homens banais com quem viviam. A bruxa Samantha era proibida de limpar a casa com uma torcidinha de nariz. A gênia Jeannie vivia presa em uma garrafa e era submissa ao seu "amo", numa das metáforas menos sutis da história da TV.

Só que, em paralelo, as mulheres conquistavam mais empregos e poder no mundo real, e também o controle sobre seus corpos. Uma das primeiras séries a lidar com este fato foi "Mary Tyler Moore" (1970-1977). A protagonista Mary Richards, solteira e independente, trabalhava como produtora em um telejornal de Minneapolis. Mary também ia para a cama com seus namorados, e não escondia isso de ninguém.

Nos anos 1980, surgiu "Roseanne", criada e estrelada por Roseanne Barr: um retrato bastante realista de uma mulher de classe média baixa, às voltas com problemas financeiros e familiares.

Finalmente, em 1998, estreou na HBO aquela que até hoje é aplaudida como um marco da emancipação feminina: "Sex and the City". Baseada na coluna do mesmo nome que a jornalista Candace Bushnell assinava no jornal New York Observer, a série foi formatada para a TV pelo roteirista Darren Star, que criou quatro personagens estereotipadas: a romântica Charlotte, a promíscua Samantha, a workaholic Miranda e a sagaz Carrie, que também fazia as vezes de narradoras. Todas solteiras, todas em busca de amor e diversão em Nova York.

Ao longo de seis temporadas, as quatro viveram uma miríade de relacionamentos, em que foram abordados assuntos sérios e mundanos: lesbianismo, racismo, maternidade, adultério, casamento, idadismo (preconceito contra pessoas idosas), sexo anal, o tamanho ideal do pênis e até mesmo a conveniência de soltar puns diante do parceiro.

"Sex and the City" terminou em 2004, mas ainda reencarnou duas vezes no cinema, em filmes lançados em 2008 e 2010. Um terceiro longa chegou a ser cogitado, mas a recusa da atriz Kim Cattrall, intérprete de Samantha, inviabilizou o projeto na época.

A HBO está sob nova direção. A emissora vem buscando crescer na audiência enchendo sua grade com séries de super-heróis, e também ressuscitando franquias de sucesso. Uma delas é "Sex and the City", que ganhará uma temporada com dez episódios na plataforma HBO Max, ainda indisponível no Brasil. E dane-se Samantha/Kim Cattrall, que não participará dela.

Assim que esta nova fase foi anunciada no domingo (10), começaram as especulações e as cobranças. "Sex and the City" precisaria incorporar a diversidade, o movimento #MeToo, o Black Lives Matter, o escambau. Nada disso me aflige. Mesmo com suas protagonistas tomando cosmpolitans e calçando Manolo Blahniks, os roteiros sempre souberam equilibrar futilidades com genuínas preocupações sociais.

É bem possível que o tempo de "Sex and the City" já tenha passado. O feminismo nas sitcoms avançou com títulos como "Girls", "Veep" e "Fleabag". A própria cidade de Nova York, depois do 11 de Setembro e da pandemia do novo coronavírus, não é mais a mesma.

Mesmo assim, estou curioso para ver como as três remanescentes, agora com mais de 50 anos, navegam o mundo moderno. Será que Carrie virou blogueira, tuiteira, youtuber? E Charlotte, terá um perfil no Instagram onde exibe seus "recebidos"? Miranda, sempre a mais politizada de todas, trabalhará como advogada pro bono para alguma causa ecológica ou identitária?

Mais interessante ainda: como estará a vida amorosa e sexual delas? No último filme, as três terminavam felizes e bem casadas. Só a desgarrada Samantha rompia com o namorado Smith e voltava à vida descompromissada. Vai ser um desafio e tanto fazer graça com a tranquilidade conjugal do trio que ficou.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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