Tony Goes

Agora o Brasil se divide entre quem ama 'Chaves' e quem odeia

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A briga virtual entre coxinhas e petralhas já é coisa do passado. Uma nova celeuma está pegando fogo na internet: chavistas versus anti-chavistas.

Nada a ver com Hugo Chávez, o ex-presidente da Venezuela, mas a disputa em questão também tem sabor latino. De um lado, estão os fãs ardorosos de Roberto Bolaños, morto na sexta-feira (28). Do outro, os que jamais se deixaram seduzir pelos personagens que ele criou.

Eu me incluo entre estes últimos. Já era grandinho em 1984, quando "Chaves" estreou no SBT. Havia me formado na faculdade e trabalhava no meu primeiro emprego. Ou seja, não fazia mais parte do público-alvo do "Chavo del Ocho".

A verdade é que ser adulto nunca me impediu de apreciar as qualidades de um bom programa infantil —como "Castelo Rá-Tim-Bum", por exemplo. Mas "Chaves" sempre me pareceu terrível, com piadas óbvias, ritmo arrastado e produção indigente.

E não, a desculpa de que a série foi gravada nos ante diluvianos anos 1970 não cola. Basta comparar "Chaves" com a versão brasileira de "Vila Sésamo", produzida (ainda em preto e branco) mais ou menos na mesma época. Ambos se passavam em vilas, mas a dos brasileiros era muito melhor acabada que a dos mexicanos.


Sabe por quê que "Chaves" era tão tosco? Porque não precisava ser bem feito. A emissora Televisa tinha então praticamente o monopólio da televisão no México. Sua grande concorrente atual, a TV Azteca, só seria fundada em 1993. Para quê caprichar, se o espectador não tem opção?

"Chaves" foi um sucesso avassalador em toda a América, inclusive entre a comunidade latina dos Estados Unidos. Fez parte do cardápio televisivo de qualquer brasileiros com menos de 45 anos. E, para muitos deles, Roberto Bolaños é uma espécie de divindade. Ai de quem discordar.

Eu ousei. Escrevi nas redes sociais que "Chaves" é que nem miojo, outro produto que não existia no Brasil quando eu era criança: só quem consumiu na mais tenra infância é que consegue achar bom.

Para quê? Fui imediatamente apedrejado por dezenas de amigos mais jovens do que eu. Sim, recebi o apoio de alguns colegas de geração. Mas a avalanche de críticas soterrou os poucos elogios.

Sorte ainda mais cruel teve a jornalista Sylvia Colombo, que escreveu o artigo "Menos Chaves, Mais Cantinflas" em seu blog "Latinidades", hospedado no site da Folha. Sylvia desconstrói não só o programa como ainda se atreve a dizer que "Chaves" não é "cult" —é só ruim mesmo.

Ah, para quê, para quê? A pobre está sendo alvo de grosserias inacreditáveis no Twitter. Nem se tivesse falado mal de Jesus Cristo.

O fato é que tanto ela quanto eu mexemos com algo realmente sagrado: a memória afetiva de muitas pessoas.

Claro que respeitamos quem adora "Chaves". Claro que damos importância à carreira de Roberto Bolaños. Mas nem por isto mudamos de opinião.

Ofendemos alguém? Foi sem querer querendo...

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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