Afonso Roitman é um boy tóxico em 'Vale Tudo'?
Príncipe-herdeiro da TCA só reclama de que Solange não está 'disponível' para ele e não entende a gravidade de sua traição com Fátima
Com o vaivém entre Afonso (Humberto Carrão) e Solange (Alice Wegmann), e a entrada de Fátima (Bella Campos) na jogada em "Vale Tudo" (Globo), uma pergunta pairou sobre os debates da novela na semana passada: seria o herdeiro da TCA um autêntico exemplar de homem tóxico? Os caminhos levam a crer que a resposta é sim.
Primeiro, vamos comparar o Afonso de 1988 com o de 2025. Nos anos 80, ainda não vivíamos a onda fitness. O personagem de Cássio Gabus não fazia esporte nenhum, ou melhor, praticava o esporte que quase todos na novela praticavam: fumava e tomava uísque.
Em compensação, ele era sempre visto trabalhando na TCA, enquanto a versão de Humberto Carrão aparece lá no máximo uma vez por mês, para saber a quantas anda a preparação da sala que ele não tem a mínima intenção de ocupar. O Afonso 2025 só quer saber de triatlo e foge do batente –e nisso ele já despertou a antipatia de 99% dos trabalhadores do Brasil.
Por que estou falando dos hábitos (ou não hábitos) de trabalho de Afonso? Porque a coisa complica quando ele namora uma moça workaholic e bastante talentosa como a mocinha Duprat.
Desde o início da novela, Afonso se mostra incomodado com a "pouca disponibilidade" que Solange tem para o namoro –trocando em miúdos, ela raramente está disponível para ele. Ele quer fazer lindas viagens de fim de semana, mas ela tem um chefe a obedecer (o explorador Renato) e precisa trabalhar aos sábados e domingos. Tudo bem, é preciso admitir: Solange é a pessoa mais workaholic do Rio de Janeiro –no último sábado, ficou numa reunião via celular enquanto almoçava com o namorado. É puxado.
Aí a coisa entornou de vez quando a moça aceitou uma proposta para trabalhar na Espanha –parte de uma tramoia de Odete Roitman, mas isso não vem ao caso agora. Não deu nem dois capítulos e o pobre Afonso já vivia uma grande crise existencial, se questionando se o namoro sobreviveria a tamanha distância.
Nas redes, o público de "Vale Tudo" se apressou em notar o absurdo da situação. Afonso, herdeiro de uma companhia aérea, pode ter passagens de primeira classe na faixa para ir a Madri quando quiser, mas não considerou nem uma única vez se deslocar para visitar a amada.
Pelo contrário, o bonito logo foi visto chegando à clássica conclusão masculina com seu personal trainer: quando a mulher não está "disponível", é muito difícil sustentar uma relação. E o que logo fez nosso esquerdomacho preferido? Cedeu às investidas de Fátima, suposta amiga de Solange, simplesmente porque ela se mostrou, sim, disponível, trabalhando como secretária sem salário e comprando até os suplementos do atleta para a prova que ele iria disputar.
Corta para Solange voltando do nada ao Brasil, após descobrir que a sua vaga estava sendo financiada pela sogra. Numa DR, ela confessa a Afonso que ficou com um cara aleatório num fim de semana em Portugal. Ele tem uma crise de ciúmes e dá a entender que ela errou tanto quanto ele ao ficar com a MELHOR AMIGA dela. Podemos facilmente ver aqui algum indício de "gaslighting", a manipulação emocional dos homens sobre as mulheres.
Uma parte do público reclamou dessa escolha da autora Manuela Dias: a de dar a informação de que Solange "também traiu", tirando dela a imagem de mocinha perfeita e vítima integral das más decisões de Afonso e das armações de Fátima.
Como a maioria da opinião pública, eu continuo achando que o peso do que fez Solange é infinitamente menor do que aquilo que Afonso fez. As críticas talvez mostrem, mais uma vez, o quanto parte do público ainda segue uma lógica machista, ainda que inconsciente.
Me lembrei daqueles versos maravilhosos do Luiz Melodia em sua canção "Juventude Transviada": "uma moça sem mancada / uma mulher não deve vacilar". Melodia escreveu essa letra em 1975. 50 anos depois, desconfio que o pensamento geral não tenha mudado tanto assim.
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