Thiago Stivaletti

'O Rebu' transita entre erros e acertos de remakes na Globo

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Noveleiro que se preze curte um bom remake. Só a comparação dos atores originais com os novos já rende um bom pano pra manga.

OK, quase ninguém lembra da primeira versão de "O Rebu", no distante ano de 1974. Uma novela ousada que, além de se passar numa única noite e num único local, ainda guardou uma bela surpresa: a vítima afogada na piscina, ao contrário do que todos pensavam, não era um homem, mas uma mulher vestida de homem (Bete Mendes).

Os remakes da Globo são irregulares. Só pra ficar nessa faixa das 23h, "O Astro" conseguiu preservar aquele clima místico-absurdo que a Janete Clair fazia como ninguém, exagerando no batom da Juliana Paes e no lápis do Rodrigo Lombardi. Já "Gabriela" não tinha quase nada do humor baiano original —era uma novela do Walcyr Carrasco como todas as outras ("Chocolate com Pimenta" passada na Bahia) e a mesma Juliana Paes não fez nem coceguinha na Sonia Braga no papel principal.

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"Saramandaia" também não rolou. A original tinha uma loucura anárquica genial —uma das cenas memoráveis, que passa volta e meia no "Vídeo Show", é do Tiradentes com a forca no pescoço atravessando a praça da cidade num capítulo que ia ao ar no 21 de abril. Já a nova tinha um visual clean demais, além de um elenco insosso, que não ajudou.

"O Rebu" apanhou um pouco no início porque a Globo ainda não se entendeu com a sua grade: quer ter um produto top para o horário das 23h, mas não sabe bem como encaixar. São várias tramas em paralelo, dezenas de personagens, idas e voltas no tempo com um punhado de flashbacks... enfim, uma história complexa que foi sendo contada aos solavancos, em quatro capítulos por semana (e ainda pulando a quarta, dia de jogo), com capítulos que variam de 20 a 50 minutos. Difícil dar conta.


Mas depois de um tempo de ajuste, os roteiristas conseguiram entender o formato, e agora a história está fluindo lindamente. Nessa reta final, estamos descobrindo que a Duda (Sophie Charlotte) não é uma flor de pessoa e roubava a empresa da mãe, Ângela (Patrícia Pillar). Não seria sensacional se, depois daquela cena de abertura, ela toda angelical cantando "Sua Estupidez", tiver sido ela a matar o namorado Bruno (Daniel Oliveira)?

E as melhores personagens pra mim são a mãe e a filha pegadoras (Vera Holtz e Camila Morgado). A primeira pega Zé Maria (Val Perré), o segurança negro da mansão. A segunda botou para dentro da festa o bandidinho Alain (Jesuíta Barbosa), com quem protagonizou uma bela cena de "ménage à trois". Sem elas, não haveria humor -nem "mobilidade social"- na novela.

Nada disso seria tão bom se não fosse a câmera do Walter Carvalho, o maior diretor de fotografia do cinema brasileiro ("Central do Brasil", "Madame Satã", "Lavoura Arcaica", só pra ficar em alguns). O cara consegue encontrar uma solução original pra cada cena —a gente nunca vê aquele plano-contraplano básico: corta do mocinho falando pra mocinha falando. As cenas de balada na festa, uns planos-sequências sensacionais, sem cortes, estão entre as melhores coisas que a Globo mostrou em muito tempo.

Agora é torcer para a revelação do assassino fazer jus ao que "O Rebu" mostrou até então. E se é para radicalizar nas escolhas, deixo aqui meu desejo pra 2015: um remake de "O Grito" (1975), que se passava num prédio à beira do Minhocão, no qual a Glória Menezes vivia uma ex-freira cujo filho tinha problemas mentais e gritava horrivelmente durante a noite. Imagina essa história nas mãos do Walter Carvalho...

HERESIA ABSOLUTA

Devia ser demitido quem teve a infeliz ideia de colocar "Dona", música-tema da eterna Viúva Porcina de "Roque Santeiro", tocada pelo Roupa Nova, como tema da Maria Marta (Lília Cabral) em "Império". Tudo bem, deu pra entender: quiseram forçar a associação entre duas mulheres fortes, caprichosas, mimadas, donas de suas vontades etc.

Mas não dá. Começa a tocar "Dona", seja no restaurante, na sala de espera do dentista ou do karaokê, qualquer um com mais de 30 anos pensa na Porcina. Regina Duarte, aqui fica meu conselho: coloque de novo aquele turbante, passe um belo blush rosa-choque na cara, entre nos estúdios de "Império" e quebre a cara da Lília Cabral. A música é sua e sempre vai ser.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista, crítico de cinema e noveleiro alucinado. Trabalhou no "TV Folha", o extinto caderno de TV da Folha, e na página de Televisão do UOL. Viciou-se em novela aos sete anos de idade, quando sua mãe professora ia trabalhar à noite e o deixava na frente da TV assistindo a uma das melhores novelas de todos os tempos, "Roque Santeiro". Desde então, não parou mais. Mesmo quando não acompanha diariamente uma novela, sabe por osmose todo o elenco e tudo o que está se passando.

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