A exaustão de início de ano e a minha culpa burguesa
Você já teve a sensação de que precisaria tirar umas férias para se recuperar das suas férias?
Todos os anos, naquele período que começa, mais ou menos, na segunda quinzena de novembro e se estende até o Réveillon, bilhões de pessoas vibram juntas pelo desejo profundo de que o ano que vem vai ser melhor. Que vamos conseguir dar check na lista infinita de resoluções e tudo será mais leve.
A exaustão no final do ano passado foi pesada, uma retrospectiva mental de todas as desgraceiras desse 2024 em que oficialmente as trombetas do apocalipse foram tocadas até para os ouvidos mais desatentos. É preciso recomeçar. Mas tirando energia de onde?
Na realidade aceleradíssima em que vivemos, será que não estamos todos tão sobrecarregados que já está na hora de prestar atenção num outro fenômeno igualmente devastador –senão ainda pior? A exaustão de início de ano.
Voltando de uma bela viagem para a praia, com o corpo ainda quente de sol, cheirando a mar e protetor solar e, depois de passar algumas horas desfazendo malas, organizando as coisas e dando aquele tapa básico na casa, fico olhando para o nada e bate aquela culpa burguesa.
Mal dá tempo de lembrar dos boletos e já começo a receber um tsunami de mensagens, directs, áudios, ligações telefônicas, emails. Me dou conta de que já é segunda-feira de novo e o ano começou em velocidade máxima, equilibrando todos os pratinhos que a vida vai jogando, enquanto cuido do meu filho em tempo integral.
Escolas fechadas, parquinho lotado. Você tem a clara impressão de que não descansou um segundo sequer. E, se viajou com criança, de fato não descansou. A angustiante sensação de que você, idealmente, precisaria tirar umas férias para se recuperar das suas férias.
Uma das possíveis definições para um "adulto" em 2025 é uma pessoa que, ao se deparar com um convite para basicamente qualquer atividade, seja ela de trabalho, puro ócio ou lazer, responde no automático: "Nesta semana tá corrido, mas semana que vem eu tô bem mais livre". Só que essa sonhada semana que vem jamais vem.
Parece até a recriação do mito de Sísifo, adaptado para os nossos tempos: na semana que vem não estaremos mais livres e, sim, novamente empenhados na tarefa de empurrar nossa pedra de estimação com todas as suas toneladas morro acima.
Pensando bem, não é bem assim que essas coisas são. Se os problemas cotidianos resolvessem aparecer todos de uma só vez, se decidissem se manifestar como um pedregulho tremendo, concentrando todas as forças num mesmo dia, numa semana, num mês, acho que a maioria das pessoas simplesmente sentaria no chão e começaria a chorar. Não tem como, eu penso.
Acontece que a vida não é uma pedra de milhões de toneladas. São milhões de pedras, pedregulhos e pedrinhas, de tamanhos variados. Umas tão pequenas que cabem no nosso bolso. Outras mais pesadas, dessas que a gente precisa cuidar para agachar e levantar com as pernas, não com a coluna, para não explodir a nossa lombar (era só o que faltava uma hora dessas). O detalhe é que todas essas pedras nós conseguimos carregar.
Só que é aí que mora o perigo. É tanta pedra para carregar que a gente nem pensa: a gente simplesmente carrega. Um dia depois do outro. Sem nem pensar. E é tanto tempo carregando pedra que a gente vai ficando cada vez mais forte, podendo carregar cada vez mais pedra –e pedra mais pesada. E a gente vai lá e coloca mais pedra. Quando vê, a gente está carregando muito mais pedra do que a gente achou que um dia seria capaz de suportar. Mas a gente suporta.
Será mesmo que suporta? Se suporta, por quanto tempo seremos capazes de suportar esse peso? Esse ritmo? Será que estamos mesmo ficando mais fortes carregando todo esse peso ou estamos a ponto de estourar, de pifar, de ultrapassar o nosso limite? Será que já não ultrapassamos esse limite há muito tempo e estejamos vivendo num estado mental que sequer entendemos direito?
Talvez isso explique porque as pessoas andam tomando atitudes tão descompensadas que, muitas vezes, de forma irresponsável, não perdemos nem um segundo para classificar como loucas. Alguém muito mais inteligente já disse alguma vez que loucura mesmo seria estar perfeitamente ajustado a um mundo totalmente insano. Provavelmente é verdade.
Imagino que, se você está me lendo aqui, provavelmente já passou dos trinta. Se você já passou dos trinta, é provável que esteja fazendo algum tipo de atividade física e saiba muito bem –talvez até por experiência prática– que se você forçar demais, se você exagerar na dose, você se machuca. Muitas vezes, a única maneira de se curar é parando tudo, ficando no mais absoluto repouso. Mas me pergunto, do alto do meu privilégio: em pleno 2025, quem é que pode fazer isso?
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