Tony Goes

Bolsonaro se rebaixa ao postar vídeos contra artistas e o Carnaval

Tuítes publicados nesta terça (5) não são dignos de um presidente

Jair Bolsonaro em cerimônia em Brasília
Jair Bolsonaro em cerimônia em Brasília - AFP
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O Carnaval não foi bondoso com Jair Bolsonaro. Um boneco gigante com suas feições foi atingido por latas de cerveja nas ruas de Olinda. Foliões vestidos de laranja fizeram algazarra na porta do condomínio onde mora o presidente. Por todo o Brasil, blocos bradaram “Ei, Bolsonaro, vai tomar no **”.

É óbvio que Bolsonaro iria reagir. Afinal, o capitão reformado não é homem de levar desaforo para casa. Mas não seria com um sorriso irônico, de quem sabe que a irreverência e a crítica política fazem parte do DNA do Carnaval. Muito menos com um ataque frontal a seus detratores, porque eles são muitos.

Não. O presidente da República preferiu se defender de maneira enviesada, e pelo Twitter. Acabou postando duas mensagens totalmente indignas de alguém que ocupa o posto mais elevado da República.

A primeira foi publicada na manhã desta terça (5), e trazia um vídeo onde um cantor não identificado entoa uma marchinha contra Caetano Veloso e Daniela Mercury. “Êêêêê, tem gente ficando doida sem a tal Lei Rouanet”, diz o refrão, dando a entender que os dois artistas – que lançaram a música “Proibido o Carnaval”, protestando contra a onda de conservadorismo que assola o país – dependem de verbas estatais, o que é a mais absoluta mentira.

Já faz alguns anos que começou uma campanha contra a Lei Rouanet, um dos muitos mecanismos governamentais de financiamento à cultura. Disseminou-se nas redes sociais a fake news de que o PT usava a legislação para pagar mesadas vultosas a alguns famosos, em troca de apoio político.

A realidade é bem mais complexa. Sim, houve alguns abusos, mas a Rouanet é fundamental para o funcionamento de museus, bibliotecas, orquestras e diversos outros órgãos culturais. Além do mais, a renúncia fiscal que ela proporciona aos patrocinadores é compensada pelos impostos arrecadados pelos produtos culturais que ela financia. E todo esse valor empalidece perto dos incentivos que o governo garante a outras áreas da atividade econômica.

Daniela Mercury respondeu na lata ao presidente, mas de maneira respeitosa, e se ofereceu a ir ao Planalto explicar como funciona a Lei Rouanet. É óbvio que sua oferta não será aceita.

Mas esta controvérsia durou pouco. Foi ofuscada, no final do dia, por uma muito maior. Bolsonaro postou em sua conta no Twitter um vídeo obsceno, gravado durante a passagem de um bloco pelas ruas de São Paulo na segunda (4).

“Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no Carnaval brasileiro”, justificou-se o presidente.

A obscenidade, goste-se ou não, também faz parte do Carnaval, e não é de hoje. O conto “O Bebê da Tarlatana Rosa”, de João do Rio, descreve um baile do início do século passado que faria corar os moderninhos da Vila Madalena.

E a obscenidade nem é o maior problema do Carnaval. Há a violência, que encerrou bruscamente o bloco da cantora Ludmila, no Rio de Janeiro, ou os acidentes automobilísticos causados pelo excesso de bebida alcoólica.

Mas nosso presidente preferiu criar um clima de pânico moral, dando destaque a um incidente isolado e insignificante. Conseguiu, entre outras coisas, ir contra as (poucas) palavras que proferiu no Fórum de Davos em janeiro, quando convidou o mundo a visitar o Brasil. Agora ele fez propaganda negativa da nossa maior festa popular.

O mais grave nem é isto. Feio mesmo é termos um mandatário que se comporta como se ainda estivesse na quinta série, inventando polêmicas desnecessárias para desviar a atenção dos escândalos reais que minam seu governo.

Bolsonaro ainda não entendeu que não está mais em campanha, nem que agora fala para todos os brasileiros. Não adianta focar apenas em sua bolha de apoiadores fanáticos – até porque esta diminui a cada dia. As mesmas redes sociais que ajudaram a elegê-lo podem derrubá-lo, se ele não agir de acordo com a liturgia do cargo que agora ocupa. Será que este processo já começou?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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