Renato Kramer

'O Brasil é um país tragicômico', afirma o humorista Marcius Melhem

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O "Marília Gabriela Entrevista" (GNT) do último domingo (5) deu a oportunidade para o comediante Marcius Melhem falar do sucesso do seu "Tá No Ar" (Globo) e desabafar todo o seu desânimo em relação à situação política do Brasil.

"Um povo tão bacana e ao mesmo tempo com tanta coisa errada... Tanta coisa por fazer, tão atrasado! Estão lá atrás em diversas coisas fundamentais: saúde, educação, cidadania... os lugares comuns que a gente aponta. E provavelmente nossos netos estarão aqui falando a mesma coisa. Temos uma classe política do pior nível possível, preocupada apenas com o seu próprio jogo de poder, sem ter um projeto para este país. Então é um país tragicômico. A gente tem muitas alegrias, geralmente as espontâneas que vêm do povo, ou as belezas naturais, que não dependem da gente", desabafou.

"Você falou uma coisa tão séria e tão verdadeira. É impressionante isso. Espero que seja uma fase. Quem sabe haja uma luz no fim do túnel?!", argumentou a apresentadora. "Eu acho que a gente não verá esse túnel", enfatizou Melhem. "Até porque para estruturar uma sociedade dessas que você está falando leva muito tempo", observou Gabi. "Leva muito tempo a partir do momento que você começa, e a gente nem começou!", decretou o convidado.

"A nossa classe política, das pessoas que estão lá, você vê um extrato muito pequeno que realmente está ali tentando fazer alguma coisa de positivo, de construção de uma identidade desse país e de melhoria efetiva. O resto ali é puro jogo de poder. É gente criando crise ou abafando crise pra sair bem dela, entendeu?", declarou Melhem, bastante descrente em relação ao cenário da política nacional.


"O 'Tá No Ar' é um sucesso de público e de crítica, o que vem a ser a medalha de ouro no peito. Agora, o programa usa quase uma metalinguagem, porque é a TV falando de forma crítica da própria televisão. Vocês tiveram dificuldade para conseguir esse espaço na Globo?", quis saber Gabi, mudando de assunto.

"Claro. O espaço nunca é fácil, é muita gente lutando pelo mesmo espaço", explicou o comediante. "Quando eu levei para o [Marcelo] Adnet e para o Maurício [Farias] a ideia desse programa, e a gente começou a discutir o conceito dele, coincidiu com a época que o [Carlos Henrique] Schroeder, o nosso diretor geral das organizações [Globo] estava promovendo fóruns para debater os gêneros. Então o humor tinha um fórum com onze, doze cabeças discutindo o futuro do humor", contou Melhem.

"Então foi dito claramente desde o início que ou esse programa seria assim ou ele não seria. Um dos conceitos do programa é fazer a crítica da própria TV. O segundo é: a gente se apoderar de alguns gêneros televisivos para, por dentro, colocar críticas outras, sobre coisas que estão acontecendo aí. E o terceiro pilar desse programa é desnudar alguns discursos", explanou.

"O humor não tem essa raiz crítica que faz com que o povo ria no momento do seu pior e com isso ele possa compreender e suportá-lo?", questionou a jornalista. "Deveria ter, sempre. Mas nem sempre teve", retrucou o comediante. "O que acontece é o seguinte: a sociedade deu uma 'encaretada' violenta!", ressaltou. "A partir de?", emendou Gabi. "A partir das diversas reações a qualquer tipo de provocação, mesmo quando não é uma provocação", replicou o ator.

Ele exemplificou: "No primeiro episódio desta temporada eu coloquei o quadro 'Escravas Bahia' e o que eu queria dizer era: 'Olha que absurdo!'. Só que eu não verbalizei esse 'olha que absurdo', porque também a gente acredita na capacidade do público entender. Existiu um pequeno setor do 'movimento negro' que achou o contrário! Que a gente estava fazendo piada com a dor que foi a escravidão do negro".

"Você está falando sobre o conceito do politicamente incorreto", observou Gabi. "A sociedade está muito armada", reclamou Melhem. "A sociedade tem conquistas, e essas têm que ser preservadas. Mas isso gerou um armamento. Eu acho que nada é sagrado para o humor, e a gente tem que brincar com tudo", reafirmou Marcius. "E se somos todos iguais, todos podemos ser motivo de piada também!", concluiu.

"Mas se falta educação e cultura, como é que vão entender as piadas, como é que vão entender da própria problemática?", questionou Gabi. "E a função do humor não é concluir nada, mas é levantar as questões para serem discutidas, e esse diálogo, por essa caretice, em algum momento se perdeu", declarou o entrevistado.

"Por enquanto a Rede Globo não pediu para vocês maneirarem em nada?", quis saber ela. "Nada", foi a resposta direta do comediante. "Não houve nenhuma censura, agora os limites dessa brincadeira, a gente está o tempo todo reafirmando, conversando e estabelecendo", garantiu ele.

Atualmente, Melhem está encarregado de fazer uma transformação no "Zorra Total", e considera uma missão bastante difícil. "Está sendo um processo muito doloroso em muitos aspectos. Ter que abrir mão de pessoas. Quando eu entrei agora no 'Zorra', ele tinha uma redação final de 20 pessoas. Hoje continua tendo uma redação de 20 pessoas, mas da redação que eu herdei sobraram cinco. Outros 15 não resistiram ao processo. Foi a missão que me deram. A emissora me chamou e me colocou que o programa estava apresentando um certo desgaste e queriam que eu desse uma mexida", revelou o humorista.

"Esse momento 'quem fica, quem sai' foi muito tenso para todo o mundo. Passada essa tormenta, o conceito do novo 'Zorra' é fazer um programa de quadros, como já era, mas mais colado com a realidade, que dialogue com as coisas que estão acontecendo. Uma coisa mais realista, para que você tenha a construção do real pra você quebrar com o humor e ao mesmo tempo um resgate de uma linguagem um pouco esquecida, o 'nonsense', as piadas mais rápidas, mais curtas", esclareceu.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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