Renato Kramer

Lília Cabral: talento no horário nobre

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A trama de "Fina Estampa" não traz em si nenhuma grande novidade. O drama de alguns de seus personagens já foram vistos e revistos em diversas novelas anteriores. O que também não tira o mérito do seu enredo. Afinal o ser humano é o que é desde sempre.

O que teria de tão atraente na atual novela das oito (nove?) da Rede Globo? O tal 'padrão Globo de qualidade' se mantém: cenografia e figurino impecável, direção ágil, cortes de cena perfeitos. Mas, especialmente, boas interpretações.

A protagonista é uma grande atriz. Sempre foi. Desde que resolveu deixar de dar aulas de artes plásticas para crianças e se inscrever (escondido do seu pai!) na Escola de Arte Dramática da USP.

No final da década de setenta, nos corredores da EAD, apareceu uma moça alta, bonita, com olhos muito grandes e muito azuis. Procurava algum veterano que pudesse ajudá-la a preparar a cena que precisava apresentar no exame de admissão da escola. Lília Cabral tinha preparado um pequeno trecho da comédia de Martins Pena, "Quem Casa Quer Casa". Talvez por estar muito intimidada, pareceu um tanto travada ao apresentar o que tinha ensaiado.

Foi-lhe sugerido que tentasse outro texto. Quem sabe "A Megera Domada", do velho bardo? Ela aceitou o desafio. Preparou-se para a prova. Deu um show.

E ninguém mais a segurou. Brilhou em todas as montagens realizadas durante o curso de teatro. Entre outras, foi Charlotte Cordeille, em "Marat-Sade" (Peter Weiss); Marigaila, em "Divinas Palavras" (Valle Inclán), a vilã de "Estado de Sítio" (Albert Camus) e a beata de "O Bordel" (Brendan Behan). Nem todos esses eram protagonistas. Mas a atriz é uma estrela nata, seus personagens em cena ganhavam sempre uma dimensão maior.

Crédito: Estevam Avellar/TV Globo Lilia Cabral interpreta Grizelda em "Fina Estampa"
Lilia Cabral interpreta Grizelda em "Fina Estampa"

Logo após formar-se, já tendo feito belos trabalhos no teatro infantil, veio o convite para participar de "Feliz Ano Velho" (Marcelo Rubens Paiva). Espetáculo de sucesso, dirigido por Paulo Betti - com um elenco talentoso (Adilson Barros, Denise Del Vecchio e Marcos Frota, entre outros), embora tratasse do sério drama vivido pelo autor, tinha pitadas de muito humor. E a responsável maior pelas gargalhadas da plateia era Lília Cabral.

Ela tinha pequenas intervenções. Mas quando entrava em cena, o espetáculo era dela. Em uma dessas passagens, a atriz fazia uma 'professora de ginástica na TV'. É impossível relatar o quanto a tal professora era hilariante. Quem viu, jamais esquecerá.

Depois do sucesso absoluto do espetáculo em São Paulo, o grupo foi convidado para uma temporada no Teatro Ipanema, no Rio. Como o diretor Paulo Betti já tinha contatos na Rede Globo, alguns 'globais' foram assistir a estreia. O diretor Dennis Carvalho estava lá. Também foi fisgado pela performance da atriz. Algum tempo depois, Lília foi chamada para fazer um teste na televisão. Foi contratada. Está lá até hoje.

O resto da história vocês tiveram a oportunidade de acompanhar. Em papéis pequenos, médios ou grandes - se é que se pode medir o 'tamanho' de um papel - a atriz foi aprimorando o seu talento. Faz rir, faz chorar, é malvada, é boazinha...é até perversa quando a trama exige (Marta, em"Páginas da Vida") e vira 'pau pra toda obra', como está fazendo com o seu 'Pereirão'em "Fina Estampa".

Mesmo tendo se firmado cada vez mais na televisão, Lília Cabral nunca deixou de estar nos palcos, sempre com grande paixão. Entre tantos sucessos, deu um show no monólogo "Solteira, Casada, Viúva, Divorciada" (de autores diversos) e, mais recentemente, em "Divã" (Martha Medeiros), que virou filme, que virou minissérie.

No capítulo de ontem, Griselda (Lília Cabral) enfrentou a desnaturada ex-nora Teodora (Carolina Dieckmann), que já soube dos 'milhões' que a sogra ganhou e quer dar o golpe através do seu filho, neto amado do 'Pereirão'. Bela cena, belas atrizes.

Lília Cabral? Traz sempre a profundidade do 'humano' em seus personagens. São verdadeiros, mesmo quando a ficção é inverossímil. Isso é talento.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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